Opinião

O contrato social padrão e as armadilhas das cláusulas genéricas

Autores

  • Antônio de Pádua Faria Júnior

    é advogado no escritório Pádua Faria Advogados graduado em Direito pela Faculdade de Direito de Franca pós-graduado em Direito Tributário pelo Instituto Brasileiro de Direito Tributário (Ibet) LLC em Direito Empresarial pelo Insper e mestre em Direito pela Unesp atuante.

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  • Maria Eduarda Romeiro

    é estagiária no escritório Pádua Faria Advogados e graduanda em Direito pela Faculdade de Direito de Franca.

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1 de maio de 2023, 6h38

A sociedade limitada é o tipo societário mais popular no país, isto é fato. Sob este formato, vemos desde grandes indústrias até um simples mercado. Dentre cerca de 6 milhões de sociedades empresárias ativas no Brasil[1], pelo menos 5,9 milhões são Limitadas. A grande maioria, em torno de 85%, são formadas por dois sócios, dentre as quais 53,20% não têm um controlador[2].

Outra realidade conhecida é que grande parte dessas empresas possuem um contrato social com cláusulas simplórias e muitas das vezes mal redigidas. Até as empresas de grande porte vivem essa realidade. Esse cenário existe, pois, muitas vezes o empresário está, naquele momento, mais preocupado com o negócio em si, dando prioridade em criar renda ou faturar mais. Ou ainda, pelo custo mais elevado de se elaborar um bom contrato social, vez que, abrir uma empresa é oneroso e muitas vezes não sobra capital para investir em um contrato social completo.

Entretanto, nota-se com frequência que, não se preocupar que o documento mais importante da sua empresa (contrato social) seja bem redigido e elaborado representando a realidade e circunstâncias do negócio pode acarretar em eventual custo infinitamente superior, podendo causar inclusive o encerramento de empresas ou sua insolvência.

Possuir um documento que abarque as deliberações entre os sócios e de forma[3] personalizada disponha as intenções de cada um, em conjunto com os objetivos da sociedade e como ela será regida é indispensável para a perenidade das empresas, não apenas no surgimento delas, como também no decorrer de sua trajetória, visto que empresas e relações societárias inevitavelmente sofrem transformações, sejam elas alterações de objetos sociais, quadro societário, objetivos, entre outras, todas essas possibilidades devem estar contempladas no contrato social.

O verdadeiro inconveniente ocorre principalmente quando as cláusulas do contrato social atendem apenas a interesses particulares dos sócios ou não são redigidas levando em consideração as especificidades da sociedade e do negócio em si.

Em razão disso, é amplamente comum nos depararmos com contratos sociais que possuem cláusulas genéricas dispondo, dentre outros assuntos, sobre quóruns para deliberações sociais. Na maioria das vezes as regras são criadas apenas para cumprimento de protocolo, sem a devida reflexão dos motivos para tanto, e tampouco nos reflexos caso ocorra um fato concreto.

Portanto, um contrato social mal redigido ou que não tenha sido elaborado considerando a realidade da empresa gera enorme risco à existência da sociedade. Tais riscos são consequências de quando não há regras suficientes para lidar com situações diversas, as quais já estão previstas no Código Civil, como por exemplo, a destituição de um administrador ou a venda de parte do capital.

Recentemente, fomos surpreendidos com um grande imbróglio ocasionado por uma cláusula contratual mal redigida e completamente sem nexo com a realidade da sociedade. A matéria detinha cunho extremamente complexo e ocasionava em diferentes versões interpretativas.

O caso citado ocorreu a partir de uma sociedade limitada com dois sócios, cujo capital social é de R$ 1 milhão a qual possuía um contrato social de apenas três páginas, com uma cláusula de caráter genérico determinando que "qualquer alteração do contrato social" dependia, para sua validade, da assinatura e aprovação unânime dos sócios e justamente em razão disso, o sócio majoritário, que detinha 70% do capital, não era controlador efetivo.

