Opinião

Nova Lei de Licitações: vigência do PCA e "fracionamento de planificação"

Autor

  • Laércio José Loureiro dos Santos

    é mestre em Direito pela PUC-SP procurador municipal e autor do livro Inovações da Nova Lei de Licitações (2ª ed. Dialética 2023 — no prelo) e coautor da obra coletiva A Contratação Direta de Profissionais da Advocacia (coord.: Marcelo Figueiredo Ed. Juspodivm 2023).

8 de junho de 2023, 19h19

Tema que gera dúvidas nas mentes da administração pública é a data em que o Plano de Contratações Anual (PCA) é obrigatório, já que inovou o ordenamento jurídico ao estabelecer uma "responsabilidade de planejamento" até então inexistente. 

Além disso, também geram dúvidas quais seriam as consequências geradas pelo seu descumprimento, já que não há previsão expressa na NLLC. 

Em razão de sua relevância para a administração pública e de seu caráter "disruptivo" com o passado de "voluntarismo" e falta de planejamento é que o início de sua vigência como regra obrigatória tem acentuada relevância jurídica. 

O PCA é a alma do dever de planejamento, termo mencionado em 12 oportunidades pela Nova Lei de Licitações e Contratos.  

Em nossa modesta opinião, o PCA somente será obrigatório a partir do dia 01 de janeiro de 2.024 em conjunto com a Lei Orçamentária Anual que também deverá entrar em vigor na mesma data. 

A lei 14.133/21 autorizou de forma expressa e inequívoca que o Poder Público pode optar pelo uso da provecta lei 8.666/93 ou pelo uso da Lei 14.133/21. 

Conforme já explicitamos em nossa obra Inovações da Nova Lei de Licitações, página 101, o que a lei veda é o "hibridismo", ou seja, o uso parcial de regras num mesmo procedimento licitatório. 

A recomendação dada pelo TCE/SP no comunicado SDG nº 31/21 também menciona a vedação de "hibridismo". 

Assim, estabeleceu a referida recomendação: 

"Recomenda que independentemente da possibilidade conferida de utilização simultânea das Leis nº 8.666 de 1993 e nº 14.133, de 2.021, vedadas a combinação de preceitos de uma e de outra, os Poderes e órgãos das esferas do Estado e dos Municípios avaliem a conveniência e oportunidade sobre a imediata adoção das regras da lei 14.133/21."

Para quem lê nas entrelinhas jurídicas, parece claro que o período de dois anos (agora dois anos e oito meses com a prorrogação feita pela Medida Provisória nº 1.167/23) é o período "de teste" da nova lei, espécie de período de "estágio probatório legal" onde a lei deverá ser — paulatinamente — aplicada e assimilada pelo Poder Público. 

Assim previa a NLLC antes da MP 1.167/23: 

"Artigo 191
(…)
§2º Até o decurso do prazo de que trata o inciso II do caput do artigo 190, a Administração poderá optar por licitar de acordo com esta Lei ou de acordo com as leis citadas no referido inciso, e a opção escolhida deverá ser indicada expressamente no edital, vedada a aplicação combinada desta Lei com as citadas no referido inciso."

E agora a redação dada pela referida MP: 

"Artigo 191
(…) 
§2º É vedada a aplicação combinada desta Lei com as citadas no inciso II do caput do artigo 193."

 Em nossa obra (1) mencionamos que a figura ilícita do 'fracionamento por hibridismo" consistente em dispensar uma licitação pelo valor da lei 8.666/93 e, posteriormente; no mesmo exercício; "somar" o valor para atingir-se o limite da NLLC que é superior ao da lei antiga. 

O procedimento é claramente ilícito, conforme previsto na recomendação do TCE-SP e na previsão do artigo 191,§2º da NLLC. 

Ora, se o hibridismo é ilícito, conforme já sedimentado nas Cortes de Contas e na doutrina, como poderíamos admitir que o PCA seria obrigatório ainda que a administração pública opte (legitimamente) por utilizar a provecta lei em alguns procedimentos licitatórios e a NLLC em outros procedimentos? Se a lei antiga não obriga o PCA por que seria lícito exigi-lo enquanto ainda vigente a lei provecta e a opção de escolha das leis? 

Se o hibridismo é vedado e a fase de "testes" com a nova lei é parte da implementação do planejamento no seio da administração pública, a obrigatoriedade do PCA antes do término do prazo de convivência das duas leis criaria uma espécie de "hibridismo conjuntural" com a obrigatoriedade do PCA para licitações pela NLLC e também para a provecta lei 8.666/93.  

Ou seja, o PCA somente é obrigatório quando a totalidade dos procedimentos for regido, obrigatoriamente, pela NLLC. 

Corroborando o exposto, a aprovação do PCA seria uma forma de "abrir mão" do "período de graça" da fase de testes para implementação e assimilação da NLLC. O "período de graça" somente pode existir se o PCA tiver sua vigência obrigatória em 1.1.2024.  

Planejamento pressupõe que, previamente, haja análise e observação para posterior planificação. O "período de graça" é o lapso temporal escolhido para a NLLC para que haja análise e observação e obtenção de dados, pressupostos lógicos de um planejamento bem feito. 

