Opinião

Margem Equatorial e necessidade de integração das políticas públicas

Autor

  • Paulo de Bessa Antunes

    é detentor da edição 2022 do Prêmio Elisabeth Haub de Direito Ambiental e Diplomacia professor associado da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (UniRio) e presidente da Comissão de Direito Ambiental do Instituto dos Advogados Brasileiros e ex-presidente da União Brasileira da Advocacia Ambiental.

4 de junho de 2023, 6h06

Recentemente, o Ibama indeferiu o requerimento de licença para exploração de petróleo na chamada margem equatorial [1], que  é formada por uma área com cerca de 2.200 km de extensão, estendendo-se do Rio Grande do Norte ao Amapá, na fronteira com a Guiana Francesa.

É relevante anotar que aproximadamente 80% dos manguezais do Brasil ficam na região, sendo que a maior área contigua de manguezais do planeta vai do Amapá ao Maranhão. Na margem equatorial há o maior sistema de recifes do Brasil.

Em relação às reservas de petróleo estima-se que a margem equatorial abrigue 30 bilhões de barris de petróleo, o que poderia levar o Brasil à condição de quarto maior produtor do mundo, atrás apenas de Estados Unidos, Arábia Saudita e Rússia [2]. A disputa entre petróleo e meio ambiente é antiga na região, pois, já houve negativa de outros licenciamentos [3].

Este artigo não pretende discutir o acerto ou o equívoco da decisão do Ibama, mas a incerteza regulatória em torno da questão. A concessão de blocos para a exploração e produção de óleo e gás se faz mediante leilões promovidos pela ANP (Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis).

Segundo dados da agência, "desde 1999, foram realizadas 17 rodadas de blocos exploratórios e quatro de campos maduros sob o regime de concessão; seis do pré-sal, sob o regime de partilha de produção; quatro ciclos de Oferta Permanente, sendo três sob o regime de concessão e um sob o regime de partilha; e duas rodadas de Volumes Excedentes da Cessão Onerosa, também sob o regime de partilha".

As rodadas são autorizadas pelo CNPE (Conselho Nacional de Política Energética) que, na forma do artigo 2º, VIII da Lei nº 9478/1997 tem competência para "definir os blocos a serem objeto de concessão ou partilha de produção". Vale notar que o Ministério do Meio Ambiente e da Mudança do Clima (MMA) integra o conselho, conforme determinado pelo artigo 2º, VIII do Decreto nº 3520/2000. Logo, é de se supor que os aspectos ambientais dos blocos a serem oferecidos ao público já tenham sido examinados previamente. Entretanto, não é isso que ocorre.

Não é raro que blocos oferecidos a licitação tenham a sua exploração e produção negadas por motivos ambientais. Evidentemente que, se as condições locais não permitem a atividade petrolífera em função de riscos ambientais sérios, a licença deve ser negada. Entretanto, o que o caso revela é um verdadeiro descompasso entre a política energética e a política ambiental, deixando para o Ibama uma carga negativa que prejudica o órgão com desgastes desnecessários.

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É preciso lembrar que o licenciamento ambiental é instrumento da Política Nacional do Meio Ambiente [4] e, portanto, deve estar subordinado aos seus ditames. No atual modelo de leilões de blocos para exploração e produção de óleo e gás, o Ibama acaba assumindo a função de formulador da política ambiental. O modelo é suprapartidário e nenhum governo, desde a flexibilização do monopólio do petróleo, tentou alterá-lo.

A Resolução nº 17/2017 do CNPE, em seu artigo 1º, §1º, IX e X [5] estabelece que o CNPE deve formular diretrizes relativas à "previsibilidade" do licenciamento ambiental e quanto à observância das normas e procedimentos ambientais. A mesma resolução, em seu artigo 6º estabeleceu que o planejamento da outorga das áreas deve levar em conta estudos multidisciplinares de avaliação ambiental das bacias sedimentares, com abrangência regional; ou seja, em toda a área compreendida pela bacia sedimentar.

Na falta de estudos ambientais, as avaliações sobre possíveis restrições ambientais serão sustentadas por manifestação conjunta do Ministério de Minas e Energia e do Ministério do Meio Ambiente, complementadas, no que se refere a bacias sedimentares terrestres, por pareceres emanados pelos órgãos estaduais do Meio Ambiente, com competência para o licenciamento ambiental na área em questão.  

