Opinião

Processo administrativo ambiental sancionador: IN nº 19, de 2 de junho

Autor

  • Bruno Malta Pinto

    é advogado especializado em Direito Ambiental do Escritório William Freire Advogados Associados mestre em Direito pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) especialista em Direito Constitucional pelo Anhanguera ex-servidor público da Secretaria de Estado de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável de Minas Gerais (Semad) e professor da pós-graduação em Direito da Mineração do Centro de Estudos em Direito e Negócios (Cedin).

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21 de junho de 2023, 20h37

Foi regulamentado pelo Ibama (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente) o processo administrativo para apuração de infrações administrativas por condutas e atividades lesivas ao meio ambiente.

A Instrução Normativa nº 19/2023, como se espera de um ato regulamentar dessa natureza, minudenciou os aspectos inerentes ao processo administrativo sancionador federal, trazendo relevantes contribuições para o desenvolvimento dessa matéria que, nada obstante os sensíveis avanços e atenção que tem merecido na literatura especializada, ainda carece de maior aprofundamento.

O presente trabalho não pretende examinar, de uma só vez, todos os aspectos da regulamentação em âmbito federal dos processos sancionadores, mas destacar alguns pontos que merecem atenção e reflexão.

Nesse sentido, de forma preambular, a instrução normativa informa que o Ibama buscará com o exercício de seu poder de polícia e por meio do processo sancionador prevenir a prática de ilícitos ambientais, induzindo o comportamento social de conformidade com a legislação ambiental brasileira pela efetiva aplicação de sanções administrativas e medidas administrativas cautelares [1].

O dispositivo em destaque exalta o caráter preventivo geral da sanção ambiental — e também das medidas administrativas cautelares — o que somente se alcança por intermédio do processo administrativo sancionador.

Duas, portanto, as considerações em tom reflexivo, partindo da última para chegarmos à primeira.

O processo administrativo sancionador, na leitura do parágrafo único do artigo 2º da IN Ibama nº 19/2023, seria o meio pelo qual a prevenção da ocorrência de ilícitos ambientais acontece e isso porque é pela via do processo que a sanção é estabelecida em desfavor do autuado. A prevenção geral, sobre a qual ainda se tratará, decorre, portanto, do estabelecimento da pena e não do processo.

Nesse viés, o processo administrativo figura como meio para a imposição da pena e essa questão não pode sugerir ou desfigurar a relevância do processo em si, descurando o desenvolvimento histórico pelo qual passou o processo, até que pudesse ser reconhecido como entidade complexa [2].

Reprodução
Breves linhas, considerando-se as duas grandes etapas [3] do desenvolvimento histórico do processo, verifica-se que superada a fase imanentista, que enxergava o processo como mero procedimento e um apêndice da ação, sobreveio nova etapa, que reconheceu sua autonomia científica, possibilitando o desenvolvimento de bases sólidas para uma teoria do conhecimento acerca desse instituto.

A partir daí, ganha relevância o estudo do processo enquanto categoria jurídica autônoma, permitindo-se, como fez de forma lapidar Odete Medauar [4], enxergar uma processualidade ampla, bem como um núcleo comum da processualidade a unificar os processos que são desenvolvidos em e por cada uma das funções estatais. Ao direito administrativo competirá o estudo das nuances e particularidades da processualidade administrativa, da qual o processo sancionador é exemplo, porque inerente ao exercício da função administrativa (executiva).

Especificamente no que se direciona à análise aqui levada à efeito, colhe-se nesse núcleo comum da processualidade, dentre outros elementos, a obtenção de um resultado unitário que, segundo Medauar, resulta de outro elemento que é o da correlação com o ato [5] e que revelam, segundo a autora que

Embora dotados de vida jurídica própria, os atos da série processual encontram sua razão de ser na decisão final. No entanto, esse vínculo teleológico a um resultado unitário não elide a relevância dos atos parciais, sobretudo no tocante à garantia de direitos e ao seu papel de oferecer condições para uma decisão correta. (MEDAUR, 2012, e-book p. 32).

