PIS/Cofins-importação, sob qualquer óptica, aponta para violação de tratados
14 de junho de 2023, 16h22
Em janeiro de 2004 foi criado o PIS/Pasep-Importação e a Cofins-Importação, contribuições sociais para a integração social e de formação do patrimônio do servidor público, bem como o financiamento da seguridade social.
Na exposição de motivos da Medida Provisória 164/2004, posteriormente convertida na Lei 10.865/2004, destaca-se que a criação dessas contribuições "dão tratamento isonômico entre a tributação dos bens produzidos e serviços prestados no país, que sofrem a incidência da Contribuição para o PIS-Pasep e da Contribuição para o Financiamento Seguridade Social (Cofins), e os bens e serviços importados de residentes ou domiciliados no exterior, que passam a ser tributados às mesmas alíquotas dessas contribuições".
Assim, a partir do enquadramento jurídico-tributário, bem como pela finalidade indicada na exposição de motivos de sua instituição, estaria o PIS/Cofins-importação sujeito à obrigação de tratamento nacional prevista em tratados internacionais?
Para responder a esse questionamento, faz-se fundamental entender a regra-matriz do PIS/Cofins-importação e o conceito de obrigação de tratamento nacional.
A regra-matriz do PIS/Cofins-Importação
Em relação à natureza jurídica, não há dúvida de que o PIS/Cofins-importação se trata de tributo.
Desse modo, à luz da Lei 10.865/2004, podemos construir a regra-matriz de incidência tributária do PIS/Cofins-importação da seguinte maneira:
Na hipótese de incidência: Critério material: dar entrada de bens estrangeiros (artifo 3º, I); Critério especial: território nacional (artigo 3º, I); Critério temporal: registro da declaração de importação (artigo 4º, I). No consequente da regra-matriz: Critério subjetivo: polo ativo União (artigo 149 da CF) e polo passivo importador (artigo 5º, I); e Critério quantitativo: base de cálculo é o valor aduaneiro (artigo 7º, I) e alíquotas de 2,1% e 9,65% (art. 8º, I, ‘a’ e ‘b’).
Em relação à sua natureza, a partir da teoria adotada pelo Supremo Tribunal Federal, trata-se de tributo da espécie "contribuições especiais".
Quanto à subespécie, o Superior Tribunal de Justiça entende que o PIS/Cofins-importação possui natureza de contribuição previdenciária (REsp 1.437.172/RS). Já o STF entende que PIS/Cofins-importação possui a natureza de contribuição para a seguridade social (RE 559.937/RS).
A interpretação dada pela Suprema Corte é a mais apropriada, pois, em verdade, o PIS/Cofins-importação se destina, entre outros, ao financiamento da seguridade social (artigo 1º da Lei 10.865/2004), termo que engloba tanto a previdência como a saúde e a assistência social (artigo 194 da CF).
Uma vez que inexiste identidade entre a regra-matriz do PIS/Cofins-importação com o PIS/Cofins, podemos afirmar que a contribuição incidente na importação é tributo diverso da contribuição incidente sobre a receita bruta e faturamento.
Clásula de obrigação de Tratamento Nacional (TN)
As relações comerciais internacionais, sobretudo com a consolidação da Organização Mundial de Comércio (OMC), composta por 123 países, são regidas pelo Princípio da Não Discriminação, do qual deriva o Princípio da Nação Mais Favorecida (NMF) e o Princípio de Tratamento Nacional (TN).
A NMF impõe tratamento igualitário entre os aderentes do tratado internacional, ou seja, o benefício dado a uma nação deverá ser estendido às demais. Já o TN, objeto do nosso estudo, requer a não discriminação do produto estrangeiro ao nacional. Portanto, o produto estrangeiro deve sofrer o mesmo tratamento aplicado ao nacional (Artigo III do GATT – Lei 313/1948 e Decreto 1.355/1994) [1].
Para melhor compreender a aplicação do TN, é importante registrar que o Artigo II do Gatt, denominado "lista de concessões", impõe que as nações aderentes do tratado fixem um teto de taxação aos produtos importados. No Brasil esse "teto" diz respeito ao Imposto de Importação, o qual não pode ultrapassar a alíquota de 60%. Registra-se que a alíquota média praticada hoje é de 35%.
O limite definido ao Imposto de Importação não impede a aplicação, no momento da importação, de "encargo equivalente a um imposto interno exigido", além de medidas antidumping ou taxas (artigo II, §2º, 'a', 'b' e 'c' do Gatt) [2].
