Opinião

Falibilidade do método lógico-indutivo no convencimento do juiz

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30 de julho de 2023, 13h20

Os processos decisórios ganham, progressivamente, notória relevância. Há estudos cada vez mais robustos e assertivos que visam a justamente descobrir melhores formas de influenciar você a decidir da maneira mais conveniente, seja para a indústria de filmes, de veículos, ou da moda. Por certo, no âmbito do direito, em especial, do direito penal, não seria diferente. Os argumentos e a retórica cada vez ficam mais rebuscados, aperfeiçoados, a fim de que se levem os melhores elementos àquele a quem incumbe decidir, isto é, ao magistrado.

Existe, de fato, um esforço enorme direcionado aos dados que serão entregues ao sentenciante, inclusive, até a forma por meio da qual eles se apresentarão já é objetivo de estudo; aponta-se, nesse sentido, a crescente procura pelas ferramentas do visual law.

Ocorre que há um aspecto muito mais basilar que as informações que serão oferecidas ao juiz: o método decisório que será adotado por ele. De nada adianta a defesa pôr em evidência aquilo que lhe interessa no processo se a manipulação lógica, que vem geralmente oculta no que chamamos de livre convencimento motivado [1] e de persuasão racional [2], não estiver de acordo com toda a principiologia do direito penal constitucional.

Assim, neste breve artigo, serão abordados os métodos de decisão que permeiam, para além das nossas escolhas cotidianas, o próprio julgamento do magistrado ao ter de lidar com as miríades de informações sobre fatos que se apresentam em um processo criminal.

Introdutoriamente, os dois processos de tomada de decisão que mais chamam atenção são o de dedução e o de indução. Aqui, vale expor uma síntese com as principais características de cada um.

Pois bem, no método dedutivo, se as premissas forem verdadeiras, teremos uma conclusão verdadeira, sem que haja margem para qualquer dúvida, isto é, as premissas implicam uma decisão certa. A certeza é a alcançável na decisão por dedução. Nele, em regra, o caminho lógico começa por premissas gerais (regras universais, mas verdadeiras) e termina em uma conclusão particular e certa ¾ desde que sejam verdadeiras as premissas gerais. Exemplificando o método: se todo homem é mortal (premissa geral e verdadeira) e João é um humano, logo, João é mortal (premissa particular e verdadeira).

Já no método indutivo, as premissas somente apoiam uma conclusão. Quer dizer, por mais que a conclusão seja convincente, dela nunca decorrerá uma certeza. Trata-se de uma inferência que não guarda qualquer garantia de veracidade, ainda que as premissas sejam verdadeiras. Em geral, a indução percorre o caminho inverso do da lógica dedutiva: parte-se de premissas particulares para se chegar a conclusões gerais. Demonstrando:  se todas as Organizações Criminosas precisam lavar dinheiro, já que as origens das receitas são ilícitas, então aquele indivíduo que está sendo processado por lavagem de dinheiro também deve fazer parte de uma Orcrim.

É justamente de um caso análogo ao mencionado acima, com o qual nos deparamos ao militar na advocacia criminal, que se deu a origem da crítica que é objeto deste artigo: a falibilidade do método lógico indutivo no livre convencimento do juiz em ações penais.

Vale frisar que não se perde de vista o teor do artigo 239 do Código de Processo Penal [3], que, ao tratar de indícios, prestigia o método lógico indutivo, tampouco o entendimento atual do STF [4] e do STJ [5] sobre a temática, contudo, não nos parece constitucional a possibilidade de existir um decreto condenatório (nesse caso, baseado exclusivamente em indícios) oriundo de um método lógico que é incapaz, por si só, de levar a uma certeza. Entendemos que deve prevalecer, em última análise, o Princípio do In Dubio Pro Reo, também conhecido como Princípio do Favor Rei e decorrente do Princípio da Não Culpabilidade (artigo 5°, inciso LVII, da Constituição Federal).