Eventualmente, a relação societária se tornou conflituosa em razão de determinadas condutas por parte do sócio minoritário e para solucionar parte da questão, seria necessário destituí-lo como administrador. E então, deparou-se com evidente obstáculo para sanar a referida questão, pois ambos os sócios eram nomeados administradores no contrato social, e logicamente o sócio minoritário não votaria contra si pela respectiva destituição.

E mesmo após a realização de reunião de sócios, devidamente realizada seguindo os termos do contrato social e do Código Civil, a qual deliberou pela destituição do administrador e sócio minoritário, a situação não se tornou pacificada.

Sendo assim, face ao cenário relatado foram provocadas as seguintes reflexões: cláusulas genéricas com quórum de unanimidade de sócios para alteração do contrato social incidem sobre os quóruns de matérias específicas, tal qual a destituição do administrador? E se explorado a fundo, há ainda outra questão de maior complexidade a ser apurada: quais matérias requerem alteração de contrato social? Para destituição de administrador, é suficiente o registro da ata de deliberação de sócios?

Inicialmente, cabe elucidar que existem dois tipos de alterações no que tange ao  registro público de empresas, são elas, a alteração simples, a qual basta incluir as modificações em um documento que servirá como um anexo ao contrato social original e, portanto, deve ser averbado às margens do contrato social; e a alteração consolidada, ocasião na qual o contrato social utilizado até então é substituído por outro atualizado, onde reúnem-se todas as mudanças e todas as cláusulas em um único documento com a respectiva consolidação, cumulando na efetiva validade do documento como contrato social da empresa.

Reprodução
Diante do referido cenário, o melhor raciocínio para solucionar o entrave ocasionado na sociedade citada seria verificar em qual tipo de alteração do contrato social a destituição do administrador se encaixava, pois foi constatado que a alteração simples não dependeria de aprovação unânime.

Em pesquisa junto aos Tribunais de Justiça e Cortes Superiores, observou-se que estes determinam que a unanimidade prevista para alterações no contrato social dizia respeito apenas às alterações genéricas. Em caso análogo, o STJ (Superior Tribunal de Justiça) julgou que cláusula contratual que prevê a anuência da unanimidade dos sócios para modificações no contrato social se dirige apenas para alterações no contrato social em geral, não sendo aplicável à quóruns específicos, como a de destituição do cargo de administrador, por exemplo. Vejamos:

"A cláusula contratual prevista no contrato social que prevê a anuência da unanimidade dos sócios para modificações no contrato social se dirige para alterações no referido contratual social em geral, não tratando de destituição do cargo de administrador." (STJ – AgRg no REsp 1.537.682 – 4ª Turma – j. 15/12/2015 – julgado por Luis Felipe Salomão)

A referida cláusula sob julgamento no STJ tratava genericamente de modificações contratuais e não especificamente da destituição de administradores, assim como ocorreu no caso citado.

Por essa razão, julgou-se obrigatória a previsão de cláusula expressa de deliberação unânime para a destituição de sócio nomeado administrador no contrato, visto que "a destituição de sócio nomeado administrador no contrato e alteração social são temas distintos na legislação vigente e exigem, pra fins de deliberação quóruns específicos", conforme trecho do acórdão de caso análogo citado acima, julgado no STJ.

Importante ressaltar que, a respeito da destituição de administrador, nos termos do artigo 1.063 §1º do Código Civil, é necessária a aprovação de titulares de quotas correspondentes a mais da metade do capital social. A exceção, para disposição contratual diversa, exige que haja previsão expressa de quórum específico para a matéria.

Há também a incidência de outros julgados no mesmo sentido, veja-se:

"Para a destituição de um sócio da administração da empresa, a exigência de unanimidade afrontaria a interpretação integrativa ou sistemática dos dispositivos que disciplinam a sociedade limitada", evidenciando a interpretação sistemática do artigo 1.063, § 1° do Código Civil." (TJ-SP – Acórdão 9215399-88.2007.8.26.0000/50000 – j. 8/11/2011 – julgado por Viviani Nicolau)

De forma complementar, a Instrução Normativa nº 81 do Departamento Nacional de Registro Empresarial e Integração (Drei) é clara ao dispor que a destituição de administrador pode ser feita em ato separado, ou seja, independe de alteração consolidada do contrato social:

4.8. ADMINISTRADOR – DESIGNAÇÃO/DESTITUIÇÃO E RENÚNCIA[4]
A designação e destituição de administrador dependerão da observância do quórum de deliberação. […]
[…] Nota: A designação/destituição do administrador pode ser feita em ato separado e independente de alteração do contrato social, com a devida repercussão no cadastro, nos termos do art. 1.071, II e III, do Código Civil.