Todas essas informações serão fundamentais para o exame de conformidade do PIS/Cofins-importação com o sistema de direito positivo.
Por fim, o Brasil é integrante de, ao menos, outros dois importantes tratados internacionais com cláusula de tratamento nacional, a saber: Aladi (Decreto 87.054/1982) [3], composto por 13 países, e Mercosul (Decreto 350/1991) [4], composto por quatro países.
Apesar de possuírem redação simplificada, a essência é a mesma do TN estabelecido pelo Gatt. Desse modo, a Aladi e o Mercosul preveem que as mercadorias estrangeiras tenham o mesmo tratamento aplicado às mercadorias nacionais.
Violação do PIS/Cofins-Importação à cláusula Tratamento Nacional (TN)
Conjugando a regra-matriz de incidência do PIS/Cofins-importação com a cláusula de TN de, ao menos, três tratados internacionais, podemos concluir que tal tributo afronta os acordos internacionais em diversas situações.
Há de se ressalvar que a instituição do PIS/Cofins-importação, por si só, não viola os tratados internacionais. Conforme exposição de motivos de sua instituição, sua criação buscou dar isonomia à tributação das mercadorias importadas com as mercadorias nacionais. De fato, é possível estabelecer tributo interno no momento da importação com o fim de equalizar o encargo tributário exigido aos produtos nacionais (artigo II, §2º, 'a', do Gatt).
Ocorre que a ilegalidade se apresenta quando se aplica o PIS/Cofins-importação em situação não prevista às mercadorias nacionais.
À luz dos tratados internacionais, apenas o Imposto de Importação possui a natureza de tributo aduaneiro na importação. O PIS/Cofins-importação é tributo interno incidente na importação e, portanto, encontra limites na cláusula de tratamento nacional. Do contrário, assumindo-se que o PIS/Cofins-importação possui natureza aduaneira, a sua instituição violaria o artigo II do Gatt, denominado "lista de concessões", configurando burla aos limites exigidos.
Sendo tributo interno instituído para dar tratamento equânime às mercadorias nacionais sujeitas ao PIS/Cofins, o PIS/Cofins-importação está sujeito à cláusula de tratamento nacional.
O STJ possui entendimento diverso (REsp 1.437.172/RS). Para o STJ, o PIS/Cofins-importação não se sujeita à cláusula de tratamento nacional, pois: 1) o TN só se aplica a tributos idênticos; 2) o PIS/Cofins-importação é contribuição previdenciária inconfundível com "imposto, taxa ou gravame interno", espécies tributárias que estariam protegidas pela TN; 3) os artigos 97 e 111 do CTN proíbem interpretação extensiva de isenções.
Embora o precedente do STJ tenha sido firmado a partir de interpretação ao artigo 7 do Decreto 350/1991 (Tratado Mercosul), hoje o entendimento é utilizado inclusive em decisões que examinam a incidência do TN ao PIS/Cofins-importação com fundamento no artigo III do Gatt (REsp 1896232/MG).
Ora, com máxima vênia aos precedentes, a verdade é que inexiste necessidade de total identidade entre os tributos para a aplicação do TN. O artigo II, §2º, 'a', do Gatt autoriza a instituição de "encargo", termo que certamente inclui o PIS/Cofins-importação ao crivo do TN — ainda que entenda se tratar de contribuição previdenciária.
Por sua vez, o artigo III do Gatt impõe o TN a "impostos ou outros tributos internos". Nesse ponto, não há divergência da natureza tributária do PIS/Cofins-importação e que essa contribuição é tributo interno, pois destituído de natureza aduaneira, sob pena de violação à lista de concessões do Artigo II do Gatt — que resultaria na ilegalidade da própria instituição do PIS/Cofins-importação.
Por fim, inexiste qualquer interpretação extensiva. O TN é norma jurídica devidamente introduzida no sistema de direito positivo pela autoridade competente, sendo o veículo introdutor de tal norma a Lei 313/1948 c/c Decreto 1.355/1994 (Gatt), o Decreto 87.054/1982 (ALADI) e o Decreto 350/1991 (Mercosul). Consequentemente, sua aplicação é simples execução do comando constitucional do artigo 5º, §2º, da CF [5] e artigo 98 do CTN [6].
