Opinião

Cotas para transexuais: pontos de inclusão e exclusão

Autores

  • Matheus Reuter Sena

    é advogado bacharel em Direito pelo Centro Universitário Augusto Motta.

    View all posts
  • Jonathan Machado Domingues

    é doutorando em Educação e Saúde na Infância e na Adolescência pela Universidade Federal de São Paulo mestre em Educação Científica e Tecnológica pela Universidade Federal de Santa Catarina e licenciado em Pedagogia pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro.

    View all posts

28 de junho de 2023, 7h11

As políticas de cotas vêm sendo amplamente adotadas como estratégias para promover a igualdade de oportunidades e combater a discriminação e as desigualdades históricas. No Brasil, além das cotas raciais e para pessoas com deficiência, surge o debate a respeito da implementação de cotas para pessoas transexuais, reconhecendo as particularidades e os desafios enfrentados por esse grupo na sociedade.

A identidade de gênero é legítima, na medida em que é englobada pela dignidade da pessoa humana, um dos fundamentos da República Federativa do Brasil, conforme disposto no artigo 1º, III da Constituição de 1988. A partir dessa premissa, entende-se que o Brasil tem avançado na proteção de direitos das pessoas trans por meio da adoção de políticas públicas e de interpretações conferidas à Lei de Registros Públicos (Lei nº 6.015/73) pelo Supremo Tribunal Federal (STF) no julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) nº 4.275.

Na ocasião do julgamento, o STF deu interpretação conforme a Constituição e o Pacto de São José da Costa Rica ao artigo 58 da Lei de Registros Públicos, admitindo-se a alteração do prenome e do sexo diretamente no registro civil, independentemente da submissão do indivíduo à cirurgia de transgenitalização ou a procedimentos hormonais ou patologizantes.

Como resultado do referido julgamento, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ), editou o Provimento nº 73/2018, determinando que toda pessoa maior de 18 anos poderia se apresentar no Registro Civil de Pessoas Naturais (RCPN) para alteração do prenome e do sexo de acordo com sua autodeterminação.

Deve-se pontuar que a Lei nº 7.716/1989, que prevê crimes de preconceito, é aplicada de forma analógica à repressão de atos de LGBTFobia por ocasião do julgamento do Supremo Tribunal Federal (STF) na Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão (ADO) nº 26 e no Mandado de Injunção (MI) nº 4.733, tendo sido estabelecido que a aplicação se dará até que o Congresso Nacional edite uma lei federal, com a finalidade de se ter a criminalização das referidas condutas.

No entanto, ainda persistem desigualdades estruturais, por exemplo, que acabam a dificultar o acesso desses sujeitos ao ensino superior e ao mercado de trabalho. Nesse contexto, a discussão sobre cotas para transexuais ganha relevância como uma medida de inclusão e reparação histórica. A implementação de cotas para transexuais busca criar oportunidades de acesso ao ensino superior para um grupo que enfrenta múltiplas formas de discriminação. A inclusão de transexuais nas cotas é um reconhecimento de que a identidade de gênero pode ser um fator de desigualdade e de barreiras para a ascensão social. Essa política visa ampliar a diversidade e a representatividade dentro das instituições de ensino superior, contribuindo para a construção de um ambiente mais inclusivo e respeitoso.

Além disso, as cotas para transexuais estimulam o debate e a conscientização sobre as questões de gênero, promovendo a reflexão sobre os direitos das pessoas trans e a necessidade de combater o preconceito e a exclusão social. Apesar dos benefícios potenciais das cotas para transexuais, é importante considerar também os pontos de exclusão que podem surgir nessa política. A definição dos critérios de elegibilidade para as cotas precisa ser cuidadosamente elaborada, a fim de evitar a reprodução de estereótipos e a marginalização de outras identidades de gênero.

Igualmente, a própria implementação das cotas para transexuais pode enfrentar resistências e desafios. A falta de conscientização e preparo por parte das instituições de ensino superior pode resultar em obstáculos à efetiva inclusão dos estudantes trans. É necessário investir em políticas de acolhimento e suporte específicos para garantir a permanência e o sucesso desses estudantes nas universidades.

