Debate ressuscitado

Desarquivamento de projeto de lei de seguros deixa mercado em ebulição

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13 de junho de 2023, 7h34

O milionário mercado de seguros no Brasil está em ebulição com o desarquivamento do Projeto de Lei Complementar 29, de 2017, que apresenta novas regras para o setor. A matéria voltou a tramitar no fim de março no Senado — nascida em 2004, ela já havia sido aprovada na Câmara.

Edilson Rodrigues/Agência Senado
No fim de março, a proposta de lei complementar voltou a tramitar no Senado
Edilson Rodrigues/Agência Senado

Entidades do setor tecem críticas ao PLC, pois entendem que ele entra em conflito com outras leis em vigor. Além disso, afirmam que a nova norma poderia encarecer e até mesmo inviabilizar a contratação de seguros e resseguros em diversas atividades econômicas. As mais duras críticas dizem que a lei poderia impor limites e impedir a criação de novos produtos e serviços. Ou seja, prejudicaria o consumidor.

Contudo, a discussão não está atrelada a estudos financeiros ou conceituais, mesmo porque o texto do projeto de lei complementar foi escrito há quase duas décadas. E, desde então, muita coisa mudou no mercado.

Uma das alegações mais robustas é que o PLC entra em conflito com outras normas já em vigor, entre elas a Lei Complementar 126/2017 — que trata das operações de resseguro — e a Lei de Liberdade Econômica (Lei 13.874/2019).

O texto, se não receber emendas no Senado, passará imediatamente para a sanção da Presidência da República e entrará em vigor 12 meses após sua publicação no Diário Oficial da União.

A proposta dispõe sobre normas de seguro privado, revoga dispositivos do Código Civil e dá outras providências.

De acordo com a sua ementa, "dispõe que a atividade seguradora será exercida de modo que se viabilizem os objetivos da República, os fins da ordem econômica e a plena capacidade do mercado interno, nos termos da Constituição Federal; estipula que o Poder Executivo da União terá competência para expedir atos normativos, atuando em proteção dos interesses dos segurados e seus beneficiários; considera integrantes da atividade seguradora, além dos contratos de seguro, também os contratos necessários à sua plena viabilidade, como o resseguro e a retrocessão; considera instrumentais à atividade seguradora as corretagens de seguros e resseguros".

Desde o dia 12 de abril o texto do PLC está com o relator, senador Jader Barbalho. E a revista eletrônica Consultor Jurídico ouviu alguns especialistas no setor para entender os possíveis impactos de seu conteúdo.

Débora Schalch, sócia do escritório Schalch Sociedade de Advogados (SSA) e ex-presidente da Comissão de Seguros da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), diz que o PLC de Seguros reaberto pelo Senado é um retrocesso para o setor, possui caráter intervencionista e preocupa o mercado segurador.

"Além de não distinguir seguros massificados e seguros para grandes riscos, impondo a ambos regras de interpretação favorável sempre ao segurado, em total descompasso com os princípios da autonomia da vontade e da força obrigatória dos contratos, o PL pretende dispor, por exemplo, sobre regras de contratação de resseguro contrárias à prática internacional própria desse tipo contratual, no qual deve imperar a livre pactuação, apresentando, ainda, atecnias sobre o termo inicial do prazo prescricional e a regulação de sinistros, sem contar a absoluta desnaturação do instituto da arbitragem. O texto original da Câmara dos Deputados é de 2004 e desconsidera esses quase 20 anos de mudanças do cenário negocial e securitário brasileiro e internacional", explica Débora.

Para a especialista em Direito Securitário, é preciso que o Legislativo avalie com muita atenção a maneira como o PLC pode afetar o mercado e a economia do país. "Se transformado em lei, o texto pode atrapalhar o constante crescimento visto nos últimos anos. Se as seguradoras ficam econômica e operacionalmente presas a essas regras, os avanços obtidos nos últimos anos, essencialmente na modernização e na desburocratização do setor, podem se perder".

Algumas associações, como Associação Brasileira de Insurtechs (ABInsurtech), Associação Brasileira das Empresas de Corretagem de Resseguros (Abecor), Associação Brasileira de Gerência de Riscos (ABGR), Associação Nacional das Resseguradoras Locais (ANRE) e Federação Nacional das Empresas de Resseguros (Fenaber), alegam que o texto, como está, coloca em risco conquistas regulatórias, entre elas a liberdade de negociação, a simplificação e a flexibilização de produtos, além de padronizar "garantias para riscos naturalmente desiguais" ao equiparar "grandes segurados", como uma plataforma de petróleo, a "consumidores hipossuficientes", como aqueles que contratam o seguro de celular. Isso aconteceria em função da exigência que o projeto faz, em qualquer caso, do "registro prévio das condições contratuais".

Para as entidades, há risco de evasão de resseguradoras do mercado nacional com a aprovação do PLC. O argumento é de que o projeto entra em choque com os avanços trazidos pela Lei Complementar nº 126, que trata das operações de resseguro.

Visão diferente
Por outro lado, no entendimento de Luciana Rodrigues Faria, advogada especializada em Direito Tributário, o PLC 29/2017 reforça um marco legal que oferece maior segurança jurídica às partes envolvidas no negócio securitário.

"O texto garante a disseminação de informações de maneira a equilibrar a relação entre consumidores, corretores, seguradoras e ressegurados. Todas as partes envolvidas direta e indiretamente em um contrato de seguro passam a ser disciplinadas não apenas na fase inicial contratual, como também na fase de execução e resolução contratual, não deixando a interpretação, como atualmente ocorre, nas mãos do Judiciário."

"Entendo como uma das novidades trazidas pelo PLC, por exemplo o artigo 8º, segundo o qual a seguradora só pode ceder sua posição contratual com concordância prévia do segurado. Cuida-se de uma posição que causa segurança jurídica na relação contratual", complementa ela.

Outro avanço existente no texto, na avaliação de Luciana, está nos artigos de 21 a 23, que tratam das questões relativas à notificação do segurado por mora, como as consequências do não pagamento de parcela. O contrato se resolve de pleno direito.

"Em caso de parcelas, no inadimplemento de uma (parcela) o segurador deverá notificar o segurado por carta registrada, devendo advertir o segurado de que, em caso de não pagamento previsto no novo prazo contratual, suspenderá a garantia e, caso não seja purgada a mora, poderá ocorrer a resolução do contrato."

Segundo Rodrigo Fialho Borges, sócio do escritório PGLaw e professor da FGV Direito São Paulo, "de forma bastante geral, uma parte importante das alterações (trazidas pelo texto) se traduz numa especificação de regras e conceitos anteriormente tratados de forma mais genérica e menos detalhada, bem como na consolidação de entendimentos jurisprudenciais já existentes que congregavam a interpretação de legislações esparsas. Com isso, o que os grupos que defendem a aprovação do PLC 29/2017 afirmam é que, com ela, haveria um aumento da segurança jurídica no setor de seguros do Brasil, embora tal percepção seja inicialmente refutada por outros grupos, em especial por entidades que representam interesses de seguradoras e resseguradoras".

"Até o momento, não foi divulgado um estudo econômico aprofundado que mensure claramente o alcance e a extensão do potencial impacto da aprovação do PCL 29/2017 no mercado de seguros, de modo que se torna bastante difícil, por exemplo, uma eventual afirmação concreta sobre o aumento ou a redução de eficiência econômica ou bem-estar social em virtude da aprovação do PLC 29/2017", conclui ele.

Clique aqui para ler o texto inicial do PLC29/2017

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