Isto posto, voltando ao caso em análise, concluiu-se que para a destituição de sócio administrador deve haver cláusula específica no contrato social da empresa que preveja a necessidade de quórum superior ao que está disposto no Código Civil e a partir disso, foi admissível a destituição do sócio minoritário do cargo de administrador vez que, era de vontade expressa do sócio majoritário, o qual detinha 70% das quotas, a efetiva destituição.

Entretanto, a tarefa de promover a averbação da ata de deliberação que culminou com a destituição do administrador em questão foi árdua, com diversas notas de devolução e inúmeros esclarecimentos para comprovar à Junta Comercial competente a distinção aqui tratada.

Diante do caso prático exemplificado acima, nota-se que o contrato social é bastante relevante para o sucesso da empresa e a garantia dos sócios entre si e para com a sociedade, vez que, se houvesse regulamentação expressa acerca do quórum para destituição de administrador ou ainda a inexistência de cláusula de unanimidade genérica, não seriam necessárias as diversas medidas e análises burocráticas que foram realizadas em razão da generalidade das cláusulas do contrato social, o que certamente gera insegurança nos sócios e pode significar sérios prejuízos à empresa.

Portanto, a destituição de administrador por deliberação de titulares de quotas correspondentes a mais da metade do capital social é regular, possível e não representa alteração do contrato social da sociedade, havendo tanto embasamento legal quanto jurisprudencial acerca da questão.

Conclui-se, a partir da análise do caso prático relatado que, o contrato social deve conter todos os elementos necessários para dispor acerca das particularidades de cada empresa e seus respectivos sócios a partir de uma elaboração mais cautelosa e detalhista do documento, visando que a sociedade esteja resguardada em eventuais intercorrências, evitando contratempos.

[1] Segundo os dados do Ministério da Economia, na plataforma Mapa de Empresas. Disponível em: https://www.gov.br/empresas-e-negocios/pt-br/mapa-de-empresas

 

[2] Radiografia das Sociedades Limitadas. Núcleo de Estudos em Mercados e Investimentos. FGV Direito SP: outubro de 2014. Disponível em:

https://edisciplinas.usp.br/pluginfile.php/4643699/mod_resource/content/1/Radiografia%20das%20Sociedades%20Limitadas.pdf

[4] 4.8. ADMINISTRADOR – DESIGNAÇÃO/DESTITUIÇÃO E RENÚNCIA

A designação e destituição de administrador dependerão da observância do quórum de deliberação. A renúncia de administrador torna-se eficaz, em relação à sociedade, desde o momento em que esta toma conhecimento da comunicação escrita do renunciante; e, em relação a terceiros, após o registro. Para o arquivamento da renúncia, é indispensável a comprovação da ciência da sociedade, por qualquer meio admitido em direito. A comunicação escrita poderá ser recebida por qualquer pessoa (exceto o próprio renunciante), no endereço da sede. Nota: A designação/destituição do administrador pode ser feita em ato separado e independente de alteração do contrato social, com a devida repercussão no cadastro, nos termos do art. 1.071, II e III, do Código Civil.

Autores

  • é advogado no escritório Pádua Faria Advogados. Graduado em Direito pela Faculdade de Direito de Franca. Pós-graduado em Direito Tributário pelo Ibet (Instituto Brasileiro de Direito Tributário). LLC em Direito Empresarial pelo Insper. Mestre em Direito pela Unesp (Universidade Estadual Paulista).

  • é estagiária no escritório Pádua Faria Advogados. Graduanda em Direito pela Faculdade de Direito de Franca.

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