Os diferentes governos têm tido o mesmo comportamento ao não realizarem os estudos ambientais necessários, de forma a solucionar a questão por meio de uma "brecha legal". Ocorre que a ADPF 825/DF [6], relatada pelo ministro Marco Aurélio, decidiu que: "[a] viabilidade ambiental de certo empreendimento é atestada não pela apresentação de estudos ambientais e da Avaliação Ambiental de Área Sedimentar (AaaS), mas pelo procedimento de licenciamento ambiental, no qual se aferem, de forma específica, aprofundada e minuciosa, a partir da Lei nº 6.938/1991, os impactos e riscos ambientais da atividade a ser desenvolvida". 

Logo, o quadro normativo vigente exige que até a produção de um bloco oferecido a leilão se faça 1) a avaliação ambiental da bacia sedimentar e o 2) licenciamento ambiental para exploração e, posteriormente, se for o caso, para produção.

É preciso que se diga que o Estado brasileiro tem aprendido pouco com os leilões de petróleo, pois já foram ofertados blocos com dificuldades ambientais importantes. Já em 1911 foi negada licença ambiental para atividade petrolífera no Baixo Sul da Bahia, atividade a ser desenvolvida em águas rasas [7].

Blocos oferecidos a leilão próximos ao Parque Nacional Marinho de Abrolhos não foram objeto de lances em 2019 [8]. A "solução" que tem sido ofertada pela ANP é a transferência do risco do licenciamento ambiental para o adquirente do bloco. Solução cômoda, pois lança ao Ministério do Meio Ambiente e ao Ibama toda a culpa pelo não licenciamento do projeto. 

Outros setores econômicos já passaram por problemas assemelhados, como o caso da geração de energia elétrica. Veja-se que a Portaria MME nº 102/2016 [9] estabelece como documentos obrigatórios para a habilitação técnica para o cadastramento em leilões de energia, dentre outros, as licenças ambientais; posteriormente a Portaria Normativa MME nº 20/2021 [10] estabeleceu a exigência de licenças ambientais para a inclusão de projetos em leilões para geração de energia elétrica.

Como se viu, o quadro normativo, do ponto de vista ambiental é frágil e lança uma carga desproporcional sobre o Ibama. Por outro lado, lançar todo o risco do licenciamento ambiental para as empresas, parece ser, igualmente, desproporcional. É legítimo que o Estado entenda que não quer levar determinadas áreas a leilão. Isto deve ser defendo pelo CNPE de forma clara e com base em estudos consistentes. O atual modelo é insustentável, devendo ser revisto o quanto antes.

Se o Brasil pretende assumir uma posição de liderança ambiental, deve ter muito bem estabelecidas as interfaces entre as políticas públicas ambienta e energética, sob pena de toas as partes saírem perdedoras.

 


[1] Ibama nega licença para Petrobras prospectar perfuração. Disponível em < https://www.poder360.com.br/economia/ibama-nega-licenca-para-petrobras-prospectar-perfuracao/ > acesso em 18/05/2023

[4] Lei 6938/1981, artigo 9º, IV.

[5] Disponível em < https://www.gov.br/anp/pt-br/servicos/legislacao-da-anp/rl/cnpe/resolucao-cnpe-n17-2017.pdf > acesso em 01/05/2023.

[6] ADPF 825 / DF. Relator(a): ministro Marco Aurélio. Redator(a) do acórdão: ministro Nunes Marques. Julgamento: 03/08/2021. Publicação: 26/11/2021. Órgão julgador: Tribunal Pleno.

[7]  Ibama indefere licença para El Paso explorar petróleo e gás em águas rasas, a 11,3 km da Ilha de Boipeba, BA. Disponível em <   https://www.ecodebate.com.br/2011/09/16/ibama-indefere-licenca-para-el-paso-explorar-petroleo-e-gas-em-aguas-rasas-a-113-km-da-ilha-de-boipeba-ba/ > acesso em 0106/2023.

[8] Blocos para exploração de petróleo perto de Abrolhos não atraem interessados em leilão. Disponível em <  https://brasil.elpais.com/brasil/2019/10/10/politica/1570719259_510822.html > acesso em 01/06/2023

[9] Disponível em < https://www.legisweb.com.br/legislacao/?id=317796 > acesso em 01/06/2023

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  • é detentor da edição 2022 do Prêmio Elisabeth Haub de Direito Ambiental e Diplomacia, professor associado da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (UniRio) e presidente da Comissão de Direito Ambiental do Instituto dos Advogados Brasileiros.

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