Não faz o menor sentido hermenêutico que a lei autorizasse a fase de "testes" e impusesse o PCA desde o início sem a obtenção dos dados que serão utilizados para a própria formulação e construção do PCA. 

O PCA somente pode ser considerado obrigatório quando a própria NLLC for considerada integralmente obrigatória já que é a única interpretação que preserva a vigência integral e sistemática da NLCC. 

Outro ponto que merece destaque é sobre a natureza jurídica do PCA. A norma seria propriamente uma regra de licitações e contratos ou seria uma norma jurídica de cunho orçamentário? 

A regra tem cunho licitatório mas há inequívocas consequências reflexas decorrentes do orçamento público no PCA. Portanto, o Plano de Contratações Anual deve ser compatível com a Lei Orçamentária, ainda que não tenha cunho orçamentário. A melhor recomendação é que sejam feitos em conjunto: LOA e PCA. O diálogo entre PCA e LOA é uma imposição lógica inescapável e decorrência do dever de planejamento. 

Desta forma, em razão da imperiosa necessidade de interpretar-se o PCA em consonância com a regra de "opção pelo Poder Público" da lei licitatória a ser utilizada no "período de graça", e, ainda, em razão da vedação ao hibridismo (no caso hibridismo conjuntural) chegamos à inexorável conclusão de que o PCA será obrigatório a partir do dia 1º de janeiro de 2024. 

O PCA serve como regra de imposição do planejamento, fazendo com que as secretarias de um ente político superarem suas visões "do próprio umbigo" e organizem com racionalidade a aquisição de produtos, serviços e soluções em tecnologia da informação. 

Nesse sentido, aliás, é a definição da Controladoria Geral da União (2): "O Plano Anual de Contratações (PAC) é o instrumento que consolida todas as compras e contratações que o órgão ou entidade pretende realizar ou prorrogar, no ano seguinte, e contempla bens, serviços, obras e soluções de tecnologia da informação".

As secretarias de administração passam a ter uma responsabilidade maior, devendo compatibilizar as inúmeras demandas dos setores entre si e em relação à Lei Orçamentária. A governança fará parte das atribuições de tais secretarias. 

Ainda que não seja, propriamente "uma lei" mas apenas uma regra legal e mesmo não sendo formalmente lei orçamentária é que utilizamos de metáfora para batizar o PCA como verdadeira "Lei de Responsabilidade Licitatória" já que impõe a responsabilidade típica dos gestores privados aos gestores públicos. 

Num  segundo momento da evolução da jurisprudência dos Tribunais de Contas apostamos na figura do "fracionamento de planificação" quando inúmeras aquisições idênticas são realizadas por várias secretarias do mesmo ente político demonstrando a absoluta falta de comunicação interna e  desrespeito ao dinheiro público. 

Nossa modesta opinião é a de que haverá evolução na jurisprudência dos Tribunais de Contas da figura do fracionamento "ad valorem" para o fracionamento "inordinatio" ou "fracionamento de planificação".  A essência é a mesma: burla às regras licitatórias criando gastos indevidos de dinheiro público. 

É regra elementar do mercado que os preços de atacado são unitariamente menores do que os preços de varejo. No "fracionamento de planificação" ou fracionamento "inordinatio" a administração pública busca um preço maior de forma irracional e irresponsável por mera desídia gerencial. 

No "fracionamento de planificação" há "sobrepreço" previsto no artigo 6º, LVI da NLLC pois a ausência de planejamento cria "preços artificiais" que seriam menores no caso de planejamento adequado. Há vedação ao sobrepreço no artigo 11, III da nova lei, máxime quando a própria conduta da administração pública gera o "preço artificial" acima do mercado. 

Na jurisprudência formada a partir da Lei 8.666/93 o termo "fracionamento" surge como um ilícito consistente em realizar duas ou mais licitações mais simplificadas daquilo que, rigorosamente, é o mesmo objeto e deveria ter uma licitação com maior complexidade e maiores chances de economia de dinheiro público. 

Com a nova lei de licitações o "fracionamento" passa a ter característica de divisão indevida de licitações por falta de organização e planejamento internos criando sobrepreço por negligência administrativa. 

Progressivamente, as Cortes de Contas deverão advertir, rejeitar as contas e impor multas, já que há desperdício de dinheiro público no "fracionamento de planificação". 

Mais adiante o Ministério Público deverá propor ações de ressarcimento em razão do sobrepreço criado artificialmente por desídia administrativa. 

O PCA é o instrumento que viabiliza licitações que levem em conta "a floresta" e não apenas "as árvores" e inclui na administração pública rudimentos de gestação e governança até então inexistentes.  

O PCA e a figura do sobrepreço criaram a figura de ilicitude administrativa do "fracionamento de planificação" ou fracionamento "inordinatio", objeto de análise futura por parte de nossas Cortes de Contas.

Autores

  • é mestre em Direito pela PUC-SP, procurador municipal e autor do livro, Inovações da Nova Lei de Licitações (2ª Ed. Dialética, 2.023) e coautor da obra coletiva A Contratação Direta de Profissionais da Advocacia (Coordenador: Marcelo Figueiredo, Ed. Juspodivm, 2.023).

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