Opinião

"Cantar, dançar, sem parar": os direitos autorais sobre uma coreografia

Autor

  • Beatriz Dornelas

    é advogada do escritório Di Blasi Parente & Associados e especialista em Propriedade Intelectual com ênfase em Direitos Autorais Entretenimento Marcas e Franchising

26 de julho de 2023, 17h19

Desde muito tempo, coreografias e danças coletivas estão presentes em nossas vidas e celebrações e não foram uma invenção hodierna. Quem nunca esteve em festas ou comemorações onde os presentes performaram coreografias emblemáticas como as das músicas Macarena, YMCA, Thriller, Dancing Queen e Ragatanga? Atualmente, em época de vídeos curtos coreografados e conteúdos audiovisuais virais, temos visto um número crescente de debates e questionamentos acerca da autoria de coreografias e dancinhas que rodam o mundo nas maiores plataformas de conteúdo.

A coreografia possui a devida guarida jurídica e está expressamente disposta na Lei de Direitos Autorais (9.610/98), no inciso IV do artigo 7º, que prevê que: "São obras intelectuais protegidas as criações do espírito, expressas por qualquer meio ou fixadas em qualquer suporte, tangível ou intangível, conhecido ou que se invente no futuro, tais como: (…) IV – as obras coreográficas e pantomímicas, cuja execução cênica se fixe por escrito ou por outra qualquer forma;".

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Coreografia do grupo portorriquenho Menudos foi febre no Brasil nos anos 1980
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Ou seja, não basta a criação por si só. A Lei prevê a necessidade de fixação dessa criação, como, por exemplo, em um vídeo (obra audiovisual) que contenha a reprodução dessa coreografia de forma original.

Vale ressaltar que o conceito de coreografia é a "arte de compor e arranjar movimentos e as figuras de danças e bailados, geralmente para acompanhar determinada peça de música ou para desenvolver um tema ou uma pantomima" [1].

Ainda, não podemos esquecer que tais criações (coreográficas ou pantomímicas), devem ser dotadas de originalidade para que façam jus a essa proteção. Em todo caso, havendo criação original e, esta, sendo fixada em algum meio tangível (por escrito, desenhos, em vídeo, etc.), o coreógrafo será titular da mais ampla proteção legal à sua coreografia, exatamente como o compositor de uma música, um pintor de um quadro ou um autor de um romance.

Em uma atividade coreográfica, não podemos esquecer do artista ou pessoa que a performa, ou seja, executa essa coreografia. Assim, caso haja uma captação audiovisual (filmagem) dessa performance, deve ser obtida, inclusive, autorização de uso de imagem do artista e de captação de performance artística, na qual ocorreu a performance dessa coreografia, de sua autoria ou não.

Nesse caso, estaríamos falando especificamente de direitos conexos atrelados à sua performance. Caso a pessoa que a executa tenha criado a coreografia em questão, ela poderá concomitantemente ser titular de direitos autorais (sobre a coreografia) e conexos (sobre a performance).

Acerca de casos concretos, algumas polêmicas surgiram recentemente sobre esse assunto. Em junho deste ano, o público acusou a artista Anitta de ter reproduzido passos de uma coreografia, que se tornou viral na internet no passado, em sua apresentação na final do campeonato de futebol europeu "Uefa Champions League 2023".

Além desse há um outro caso, ainda em curso, de uma ação judicial ajuizada pelo artista MC Bin Laden contra a gigante de games "EA Sports" (Electronic Arts Nederland B.v. e Electronic Arts Limited), criadora do jogo de futebol de videogame Fifa Soccer. O artista alega que a empresa multinacional teria utilizado, em algumas edições do referido jogo, a reprodução de coreografia de sua autoria, que presente no videoclipe da música Tá tranquilo, tá favorável, sem a sua prévia e expressa autorização e remuneração. Na ação judicial ele pleiteia uma indenização de R$ 120 mil a título de danos morais e materiais [2].

O referido processo foi suspenso em decorrência da instauração do Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas (Tema 45), na qual foi terminada a suspensão de todos os processos no estado de São Paulo que versem sobre a questão (direito de imagem  jogo eletrônico), por conta da existência de divergências internas no julgamento de demandas semelhantes. Após, o STJ determinou a suspensão de todos os processos pendentes, individuais ou coletivos que versem sobre a mesma questão (SUSPENSÃO EM INCIDENTE DE RESOLUÇÃO DE DEMANDAS REPETITIVAS Nº 79 – SP (2021/0206612-0). Com a referida decisão do STJ, a suspensão dos processos vai permanecer até que ocorra o trânsito em julgado do Incidente em São Paulo.

Já nos Estados Unidos, ocorreram diversos litígios entre criadores de coreografias e a empresa Epic Games, responsável pela criação de diversos jogos icônicos, como o Fortnite. Em suma, os criadores alegam que a empresa teria utilizado suas coreografias no referido jogo, sem o devido crédito, a sua prévia e expressa autorização e remuneração.

Ainda no país norte-americano, Jaquel Knight, o coreógrafo criador de icônicas coreografias como Single Ladies da Beyoncé e Wap de Cardi B e Megan Thee Stalion, conseguiu obter proteção dos passos da sua coreografia da primeira música, no Copyright Office do país, em 9 de julho de 2020.

Vale enfatizar que ele lançou uma renomada empresa no setor, a "Coreography and Music Publishing Inc". A sua principal missão é auxiliar profissionais a proteger os direitos autorais das suas coreografias com o objetivo final de licenciá-las posteriormente para utilização em publicidades, obras audiovisuais, jogos, NFTs e outras mídias [3].

A Lei americana ("The Copyright Act")  Título 17 do United States Code  prevê no seu [§102(a)(4)] a proteção para pantomimas e obras coreográficas, fixadas em meio tangível, de modo de modo a revelar os movimentos para permitir que o trabalho seja executado de forma uniforme e coerente [4].

Por fim, é possível notar que, tanto no Brasil quanto no exterior, houve uma preocupação do legislador em proteger as coreografias no seu ordenamento jurídico pátrio. Cada vez mais será imprescindível e vital que os autores entendam a relevância da valorização de suas criações, inclusive como forma de obter retorno financeiro e prestígio, através da formalização da proteção de suas criações e/ou posterior licença para que terceiros a explorem de forma regular e devida.

 

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Fontes

[1] Dicionário Michaelis (https://michaelis.uol.com.br/moderno-portugues/busca/portugues-brasileiro/coreografia/)

[2] BRASIL. Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo. Ação judicial nº 1007867-28.2022.8.26.0011.

[3] https://www.dancemagazine.com/jaquel-knight/. Acesso em 16 de junho de 2023.

[4] http://www.copyright.gov/circs/circ52.pdf

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