Opinião

Legalidade intransigente, um paradigma de direitos humanos realizável

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26 de julho de 2023, 9h16

Com o julgamento cautelar da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental 347 em 2015, o Supremo Tribunal Federal reconheceu que o desarranjo nas prisões brasileiras vem de um processo histórico e generalizado, demandando uma nova concertação entre atores para a superação desse quadro. Pouco mais de um ano depois, no início de 2017, a morte de 26 internos no presídio de Alcaçuz nos lembrou que o reconhecimento dos desafios postos é apenas o início. Que a transformação só existe a partir da ação. 

E é disso que nos ocupamos na segunda parada da comitiva que lança o novo modelo de mutirão carcerário desenvolvido pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ), os Mutirões Processuais Penais. No Rio Grande do Norte, reafirmamos o espírito de sinergia e de composição dos diferentes atores do sistema de justiça que marcou essa política paradigmática do CNJ para nos colocarmos ao lado das lideranças potiguares no fomento a novos tempos na política penal no estado.

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A presidente do STF, ministra Rosa Weber, esteve ontem no Rio Grande do Norte
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O foco renovado no tema prisional nos impõe exigentes posturas, e uma cultura de atuação judicial que nos implique com o cumprimento intransigente da Constituição da República, da Lei de Execução Penal, dos precedentes vinculantes das Cortes Superiores e Tratados Internacionais. Com os mutirões, sinalizamos a necessidade de toda magistratura brasileira atuar de forma resolutiva diante de situações que impactam vidas e a própria segurança da sociedade.

A regularidade do funcionamento dos estabelecimentos penais, tanto para os custodiados quanto para quem ali trabalha, é uma obrigação que o Estado assumiu cumprir. Por isso, Poder Judiciário e Poder Executivo devem fazê-lo com um sentido pragmático, realizando regras claras e mínimas que garantam visibilidade e viabilidade das políticas públicas intramuros. Esse é o melhor antídoto para evitar os abusos e as ilegalidades que porventura surjam nesses espaços.

Muito embora o novo mutirão tenha foco na revisão de processos — mais de 100 mil serão reanalisados até agosto por cada tribunal do país segundo teses firmadas nas cortes superiores — não ao acaso iniciamos a agenda no Rio Grande do Norte com visitas às unidades prisionais de Rogério Coutinho e Alcaçuz. Ao comparecermos a esses espaços, nós, magistrados, deixamos clara a mensagem de que o Poder Judiciário não pode jamais compactuar com situações que estejam em desalinho com a lei.

Para além de reafirmarmos a presença do Estado nos espaços de custódia, devemos cuidar, também, de uma ação proativa no pré e no pós-cárcere, fomentando a estruturação das alternativas penais e de uma política nacional de atendimento a pessoas egressas e familiares. Ambos os temas são detalhados em normativas publicadas pelo CNJ nos últimos anos, e estiveram auspiciosamente presentes em nossa visita ao Rio Grande do Norte como parte da agenda do programa Fazendo Justiça, executado pelo CNJ em parceria com o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento para acelerar transformações no campo da privação de liberdade em todo o país.

Um desses exemplos é a assinatura de termo de cooperação técnica para a instalação da primeira Central Integrada de Alternativas Penais do estado, em Natal. De forma alinhada à agenda do Executivo Nacional para expansão e financiamento das centrais, as alternativas penais vêm mobilizando grande interesse no Judiciário. No CNJ, iniciamos em 2014 a primeira edição do Fórum Nacional de Alternativas Penais, que chega à sua quarta edição em setembro deste ano enquanto principal espaço para discussão do tema entre atores do sistema de Justiça. Nesta edição, destacaremos a intersecção do tema com a política de drogas.

Também por meio do programa Fazendo Justiça, atuamos para divulgar e obter informações que subsidiem a formulação e implementação de ações no campo das alternativas penais, realizar articulações necessárias para qualificar varas e serviços em operação, fomentar novas centrais e dar apoio técnico para o fortalecimento da política nos estados.  Sabemos que as alternativas penais, para além de contribuírem para a redução dos elevados índices de encarceramento no país — e que alcançam, seletivamente, a população negra —, também são serviços que possuem caráter restaurativo, propiciando melhor inclusão daqueles que vivenciaram a privação de liberdade.

No pós-cárcere, o Rio Grande do Norte desponta como importante expoente dos Escritórios Sociais, outro serviço fomentado pelo CNJ por meio do programa Fazendo Justiça, com mais de 50 unidades pelo país e mais de 17 mil atendimentos realizados a pessoas que deixaram o cárcere e seus familiares. Participamos do ato de entrega das placas de inauguração de 13 Escritórios Sociais, alguns já implantados e outros em fase de implementação, o que também simboliza e reforça o compromisso das lideranças locais com a Resolução n. 307 de 2019 do CNJ, que instituiu a Política de Atenção a Pessoas Egressas do Sistema Prisional.

No campo socioeducativo, lançamos projeto pioneiro para realização do compromisso da prioridade absoluta a jovens e adolescentes ao lançarmos o piloto da Plataforma Socioeducativa. O projeto vem sendo lapidado pelo CNJ há anos também por meio do programa Fazendo Justiça, sendo o Rio Grande do Norte o primeiro estado a testar solução tecnológica que substitui o Cadastro Nacional de Adolescentes em Conflito com a Lei para otimizar o trabalho do Judiciário no controle e no monitoramento das medidas socioeducativas.

Por meio da Plataforma, facilitaremos as rotinas dos servidores e das servidoras, automatizando diversas funções e uniformizando procedimentos inerentes à apuração do ato infracional, emprestando mais equidade para as decisões. Iremos transpor, ainda, um problema grave que já nos foi cobrado pela Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH): a falta de dados estruturados e informações consistentes sobre a justiça juvenil.

Daremos sequência à agenda de vistas pelo país com parada na Bahia nesta quarta-feira (26), seguindo por Minas Gerais (27) e São Paulo (28). Em cada oportunidade, com as peculiaridades e avanços oportunizados em cada unidade da federação, celebraremos atos para o fortalecimento da atuação da magistratura diante do desafio da privação de liberdade, firmando compromissos com a humanização e a otimização das medidas judicialmente impostas. Trata-se de esforço necessário e imprescindível para o resgate da funcionalidade e do sentido da pena e da medida socioeducativa, sobretudo para aqueles que a experimentam.

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