Opinião

Um rosário de queixas ideológicas na nota do Clube do Bolinha

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6 de junho de 2023, 19h27

Há alguns meses escrevi aqui nesta ConJur que à luz do direito constitucional brasileiro qualquer criança alfabetizada seria capaz de discorrer sobre a inexistência atual de um Poder Moderador (cometido a quem quer que seja), e a mera conjectura de um tal atributo às Forças Armadas, em países democráticos, seria algo no mínimo constrangedor.

O absurdo e oportunismo da "tese do poder moderador", com a mudança dos ventos políticos, instalou-se em gândara estéril, tornou-se insustentável até por seus acólitos originais, alguns que avassalaram-se para emprestar algum formato jurídico ao mostrengo e que agora renegam o filho feio que não vingou.

Daí que os empreendedores do "poder moderador" ficaram ao relento.

Mas a fase da aceitação não é igual para todos; sempre haverá alguns inconformados e histéricos. Basta ver a horda escatológica que assolou Brasília em 8 de janeiro.

Sabemos que as diversas tribos que formam o sincretismo contemporâneo organizam-se em clubes, de maior ou menor relevo social, civis ou militares, a propiciar entretenimento a seus sócios (e defesa de seus interesses), o que não deixa de ser normal.

O que não é normal é se algum desses clubes pretender se irrogar à posição de oráculo da República, alter ego do "poder moderador", para desfiar um rosário de queixas ideológicas, político-eleitoreiras, como se ele próprio detivesse mínima isenção.

Mais antigo do que andar para frente é o hábito estratégico e insincero de alguns em lesar aquilo que fingem proteger. Em nome da liberdade, ofende-se e tolhe-se a liberdade dos outros. Em defesa da democracia, prega-se uma tirania mal disfarçada. Uma entidade que hipocritamente se posiciona como apolítica pratica atos típicos de partidarização política para refutar… a suposta partidarização política "do outro"!

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Reprodução da HQ "Clube do Bolinha"

E os presidentes de nossos clubes militares não escapam desse figurino. Em nota conjunta publicada no ultimo dia 27 de maio, sem sequer disfarçar a coincidência aos interesses e narrativas de seu líder político, o ex-capitão que presidiu a República, disseram que o país se ressente "desde o início de 2019" (início do mandato do ex-militar recém derrotado nas urnas) com um "crescente desequilíbrio entre os poderes (…) com nítida prevalência do poder judiciário". Escancarando que tem seu lado, diz em lamúria que "um lado do espectro ideológico pode tudo, enquanto o outro sofre os rigores de uma lei quase sempre interpretada de forma abusiva", daí a preocupação para "onde caminha nossa democracia". Ao projetar-se à sua própria régua, a nota acusa o Poder Judiciário de ter "tomado partido político de forma ostensiva". Em sua inescondível defesa de um moribundo projeto de poder moderador, a nota opta pelo ataque sonso a todos os que exercem a jurisdição, reputando-os antidemocráticos e parciais.

Não fosse trágico ver no que se transformou essa parcela relevante da representação público-social brasileira, sua pueril "estratégia argumentativa de espelhamento" seria risível. O país e o mundo vivem problemas sérios, reais, estamos em meio a batalhas de verdade, que não se vencem através de falatórios, bravatas, frivolidades ou fake news. Temos que olhar para frente; e todos — cada um no seu quadrado —, públicos e privados, civis e militares, têm muito a contribuir.

O golpe do "moderador" caiu de maduro; já não cola mais. A hora é, sim, de "moderação": não adianta chororô com o leite condensado derramado. Respeito sincero ao Estado de Direito, à democracia, às instituições e aos Poderes da República é um bom (re)começo.

Chega de conspiração!

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