Opinião

NLLC: marca e necessidade de alteração da Súmula 270 do TCU

Autor

  • Laércio José Loureiro dos Santos

    é mestre em Direito pela PUC-SP procurador municipal e autor do livro Inovações da Nova Lei de Licitações (2ª ed. Dialética 2023 — no prelo) e coautor da obra coletiva A Contratação Direta de Profissionais da Advocacia (coord.: Marcelo Figueiredo Ed. Juspodivm 2023).

29 de junho de 2023, 15h17

A Súmula 270 do TCU prevê o seguinte:

"Em licitações referentes a compras, inclusive de softwares, é possível a indicação de marca, desde que seja estritamente necessária para atender exigências de padronização e que haja prévia justificação".

 A Nova Lei de Licitações e Contratos (NLLC), porém, tem forte influência de princípios da governança corporativa empresarial e a compra de produto "apenas por ser o mais barato" está em vias de extinção com a inclusão do conceito de "ciclo de vida do objeto".

A proibição de marca, que não passa de uma escolha de marca (s) por via transversa, tem previsão expressa na nova lei de licitações, rompendo a exclusividade de padronização como justificativa para a indicação de marca.

É corriqueiro que nas empresas privadas ou mesmo em nosso âmbito doméstico haja "fuga" de determinadas marcas que criam problemas ao invés de oferecerem soluções.

O dogma da busca irracional apenas do menor preço restou sepultado pela nova lei de licitações. Assim, prevê a lei federal 14.133/21:

"Artigo 41. No caso de licitação que envolva o fornecimento de bens, a Administração poderá excepcionalmente:

(…)

III – vedar a contratação de marca ou produto, quando, mediante processo administrativo, restar comprovado que produtos adquiridos e utilizados anteriormente pela Administração não atendem a requisitos indispensáveis ao pleno adimplemento da obrigação contratual;".

Pensamos que a nova figura criou uma espécie de "obrigação de não fazer no âmbito administrativo" consistente em não adquirir marcas que tenham ciclo de vida que tornem o produto substancialmente mais caro do que o produto com preço apenas nominalmente maior.

A "demagogia da vantagem nominal" tem seus dias contados.

O processo para vedação/escolha de marca deve ser feito antes do procedimento licitatório de maneira a assegurar o contraditório e a ampla defesa às marcas que serão potencialmente vedadas e, também àquelas que, potencialmente, serão escolhidas.

O processo administrativo apartado e anterior à licitação propriamente dia é relevante pois dificulta a ocorrência de nulidades no âmbito do exercício do contraditório e da ampla defesa, principalmente pelas "fábricas de demagogia de preços" que oferecem problemas a preços módicos mas não entregam soluções à administração pública.

A (s) marca (s) a ser (em) indicada (s) como adequada (s) também deve participar do processo administrativo em busca da verdade real e do debate com a indicação de elementos técnicos que fundamentem a(s) escolha(s) da marca(s).

O procedimento deve ser iniciado com a justificativa técnica da área que pretende proibir/escolher, intimando-se todas as marcas possíveis e conhecidas. A intimação genérica das demais empresas interessas pelo Diário Oficial também é recomendável como reforço à possibilidade de defesa.

Após tal procedimento a licitação poderá ser iniciada, utilizando como justificativa para a escolha(s) /vedação(ões) de marca o procedimento adminsitrativo, afastando alegações de supressão do exercício do direito ao contraditório e à ampla defesa.

Em razão da modificação contínua de tecnologia, a cada procedimento licitatório o escolha/vedação de marca(s) pode ser impugnada, desde que sejam indicados elementos ausentes no procedimento anterior, como por exemplo, a mudança de tecnologia da empresa que tenha aumentado o ciclo de vida do objeto.

