Opinião

Affectio societatis: as controvérsias para exclusão de sócios

Autores

13 de junho de 2023, 7h08

A discussão acerca da exclusão de sócios tende a levantar controvérsias, pois, além de sua complexidade, costuma surgir em momentos de fragilidade das sociedades, justamente por tratar-se de um ato impositivo, advindo de alguma instabilidade entre os sócios. Além disso, trata-se de um assunto bastante amplo.

Por isso, cabe delimitar a presente investigação aos casos envolvendo sociedades limitadas, notadamente relacionados à temática da affectio societatis, analisando-se, de forma não extensiva, as correntes doutrinárias e jurisprudenciais existentes envolvendo a matéria.

Nesse âmbito, o Código Civil apresenta dois artigos: 1.030 e 1.085, que dispõem, respectivamente, sobre a exclusão judicial e extrajudicial de sócio. Ressalta-se que, embora ambos utilizem termos diferentes ("falta grave" e "atos de inegável gravidade"), a doutrina especializada majoritariamente os entende como sinônimos [1]. Sendo assim, a principal diferença entre os dispositivos legais diz respeito ao procedimento adotado para a exclusão, e não ao seu fundamento, que é, em ambos os casos, o descumprimento dos deveres sociais [2].

Todavia, existe uma parcela de juristas que transcende a letra da lei, considerando outra hipótese como fundamento para a exclusão de sócio: a quebra de affectio societatis. Cabe, portanto, analisar esse conceito, cuja origem está associada ao direito romano, mas atualmente é concebido principalmente como "o desejo, a vontade, a intenção de colaboração voluntária e ativa, interessada e igualitária" [3].

Para alguns doutrinadores, a quebra de affectio societatis ensejaria a adoção de medidas com o objetivo de proteger a sociedade, visando sua perenidade e seu desenvolvimento. Nesse sentido, faz-se a seguir uma análise das posições antagônicas, tendentes a defender ou a criticar a possibilidade de exclusão de sócio pela quebra de affectio societatis.

Pode-se dizer que a doutrina assume, majoritariamente, posição contrária à referida modalidade de exclusão de sócio. Os doutrinadores desta linha defendem que a affectio societatis seria uma motivação de foro íntimo 4 para motivar a exclusão, sem demonstrar preocupação com o fim social. Nessa linha, entender-se-ia a medida como uma espécie de abuso, com o potencial, inclusive, de subordinar a minoria às decisões da maioria com base em conceito subjetivo.

Além disso, restaria mitigada a possibilidade de "corrigir" a situação, em juízo ou fora dele, visto que o conceito de affectio societatis apresenta elevada subjetividade, e difícil valoração objetiva.

Inclusive, a jurisprudência tem se consolidado em torno da mesma posição contrária à possibilidade de exclusão de sócio por quebra de affectio societatis. De acordo o entendimento do Superior Tribunal de Justiça, a respeito da matéria, quando do julgamento do Recurso Especial nº 1.129.222/PR5, de relatoria da ministra Nancy Andrighi, "para exclusão judicial de sócio, não basta a alegação de quebra da affectio societatis, mas a demonstração de justa causa, ou seja, dos motivos que ocasionaram essa quebra".

Outra decisão que deve ser mencionada, o Recurso Especial nº 1.459.190/SP6, de relatoria do ministro Luis Felipe Salomão, aponta para os requisitos de exclusão de sócios minoritários de forma extrajudicial, dentre eles, está prevista a "colocação da sociedade em risco pela prática de atos de inegável gravidade", e não há menções diretas à quebra da affectio societatis como requisito, ou fundamento da exclusão. 

Analisando-se o racional da posição minoritária favorável à possibilidade de exclusão de sócio pela quebra da affectio societatis, identifica-se que este está associado a uma concepção de protagonismo do conceito nas sociedades.

Uma forma de argumentação, de certa forma, "intermediária" e defendida pela doutrina está baseada na ideia de que a quebra da affectio societatis advém, justamente, de uma falta grave praticada por determinado sócio. Dessa forma, o conceito assumiria uma posição de consequência do evento da falta grave, a qual, por sua vez, seria então utilizada para justificar a exclusão. Ou seja, nessa corrente "intermediária" a affectio societatis aparece não como causa da exclusão de sócio, mas sim como consequência.