O processo administrativo ambiental sancionador, portanto, não pode, equivocadamente, ser considerado como simples meio para a imposição de sanção e, por consequência, para se cumprir um desiderato de prevenção geral, porque nele há lugar para a garantia de direitos, o que é fundamental e vem resguardado pela Constituição Federal e pelas leis de processo administrativo.

Salientada, portanto, a relevância do processo administrativo como meio para assegurar, de forma ordenada e justa, a imposição de sanção, regressamos ao aspecto de prevenção geral da sanção ambiental.

Neste ponto, a literatura especializada acerca do processo administrativo sancionador ambiental também carece de aprofundamentos e a ideia de uma prevenção geral da sanção ambiental — estampada no parágrafo único do artigo 2º da instrução normativa —, parece beber em outras, mais especialmente no Direito Penal e nas conhecidas funções da pena.

As lições de Fábio Medina Osório quanto à necessária ponderação para essa transposição de conceitos e ideias do penal para o administrativo são oportunas:

De qualquer sorte, o problema é que a culpabilidade que se projeta no Direito Penal não é necessariamente a mesma que se vislumbra no Direito Administrativo Sancionador, dadas as diversidades desses ramos jurídicos e suas peculiaridades. (…)

Não basta, portanto, transferir do Direito Penal diretamente ao Direito Administrativo todas as discussões e significados da culpabilidade, embora tal técnica se apresente aparentemente confortável do ponto de vista teórico.

Não cabe essa transposição, pura e simples, de lições doutrinárias e jurisprudenciais, comumente utilizadas no Direito Penal, ao terreno do Direito Administrativo Sancionatório, embora seja possível a utilização dessa técnica não apenas como referência e ponto de partida no discurso, como também para embasamento de soluções de problemas muito próximos, quando não idênticos, em situações fronteiriças. (OSÓRIO, 2009, p. 352).

A dor e o sofrimento que se pretende evitar com a imposição das penas difere quando se está diante de sanções tão distintas quanto são as penais — especialmente as privativas de liberdade — e as administrativas. Essa constatação nos parece relevante para olhar para o caráter preventivo geral proposto na instrução normativa com cautela e ponderação.

Outra ponderação igualmente válida no que concerne ao caráter de prevenção geral da pena/sanção relaciona-se à certeza de sua aplicação e não somente de sua gravidade e, nesse aspecto, não são raras as situações enfrentadas em diversos estados da Federação em que os processos sancionadores ambientais ficam paralisados por tempo suficiente para que haja a incidência de prescrição intercorrente.

Conforme exposto inicialmente, o presente artigo não exaure todos os aspectos relevantes da IN Ibama nº 19/2023, porém, traz à reflexão considerações acerca da função do processo administrativo sancionador e da sanção administrativa

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Referências bibliográficas
MEDAUAR, Odete. A processualidade no Direito Administrativo. 3 ed. Belo Horizonte: Fórum, 2021.

OSÓRIO, Fábio Medina. Direito Administrativo Sancionador. 3. ed. rev. atual. ampl. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2009.

 


[1] Conforme parágrafo único, artigo 2º da IN Ibama nº 19/2023

[2] O processo, segundo a doutrina de Cândido Rangel Dinamarco, é entidade complexa.

[3] Nesse sentido, conferir CÂMARA, Alexandre Freitas. Lições de Direito Processual Civil, vol. I, 10ª ed. rev. atual. Lumen Iuris. RJ: 2004

[4] Conferir A processualidade no Direito Administrativo

[5] "A figura do processo é distinta da figura do ato, mas não pode dele se separar totalmente". MEDAUR, Odete. A processualidade no Direito Administrativo. Belo Horizonte, Fórum: 2021. Ebook posição 31.

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  • é advogado especializado em Direito Ambiental do Escritório William Freire Advogados Associados, mestre em Direito pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), especialista em Direito Constitucional pelo Anhanguera, ex-servidor público da Secretaria de Estado de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável de Minas Gerais (Semad) e professor da pós-graduação em Direito da Mineração do Centro de Estudos em Direito e Negócios (Cedin).

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