Destaca-se que, na indução, há o envolvimento de experiências, observações e análises sociais. Nesse sentido, nota-se a diferença entre o operador do direito e o criminólogo: enquanto o operador do direito parte de premissas corretas para deduzir delas suas conclusões (método dedutivo), o criminólogo analisa dados e induz as correspondentes conclusões (método indutivo).

Um grande exemplo de tal situação é a comumente conhecida Teoria das Janelas Quebradas (broken windows theory). A teoria das janelas quebradas foi desenvolvida pelo cientista político James Wilson e pelo psicólogo criminalista George Kelling  a partir do embasamento do experimento realizado pelo psicólogo Philip Zimbardo, da Universidade de Stanford  externando bases fundamentais na ideologia da chamada Escola de Chicago (Criminologia).

Os idealizadores desse pensamento partiram da seguinte análise:

Se apenas uma janela de um prédio fosse quebrada e não fosse imediatamente consertada, as pessoas que passassem pelo local e vissem que a janela não havia sido consertada concluiriam que ninguém se importava com isso, e que em um curto espaço de tempo todas as demais janelas também estariam quebradas, pois as pessoas começariam a jogar mais pedras para quebrar as demais janelas. Em pouco tempo, aquela comunidade seria levada à decadência. Abandonado, o local seria ocupado por pessoas viciadas, imprudentes e com tendências criminosas. A comunidade seria abandonada e tomada por desordeiros [6].

A ideia, pois, é fundamentada na lógica exteriorizada a partir da janela indicando que, se ela estiver quebrada e não vier a ser imediatamente consertada, a população passará a pensar que não existe autoridade responsável pela ordem ali.

Assim, por meio do método indutivo, concluíram os autores que a desordem teria como consequência inexorável (mais) desordem, delitos e intensificação da criminalidade, por mais simples e “inofensivo” que o comportamento reprovável possa se revelar em um primeiro momento. A fim de simplificar, através da indução, concluiu-se que a criminalidade não advém de questões sociais, mas sim a partir da impunidade.

Então, se por um lado, a teoria das janelas quebradas é alvo de críticas, o que é natural por ser uma teoria inserida no âmbito da criminologia, elaborada a partir do método lógico indutivo, da qual não se pode, pois, inferir certezas, por outro lado, a decisão proferida por um magistrado pela condenação, não — a lógica é diferente. Este operador do direito tem de se valer, obrigatoriamente, do método dedutivo de raciocínio, só estando permitido a proferir um decreto condenatório se baseado em conclusão que guarde certeza da materialidade e da autoria de um crime

Por isso, é preciso que cada vez mais nos debrucemos ao estudo da falibilidade do método lógico-indutivo na tomada de decisão do magistrado ao sentenciar, pois, se o ordenamento jurídico estabelece a necessidade de certeza para que haja uma condenação, é natural assumir que a conclusão decorrente de um processo lógico que não leva a certezas não guarde legitimidade alguma para sustentar um decreto condenatório.

 


[1]. Isto significa que juiz não mais fica preso ao formalismo da lei, antigo sistema da verdade legal, sendo que vai embasar suas decisões com base nas provas existentes nos autos, levando em conta sua livre convicção pessoal motivada.

[2]. Mesmo que livre o convencimento, o juiz deve expor os fundamentos de fato e de direito, ou seja, a "lógica" por trás da sua conclusão.

[3]. ArtIGO 239 (CPP): "Considera-se indício a circunstância conhecida e provada, que, tendo relação com o fato, autorize, por indução, concluir-se a existência de outra ou outras circunstâncias".

[4]. Vide Revista Trimestral de Jurisprudência – Volume 225 – Tomo II – pág. 1.218/1.220 (STF).

[5] Os indícios são as circunstâncias conhecidas e provadas a partir das quais, mediante um raciocínio lógico, pelo método indutivo, se obtém a conclusão, firme, segura e sólida de outro facto; a indução parte do particular para o geral e, apesar de ser prova indireta, tem a mesma força que a testemunhal, a documental ou outra. Validade da utilização dos indícios como prova da autoria criminosa.

[6]HABIB, Gabriel. Leis Penais Especiais: tomo I. Salavador: Editora Jus Podivm, 2020. p. 254.

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