Ademais, a modalidade extrajudicial permite que os sócios, no exercício da autonomia de vontade, possam prever, no contrato social, uma série de hipóteses que configuram a falta grave, sendo recomendado não se utilizar de termos que possam a vir a ser contestados no judiciário, diante de seu conceito abrangente e subjetivo, como é o caso da affectio societatis.

Nesse sentido, é necessário que esteja prevista uma cláusula no contrato social, com um rol robusto de hipóteses que fundamentam a exclusão do sócio, hipóteses essas aptas a configurar o descumprimento de deveres sociais que coloquem em risco as atividades da sociedade. Ainda assim, ressalta-se que, mesmo mediante todas as precauções apontadas, a exclusão extrajudicial de um sócio pode vir a tornar-se litigiosa e, consequentemente, transformar-se em judicial, bem como a cláusula de exclusão pode ser considerada nula ou anulável, a depender de seu conteúdo e forma de aprovação.

De acordo com o exposto, fica evidente a complexidade do tema, embora seja possível identificar, por meio do estudo da doutrina e da jurisprudência, um caminho mais consolidado a seguir, qual seja, a exclusão fundamentada em descumprimento de obrigações sociais, estritamente relacionado com o conceito de fim social, e não na quebra da affectio societatis. Ainda assim, este é um tema que sempre é objeto de debate entre doutrinadores(as), advogados(as) e no próprio Poder Judiciário, e que sempre está se atualizando a cada nova decisão judicial publicada sobre o assunto.

Sendo assim, torna-se importante a tomada de providências que, idealmente, estimulem os sócios no cumprimento de seus deveres sociais e evitem a corrosão da relação societária, como a implementação de políticas de boas práticas e/ou governança corporativa. Além disso, no âmbito extrajudicial, é necessário que a redação da cláusula de exclusão no contrato social seja clara e objetiva, evitando-se a utilização de conceitos abstratos e subjetivos, a fim de conferir maior segurança jurídica para a realização desse procedimento. Por fim, recomenda-se que sempre sejam estudadas alternativas — como a via negocial — à exclusão do sócio, visto que esta é uma medida extrema, muitas vezes associada à litigiosidade.

___________________

[1] ADAMEK, Marcelo Vieira von. Anotações sobre a exclusão de sócios por falta grave no regime do Código Civil. Revista de Direito Mercantil, Industrial, Econômico e Financeiro, São Paulo, v. 50, nº 158, p. 111-134, abr./jun. 2011. p. 112.

[2] SPINELLI, Luis Felipe. Exclusão de sócio por falta grave na Sociedades Limitada. São Paulo: Quartier Latin, 2015. p. 88.

[3] ADAMEK, Marcelo Vieira Von; FRANÇA, Erasmos Valladão Azevedo e Novaes. Affectio societatis: um conceito jurídico superado no moderno direito societário pelo conceito de fim social, 'in' Revista de Direito Mercantil Industrial, Econômico e Financeiro, v. 149/150, p. 108-130, 2009.

[4] GONÇALVES NETO, Alfredo de Assis. Direito de Empresa: comentários aos artigos 966 a 1.195 do Código Civil. 4. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2012. p. 441.

[5] STJ. Recurso Especial Nº 1.129.222/PR. 3ª Turma. Relatora ministra Nancy Andrighi. Julgado em 28/06/2011. DJe 01/08/2011.

[6] STJ. Recurso Especial Nº 1.459.190/SP. 4ª Turma. Relator ministro Luis Felipe Salomão. Julgado em 15/12/2015. DJe de 1/2/2016.

[7] MARTINS PROENÇA, José Marcelo. A Ação Judicial de Exclusão de Sócios Nas Sociedades Limitadas — Legitimidade Processual. In YARSHELL, Flávio Luiz; PEREIRA, Guilherme Setoguti J. (coords.) — Processo Societário. São Paulo: Quartier Latin, 2012. p. 423.

Autores

Tags:

Encontrou um erro? Avise nossa equipe!