A regra que fulminou de morte o fornecimento pelas "fábricas de demagogia de preços" está prevista no artigo 41 da NLLC, especialmente no inciso I, "c" e no inciso III. Assim:

"Artigo 41. No caso de licitação que envolva o fornecimento de bens, a Administração poderá excepcionalmente:

I – indicar uma ou mais marcas ou modelos, desde que formalmente justificado, nas seguintes hipóteses:

a) em decorrência da necessidade de padronização do objeto;

b) em decorrência da necessidade de manter a compatibilidade com plataformas e padrões já adotados pela Administração;

c) quando determinada marca ou modelo comercializados por mais de um fornecedor forem os únicos capazes de atender às necessidades do contratante;

III – vedar a contratação de marca ou produto, quando, mediante processo administrativo, restar comprovado que produtos adquiridos e utilizados anteriormente pela Administração não atendem a requisitos indispensáveis ao pleno adimplemento da obrigação contratual;".

É possível interpretar-se que apenas o processo de proibição de marca teria a necessidade de processo administrativo apartado, já que o inciso III faz referência expressa ao estabelecer que "…mediante processo administrativo, restar comprovado que produtos adquiridos e utilizados anteriormente pela Administração não atendem a requisitos indispensável ao pleno adimplemento da obrigação contratual".

Porém, do ponto de vista substancial, a "escolha de uma marca" nada mais é senão a vedação implícita das demais, não tendo sentido hermenêutico que a vedação por via indireta e transversa tenha procedimento distinto do procedimento direto e imediato.  Feita essa interpretação (da qual discordamos) estaríamos erigindo a hipocrisia e a dissimulação como instrumentos de gestão ao arrepio do princípio da moralidade administrativa.

Portanto, de rigor o processo administrativo tanto para a vedação quanto para a escolha de marca. Tal processo administrativo não precisará; obviamente; ser burocraticamente repetido a cada nova licitação, sendo suficiente sua menção nos procedimentos licitatórios posteriores.

Desta forma, encerrando um período de trevas gerencial, a nova lei de licitações inaugura um período de gestão pública efetiva com a possibilidade de escolha/vedação de marca por motivo substancial que é o ciclo de vida do objeto.

A provecta Lei 8.666/93 já autoriza a escolha de marca em hipótese de padronização da administração pública ou justificativa técnica. Porém, estabelece como regra o uso da similaridade, tornando a escolha da marca algo bem mais restrito.

Assim, prevê em seu artigo 7º a moribunda lei 8.666/93s:

"§5o É vedada a realização de licitação cujo objeto inclua bens e serviços sem similaridade ou de marcas, características e especificações exclusivas, salvo nos casos em que for tecnicamente justificável, ou ainda quando o fornecimento de tais materiais e serviços for feito sob o regime de administração contratada, previsto e discriminado no ato convocatório".

O artigo 15 da mesma lei 8.666/93 prevê:

"Artigo 15. As compras, sempre que possível, deverão:

(…)

§7o. Nas compras deverão ser observadas, ainda:

I – a especificação completa do bem a ser adquirido sem indicação de marca;"

Nesse ambiente de aridez legislativa é que o TCU editou a Súmula 270 acima referida.

Com todo o respeito, pedimos licença para sugerir a redação hipotética que deverá prosperar após debates no TCU sobre o tema da marca sob a luz da NLLC:

"Em licitações referentes a compras, inclusive de softwares, é possível a indicação de marca, desde que seja estritamente necessária para atender exigências de padronização, escolha/vedação decorrente de motivos estritamente técnicos e que haja prévia justificação". (negrito e sublinhado em nossos acréscimos não existentes na redação original da Súmula 270 do TCU).

Feita nossa modesta sugestão, a palavra final está com a Corte de Contas.

Autores

  • é mestre em Direito pela PUC-SP, procurador municipal e autor do livro, Inovações da Nova Lei de Licitações (2ª Ed. Dialética, 2.023) e coautor da obra coletiva A Contratação Direta de Profissionais da Advocacia (Coordenador: Marcelo Figueiredo, Ed. Juspodivm, 2.023).

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