Com isso, o PIS/Cofins-importação potencialmente viola o TN:
a) Em razão da majoração da alíquota promovida pela MP 668/2015, convertida na Lei 13.137/2015, pois a exposição de motivos revela que o aumento do PIS/Cofins-importação ocorreu em razão da exclusão do ICMS de sua base de cálculo (Tema 01/STF) e com o intuito de equiparar a carga tributária ao PIS/Cofins sobre a receita/faturamento. Ocorre que hoje o PIS/Cofins sobre a receita/faturamento também sofreu a exclusão do ICMS de sua base de cálculo (Tema 69/STF), de modo que a manutenção da alíquota de PIS/Cofins-importação nos patamares impostos pela Lei 13.137/2015 viola o TN.
b) O PIS/Cofins-importação é tributo interno, motivo pelo qual sua incidência na importação realizada por empresas sediadas na Zona Franca de Manaus viola o TN, pois tais empresas são isentas de PIS/Cofins incidentes sobre a aquisição interna de produtos.
c) O PIS/Cofins-importação está sujeito ao "teste de duas fases", qual seja: 1) avaliar se os produtos importado e doméstico são produtos similares; e 2) avaliar se a tributação dos produtos importados é superior à tributação dos produtos domésticos. Assim, nas hipóteses em que há similaridade de produtos e a tributação do PIS/Cofins-importação se mostrar superior ao PIS/Cofins incidente sobre a mercadoria nacional, haverá violação ao TN.
Conclui-se, assim, que hoje o PIS/Cofins-importação viola o artigo 5º, §2º, da CF e artigo 98 do CTN, seja quando ignora a cláusula de tratamento nacional ou, ainda, entendendo-se que tal contribuição não se sujeita ao TN, certamente a consequência seria a violação à lista de concessões do Artigo II do Gatt, o que impediria sua própria existência.
[1] 1. As Partes Contratantes reconhecem que os impostos e outros tributos internos […] não devem ser aplicados a produtos importados ou nacionais, de modo a proteger a produção nacional.
2. Os produtos do território de qualquer Parte Contratante, importados por outra Parte Contratante, não estão sujeitos, direta ou indiretamente, a impostos ou outros tributos internos de qualquer espécie superiores aos que incidem, direta ou indiretamente, sobre produtos nacionais. Além disso nenhuma Parte Contratante aplicará de outro modo, impostos ou outros encargos internos a produtos nacionais ou importados, contrariamente aos princípios estabelecidos no parágrafo 1.
[2] 2. Nenhuma disposição do presente artigo impedirá que, uma Parte Contratante, a qualquer tempo, aplique no tocante à importação de qualquer produto: a) encargo equivalente a um imposto interno exigido, de conformidade como o disposto no parágrafo 2 do artigo III, sobre um produto nacional similar ou uma mercadoria com a qual o produto importado tenha sido fabricado ou produzido no todo ou em parte; b) direitos destinados a contrabalançar ou a compensar o dumping quando, aplicados de conformidade com o disposto no artigo VI 2; c) taxas ou outros encargos que guardem proporção com os custos dos serviços prestados.
[3] Artigo 46. Em matéria de impostos, taxas e outros gravames internos, os produtos originários do território de um país-membro gozarão no território dos demais países-membros de um tratamento não menos favorável do que o tratamento que se aplique a produtos similares nacionais.
[4] Artigo 7. Em matéria de impostos, taxas e outros gravames internos, os produtos originários do território de um Estado Parte gozarão, nos outros Estados Partes, do mesmo tratamento que se aplique ao produto nacional.
ANEXO I Programa de Liberação Comercial
ARTIGO PRIMEIRO Os Estados Partes acordam eliminar, o mais tardar a 31 de dezembro de 1994, os gravames e demais restrições aplicadas ao seu comércio recíproco.
[…]
ARTIGO SEGUNDO Para efeito do disposto no Artigo anterior, se estenderá: a) por "gravames", os direitos aduaneiros e quaisquer outras medidas de efeito equivalente, sejam de caráter fiscal, monetário, cambial ou de qualquer natureza, que incidam sobre o comércio exterior. Não estão compreendidas neste conceito taxas e medidas análogas quando respondam ao custo aproximado dos serviços prestados;
[5] Artigo 5º, §2º Os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte.
[6] Artigo 98. Os tratados e as convenções internacionais revogam ou modificam a legislação tributária interna, e serão observados pela que lhes sobrevenha.
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