Opinião

Movimento tenta driblar decisão que impede prorrogação de prazo de patentes

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30 de julho de 2023, 6h07

O STF (Supremo Tribunal Federal), no julgamento da ADI 5.529 em maio de 2021, decidiu pela inconstitucionalidade do parágrafo único do artigo 40 da Lei 9.279/1996 (Lei da Propriedade Industrial) que previa prazos indeterminados de vigência de patentes, pois relacionava a fixação do prazo à conclusão do processo administrativo junto ao INPI (Instituto Nacional de Propriedade Intelectual).

Na prática, a decisão impede a ampliação do prazo das patentes para além dos 20 anos previstos em lei. Para o STF, o prolongamento indevido dos prazos viola os princípios da segurança jurídica, da ordem econômica, da eficiência da administração pública e do direito à saúde.

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Com a decisão, foram liberadas 3,5 mil patentes, o que aumenta a oferta de genéricos, similares e biossimilares. Muitas farmacêuticas nacionais já confirmaram a intenção de ampliar os lançamentos em até 30%. Além disso, a entrada de novos produtos no mercado vai baratear os medicamentos, já que os genéricos devem custar pelo menos 35% a menos que o produto de referência, de acordo com a legislação brasileira.

No entanto, há um movimento coordenado dos laboratórios multinacionais, detentores das patentes expiradas, para driblar a decisão do Supremo e manter o monopólio por mais de 20 anos. As multinacionais têm acionado a Justiça com o argumento de que teriam sido prejudicadas pela demora do INPI ao analisar os pedidos de patentes e, por isso, deveriam ser recompensadas com a extensão dos prazos.

A pressão de grupos estrangeiros tem uma explicação clara: o Brasil é um mercado extremamente atrativo — o 6º maior do mundo no setor farmacêutico. Isso foi levado em consideração na Reclamação 53.181, quando o ministro Dias Toffoli, que também foi o relator da ADI 5.529, reforçou o entendimento da corte pela impossibilidade de se estender o prazo das patentes.

Toffoli afirmou que "o domínio de mercado por empresas estrangeiras por período muito superior à média internacional acaba sufocando a chance de empresas nacionais explorarem o invento e contribuírem, assim, para o fornecimento de produtos a preços acessíveis à população". Decisão semelhante foi tomada pelo ministro Luiz Fux na Reclamação 56.378. Até o momento, já foram ajuizadas 48 ações nas instâncias ordinárias e três no STF com objetivo de ampliar o prazo de patentes.

Desse total, sete ações já foram julgadas improcedentes em primeira instância e um acórdão proferido pelo Tribunal Regional Federal da 1ª Região também negou provimento a um recurso de apelação interposto por uma multinacional. Todas as decisões foram baseadas na tese fixada pela Suprema Corte na ADI 5.529, reforçando o entendimento de que não é possível prorrogar os prazos das patentes.

Em nenhum dos processos, houve comprovação ou indicação de prejuízos causados aos antigos titulares das patentes, nem de que terceiros não autorizados tenham explorado as tecnologias protegidas pelas patentes. Isso significa que, em todos os casos, ficou provado que os titulares foram os únicos a explorar as suas invenções durante o período de 20 anos previsto na LPI.

Práticas anticoncorrenciais
Além das ações judiciais, as multinacionais também têm acionado a Anvisa e a Receita Federal para ter acesso a dados sigilosos de empresas concorrentes. O argumento é de que os laboratórios concorrentes estariam importando insumos para produzir e vender medicamentos panteados de forma irregular.

Porém, segundo a própria Lei da Propriedade Intelectual, em seu artigo 43, inciso VII, a prática de atos com o objetivo de obter o registro sanitário para comercialização de medicamentos, ainda que produzidos à base de substâncias e/ou tecnologias protegidas por patentes e sem autorização do titular, não viola direitos patentários.

Assim, é possível concluir pela abusividade de medidas judiciais que visam a impedir a importação de substâncias para produção de informações, dados e resultados de testes exigidos pela autoridade regulatória para a concessão de registro sanitário. Mais grave ainda é ter acesso a dados sigilosos de empresas concorrentes com base em medidas judiciais infundadas.

A estratégia das multinacionais resulta em um cenário de profunda insegurança jurídica que prejudica o ambiente concorrencial, o incentivo à inovação e a entrada de novos produtos no mercado. A prática abusiva do direito de patentes também atinge o consumidor e dificulta o acesso à saúde, além de prejudicar o desenvolvimento social, econômico e tecnológico do país.

Não é demais lembrar que a própria Constituição de 1988, em seu artigo 5º, inciso XXIX, estabelece a função social da propriedade industrial, que deve contribuir para o desenvolvimento econômico e tecnológico do país. E não é possível alcançar tal desenvolvimento em um ambiente de monopólio e sem concorrência.

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