Opinião

Só a reforma tributária não basta. É preciso aprimorar o STF

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31 de julho de 2023, 15h22

Estamos passando por um momento de júbilo e de boa esperança. A Câmara dos Deputados aprovou o texto-base da reforma tributária. O encaminhamento é para um modelo muito mais racional, com menor número de tributos, redução da legislação, facilitando o cumprimento pelos contribuintes. O primeiro grave entrave burocrático que atrapalha um maior crescimento do país está sendo enfrentado e será afastado ou, no mínimo, reduzido ao aceitável, na comparação com seus congêneres modernos.

Entretanto, um outro grande, grave e forte entrave burocrático também atrapalha o crescimento econômico e social do país: o modelo de atuação do nosso Judiciário, especialmente da cúpula, tribunais superiores e Supremo Tribunal Federal.

É de conhecimento geral a doentia dependência da sociedade, economia e governo em relação ao nosso Judiciário, especialmente do STF, resultando milhões de processos judiciais, lentidão e insegurança jurídica, reduzindo a produtividade, eficiência nacional e atrapalhando a concorrência com o mercado mundial.

As críticas contra a desmedida competência processual do Supremo já foram bem resumidas: 1) excesso de processos, 2) monocratização (elevado número de decisões individuais dos ministros), 3) oscilação da jurisprudência (variação conforme o caso concreto), 4) pedidos de vistas de caráter obstrutivo, 5) inobservância (em decisões monocráticas) de orientação firmada pelo plenário e 6) poder de agenda pelo qual o relator ou a presidência do tribunal podem atrasar indefinidamente qualquer julgamento.

O excesso de processos é incontestável. O STF (11 ministros) recebeu 77.449 processos em 2021, um aumento de 3,08% em relação ao ano de 2020. Do total de recebidos, 23.268 são ações originárias (30,04%) e 54.181 processos recursais (66,96%). No total, proferiu 98.198 decisões, das quais 82.781 monocráticas (84,3%) e 15.417 colegiadas (15,7%). A Corte americana julga por volta de cem processos por ano, a alemã (16 juízes), 6.200, a italiana, 300, e a francesa, 200. Será que o mundo está errado e só o Brasil está certo?

Essa avalanche de processos inviabiliza o funcionamento eficiente do STF, impedindo o julgamento em tempo adequado de centenas de demandas nacionais objetivas, litígios políticos candentes e conflitos federativos urgentes, questões fundamentais para o desenvolvimento do país, gerando um defeito estrutural que contamina todo o sistema judicial, aumentando exponencialmente o número de processos repetitivos, pela exorbitante demora na formação de jurisprudência segura. É um despautério que processos de questões particulares já julgados em três instâncias sejam encaminhados ao STF para outro julgamento

O Supremo tem obrigação política e ética de livrar-se dessa doentia carga de processos, para poder dirigir sua energia na solução rápida e eficiente das questões nacionais fundamentais, acima dos interesses particulares dos processos subjetivos, deixando de ser entrave ao desenvolvimento nacional e passando a ser eficiente indutor da democracia plena, com muito mais dignidade humana. O STF não pode deixar sua história ficar marcada com a manutenção de espaços de atrasos processuais que permitem reprováveis jogos de poder.

Mesmo nesse estado de coisa judicial beirando a inconstitucionalidade, transparece um certo descuido da elite jurídica em debater o assunto, apontar as disfuncionalidades, propor mudanças, aprimoramentos e a reforma constitucional necessária. Os interesses privados dos que ganham com um sistema judicial altamente burocrático, anacrônico e disfuncional não podem prevalecer. A sociedade não pode ficar prisioneira de um sistema judicial ineficiente

Absurdo é não mudar, quando necessário, o que pode ser mudado. Os órgãos estatais são criados para cumprir determinada função, em benefício da sociedade à qual pertencem. Se não estão cumprindo o esperado pela sociedade, devem ser aprimorados e mudados, sob pena de perderem credibilidade, legitimidade e passarem para a história como um estorvo ao desenvolvimento do país. Os poderes concedidos aos agentes dos órgãos estatais para cumprir suas funções não podem ser empecilhos para mudanças.

Temos o importante exemplo do Reino Unido, formado pela Inglaterra, Gales, Escócia e Irlanda do Norte, nações historicamente conservadoras, que, em 2005, num quadro de grande dificuldade política, pela necessidade de concerto entre as quatro nações, reformulou e criou uma nova Suprema Corte, composta por 12 juízes, com turmas julgadoras de cinco, sete ou nove juízes, a depender da importância e da complexidade do caso, para melhor atender as incontornáveis exigências de urgência e eficiência judicial do mundo moderno.

Concluindo, seguem pontos essenciais para enfrentamento do problema: a) transferência da competência constitucional recursal do STF aos tribunais superiores, visando à conclusão de todos os processos subjetivos na terceira instância, no máximo; b) manutenção do controle de constitucionalidade somente pela via concentrada (leis e jurisprudências); c) redução (para poucas centenas) dos processos que o STF deve julgar anualmente; d) regulação detalhada, com prazos certos e fiscalizáveis, dos casos excepcionais de decisão monocrática e pedidos de vista; e e) descentralização no procedimento de nomeação dos ministros do STF.

O Brasil precisa desesperadamente desta boa mudança no STF. A sociedade precisa cobrar dos parlamentares avanços neste sentido. A elite jurídica precisa liderar, promover debates, apresentando críticas e soluções. O Parlamento precisa vencer a ruinosa omissão, com urgência, para o bem do Brasil.

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