As cotas para transexuais representam um avanço na busca pela igualdade de oportunidades no Brasil, reconhecendo as desigualdades e a necessidade de inclusão desse grupo marginalizado. A legislação brasileira tem fornecido bases sólidas para a proteção dos direitos das pessoas trans, mas é preciso avançar na implementação efetiva dessas políticas.

A inclusão de transexuais nas cotas requer uma abordagem sensível e inclusiva, que leve em consideração as diversas vivências de gênero. É fundamental promover a conscientização e o diálogo para superar preconceitos e estigmas, construindo uma sociedade mais justa e igualitária.

Dessa forma, as cotas para transexuais representam uma ferramenta importante na promoção da inclusão social e no combate à discriminação de gênero, contribuindo para a construção de um país mais justo e igualitário para todos os cidadãos. Contudo, da implementação dessas políticas de cotas, deve preceder o devido planejamento e estruturação, com o intuito de ser o mais efetiva possível, além da aferição da efetividade do sistema ao longo do tempo, a fim de se verificar a possibilidade de melhoria e o reforço de sua robustez e validade.

As políticas de cotas têm sido amplamente adotadas em diferentes países como estratégias para promover a igualdade de oportunidades e combater as desigualdades históricas e a discriminação. No Brasil, além das cotas raciais e para pessoas com deficiência, há um debate em curso acerca da implementação de cotas para transexuais, reconhecendo as particularidades e os desafios enfrentados por esse grupo na sociedade. Embora a legislação brasileira não mencione explicitamente as cotas para transexuais, existem documentos legais que podem fundamentar essa política de ação afirmativa.

A Lei nº 12.711/2012, popularmente conhecida como "Lei das Cotas", estabelece a reserva de vagas em instituições federais de ensino superior para estudantes provenientes de escolas públicas, negros, pardos e indígenas. Embora essa lei não faça menção explícita às cotas para transexuais, ela serve como referência para a implementação de políticas de inclusão e diversidade nas instituições de ensino.

O Decreto nº 7.824/2012, por sua vez, regulamenta a Lei nº 12.711/2012 e estabelece diretrizes para a reserva de vagas nas universidades federais. Embora esse decreto não aborde especificamente as cotas para transexuais, estabelece critérios e procedimentos para a implementação das políticas de cotas em geral, fornecendo uma base para a formulação de políticas específicas voltadas para transexuais.

A Resolução nº 12/2017 do Conselho Nacional de Combate à Discriminação e Promoção dos Direitos de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais (CNCD/LGBT) recomenda a inclusão de pessoas trans nos sistemas de cotas, com o objetivo de promover a equidade e a diversidade de gênero nas instituições de ensino superior.

Adicionalmente, a Recomendação nº 41/2018 do Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP) — que regulamenta a atuação do Ministério Público para a correta aplicação de cotas em vestibulares e concursos públicos — destaca a importância de medidas voltadas para garantir o acesso, a permanência e o êxito de estudantes transexuais e travestis nas instituições de ensino, incluindo ações afirmativas como as cotas. Essa recomendação também ressalta a necessidade de criação de programas de acolhimento e apoio específicos, visando assegurar um ambiente inclusivo e propício ao desenvolvimento acadêmico desses estudantes.

Ao considerar esses elementos da legislação brasileira, observa-se elementos que possibilitam inferir que, embora as cotas para transexuais não estejam especificamente previstas em lei, existem bases legais que podem subsidiar e fortalecer a implementação dessa política de inclusão. A interseccionalidade entre as diferentes políticas de cotas e os direitos das pessoas trans reforça a necessidade de uma abordagem abrangente e sensível às particularidades da identidade de gênero na busca por uma sociedade mais igualitária e justa.

Autores

  • é advogado, bacharel em Direito pelo Centro Universitário Augusto Motta.

  • é doutorando em Educação e Saúde na Infância e na Adolescência pela Universidade Federal de São Paulo, mestre em Educação Científica e Tecnológica pela Universidade Federal de Santa Catarina e licenciado em Pedagogia pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro.

Tags:

Encontrou um erro? Avise nossa equipe!