Opinião

Garantismo penal não pode ser invocado para invalidar fundada suspeita

Autores

  • Rodolfo Queiroz Laterza

    é delegado de Polícia; historiador; pesquisador de temas ligados a conflitos armados e geopolítica; mestre em Segurança Pública e Presidente da Associação dos Delegados de Polícia do Brasil.

  • Raquel Gallinati

    é delegada de Polícia; pós-graduada em Ciências Penais em Direito de Polícia Judiciária e em Processo Penal; mestre em Filosofia; e Diretora da Associação dos Delegados de Polícia do Brasil e Embaixadora do Instituto Pró vítima.

21 de junho de 2023, 7h14

Não concordamos com a interpretação do caso pelo STJ (Superior Tribunal de Justiça) que anula a condenação de dez anos por tráfico e solta integrante de uma organização criminosa com base no garantismo penal. Não se deve confundir garantismo penal com impunidade, pois a punição do delito é uma das funções essenciais do direito penal que está relacionada à proteção dos direitos fundamentais das vítimas e da sociedade em geral. 

O garantismo, corrente teórica do direito, que emergiu na Itália nos anos 1970, pressupõe assegurar que o sistema de justiça criminal opere de forma justa e equilibrada, respeitando as garantias e direitos fundamentais estabelecidos na Constituição, jamais influenciar a política criminal para desencarceramento ou flexibilidade da prerrogativa de punir do Estado. 

Spacca
Jurista italiano Luigi Ferrajoli

No Brasil, por fatores ideológicos corporativos, deturpou-se toda essa corrente teórica que o jurista italiano Ferrajoli, como seu maior difusor, jamais assim direcionou. 

As recentes decisões do STJ não encontram respaldo real na teoria difundida Luigi Ferrajoli. Pelo contrário, o jurista italiano defende um direito penal que proteja os direitos fundamentais devendo estar presente em todas as etapas do processo penal, desde a investigação até a execução da pena, mas que ao mesmo tempo preserve a sua função essencial de proteção dos direitos fundamentais como a segurança pública e a paz social.

Ainda a jurisprudência do STJ contraria também mecanismos previstos no Código de Processo Penal que relativizam a teoria dos frutos da árvore envenenada ao alegar que a percepção de nervosismo do averiguado por parte de agentes públicos é dotada de excesso de subjetivismo e, por isso, não é suficiente para caracterizar a fundada suspeita para fins de busca pessoal, (REsp nº 1.961.459/SP, ministra Laurita Vaz, 6ª Turma, DJe 8/4/2022); HC nº 791.754/SP, ministro Jesuíno Rissato (desembargador convocado do TJ-DF), 6ª Turma, DJe 17/3/2023; AgRg no HC nº 802.919/GO, ministro Reynaldo Soares da Fonseca, 5ª Turma, DJe 24/4/2023; e AgRg no HC nº 749.983/SP, ministro Ribeiro Dantas, 5ª Turma, DJe 20/4/2023.

A doutrina dos frutos da árvore envenenada é um princípio jurídico que visa impedir que provas obtidas de forma ilegal ou inconstitucional sejam utilizadas em processos criminais. No entanto, existem duas exceções à esta teoria que podem relativizar a sua aplicação e permitir a utilização de provas obtidas de forma ilegal ou inconstitucional em alguns casos específicos. 

São elas:
1. Exceção de fonte inevitável;
2. Exceção de fonte autônoma.

Essas exceções permitem o uso de uma prova obtida de forma ilegal ou inconstitucional se for comprovado que a mesma teria sido descoberta de qualquer forma, por meios legais e independentes da diligência inicialmente realizada pela autoridade policial ou que a mesma foi obtida independentemente da violação à lei ou à Constituição. 

A fundada suspeita para fins de busca pessoal é um juízo de probabilidade que busca a posse de arma proibida ou de objetos ou papéis que constituam corpo de delito de acordo com o Código de Processo Penal. E para os ministros, o policial deve assumir o risco, com a própria vida, do abordado por exemplo carregar uma arma, pois o nervosismo por si "só" é insuficiente para a abordagem, sob pena de sua percepção ser subjetiva e invalidar a prisão. 

Para solucionar este problema interpretativo, tramita na Comissão de Direitos Humanos e Minorias da Câmara dos Deputados, o PL 1.532/22, que dispõe sobre a abordagem policial como fundamento de poder de polícia do Estado e instrumento de proteção de direitos humanos e de preservação da ordem pública. Estabelece critérios e diretrizes para a realização de abordagens preventivas, como o princípio da proporcionalidade e razoabilidade.

O projetos busca estabelecer um equilíbrio entre a garantia dos direitos fundamentais dos cidadãos e a atuação policial no combate ao crime, através de normas claras e objetivas que orientem a abordagem preventiva e probatória pessoal.

É importante lembrar que muitas vezes a polarização ideológica pode impedir uma análise objetiva e imparcial dos problemas e limitações existentes em determinadas políticas públicas e ações governamentais. É preciso olhar para os fatos e avaliar de forma crítica e racional a realidade, buscando soluções que respeitem os direitos fundamentais dos cidadãos e que promovam a justiça e a igualdade.

O garantismo penal não significa ser contra o direito penal ou defender a impunidade. O garantismo como teoria político-jurídica, em sua essência, busca garantir que a aplicação do direito penal se dê dentro dos limites estabelecidos pelos direitos fundamentais dos cidadãos, assegurando que o sistema de justiça criminal atue de forma justa, equilibrada e proporcional.

É crucial que os ministros do STJ considerem a realidade das ruas e a experiência dos policiais ao interpretar a fundada suspeita e outros conceitos jurídicos relacionados à segurança pública. 

Não podemos permitir que interpretações abstratas e desfocadas do contexto fático sejam usadas como desculpa para enfraquecer o combate ao crime e proteger criminosos de alta periculosidade. 

É preciso equilíbrio e bom senso nessa discussão, porque a segurança pública é um direito fundamental de todos os cidadãos.

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