Processo Tributário

Transação tributária, possibilidade de rescisão e decisões do STF

Autores

  • Lucas Silva Flores

    é advogado pós-graduado em Direito Tributário pela FGV Law SP graduado em Direito pela UFBA e ex-aluno do curso de extensão de Processo Tributário Analítico do Ibet.

  • Camila Campos Vergueiro

    é advogada doutoranda pela Unimar mestre em Direito Tributário pela PUC-SP professora do Curso de Especialização do Ibet do programa de pós-graduação lato sensu da Fundação Getúlio Vargas (FGV Law) e do Complexo Educacional Damásio de Jesus professora e coordenadora do curso de extensão Processo Tributário Analítico do Ibet e coordenadora do grupo de estudos de Processo tributário analítico do Ibet.

23 de julho de 2023, 8h00

A transação em âmbito federal vem se tornando importante ferramenta de negociação que visa a facilitar o pagamento de dívidas fiscais, promover a recuperação de créditos públicos e combater litígios prolongados.

Há um consenso de que a transação promoveu avanços significativos na relação entre fisco e contribuinte, deixando no passado a perspectiva de que os interesses envolvidos se colocam em posição oposta, por permitir um diálogo mais intenso entre eles, proporcionar transparência e lealdade nessa relação [1].

Neste artigo, objetiva-se explorar o impacto de decisões do Supremo Tribunal Federal em face de acordos de transação já celebrados, especialmente em razão do entendimento manifestado nos julgamentos dos Recursos Extraordinários 949.297 [2] e 955.227 [3], que reconheceram o efeito erga omnes e prospectivo do entendimento em controle de constitucionalidade.

Em suma, as perguntas que se pretende responder no presente artigo são: em um cenário de jurisprudência oscilante e casuística, os termos da transação submetem-se a eventual decisão do Supremo Tribunal Federal que reconheça a invalidade de um tributo? Nessa hipótese (invalidade do tributo), o contribuinte pode deixar de arcar com o pagamento tal como posto no termo de transação?

Nesse contexto, é necessário ter em mente que, muito embora a transação tributária decorra de um ato de vontade das partes, o contribuinte, para viabilizar o acordo com a PGFN, deve dispensar, ao menos em parte (esse ponto será mais bem tratado na sequência) o seu direito de questionar a exigência tributária, determinando a lei federal a renúncia [4] ao direito de fundo da lide, presente e futuro.

Mas tomemos a hipótese sugerida na primeira questão adrede referida: o STF reconhece a posteriori a invalidade de uma determinada norma tributária, a qual foi objeto da renúncia para a formalização da transação. Seria possível identificar, nessa específica situação, a partir da decisão do STF, que vontade das partes firmada no termo de transação se mantém intacta? Quer nos parecer que não, pois, como muito bem aponta Carla Gonçalves [5]:

"(…) a confissão em relação ao montante do crédito tributário e a renúncia do direito de discutir a sua legalidade somente podem ser mantidas se houver também a manutenção das condições iniciais em que elas forma efetivas. Se a situação mudar, com a eliminação da presunção de legalidade da norma que embasava a obrigação originária, a pretensão para o reconhecimento dos vícios de legalidade derivado dos efeitos da decisão erga omnes não estará abrangida nos limites da renúncia."

Esse critério apontado como apto para avaliar o impacto da decisão do STF na renúncia exigida para concretização da transação, não é mera tergiversação doutrinária, ao contrário, ainda que sob a perspectiva do parcelamento, já foi enfrentado pelo STJ quando analisou o alcance da confissão de dívida no Recurso Especial nº 1.133.027 e os efeitos do pagamento de crédito prescrito em matéria tributária no agravo interno no agravo interno no agravo em recurso especial nº 1.343.161.

No primeiro julgado, o STJ firmou entendimento de que eventual confissão de dívida do contribuinte representa reconhecimento de fatos ocorridos e não do direito aplicável ao caso. Isso significa que a matéria jurídica pode ser objeto de controvérsia no poder judiciário caso se demonstre prejuízo ao ato originário [6].

Pautado nesse fundamento, no segundo julgado, o STJ reiterou sua posição no sentido de que crédito tributário prescrito não pode ser objeto de parcelamento, uma vez que, em matéria tributária, a prescrição macula a própria obrigação tributária porque faz ruir o vínculo jurídico entre fisco e contribuinte, diante do que dispõe o inciso V do artigo 156 do Código Tributário Nacional, e não somente a pretensão ao exercício do direito de ação como ocorre nas relações cíveis.

Do conjunto do que até aqui foi escrito, não se escapa à conclusão de que, havendo revisitação do contexto jurídico em que foi firmado o termo de transação por decisão do STF em controle de constitucionalidade é possível que seja reavaliado o acordo de transação pelo poder judiciário para afastar a partir dessa decisão o cumprimento de seus termos e, consequentemente, o dever de pagamento, bem como as demais cláusulas.

O que se está aqui a reconhecer é que a decisão de inconstitucionalidade do STF dotada de efeito erga omnes porque afasta a exigência do tributo, naturalmente, exclui qualquer obrigação assumida que tenha por base a mesma lei tributária declarada inconstitucional, incluída aí a transação.

Ainda que se refira a cumprimento de sentença que reconhece o dever de pagar quantia certa, o §12 do artigo 525 do CPC é porto seguro para justificar a inexigibilidade da obrigação posta no termo de transação cujo fundamento legal foi declarado inconstitucional pelo STF.

Mas não só por isso, parece-nos que após a manifestação do STF no sentido da cessação dos efeitos de coisa julgada formada em favor do contribuinte quando pronunciado entendimento distinto posterior, é plenamente cabível a conclusão de que os acordos de transação devem sofrer os impactos da decisão do STF.

 


[1] Sobre esse assunto, de forma mais aprofundada ver o seguinte artigo desta coluna: https://www.conjur.com.br/2022-jul-31/processo-tributario-transacao-contencioso-relevante-disseminada-controversia

[2] Tema 881 de Repercussão Geral, em que se analisou "Limites da coisa julgada em matéria tributária, notadamente diante de julgamento, em controle concentrado pelo Supremo Tribunal Federal, que declara a constitucionalidade de tributo anteriormente considerado inconstitucional, na via do controle incidental, por decisão transitada em julgado".

[3] Tema 885 de Repercussão Geral, em que se analisou: "Efeitos das decisões do Supremo Tribunal Federal em controle difuso de constitucionalidade sobre a coisa julgada formada nas relações tributárias de trato continuado".

[4] "Art. 3º A proposta de transação deverá expor os meios para a extinção dos créditos nela contemplados e estará condicionada, no mínimo, à assunção pelo devedor dos compromissos de:

(…)

V – renunciar a quaisquer alegações de direito, atuais ou futuras, sobre as quais se fundem ações judiciais, inclusive as coletivas, ou recursos que tenham por objeto os créditos incluídos na transação, por meio de requerimento de extinção do respectivo processo com resolução de mérito, nos termos da alínea c do inciso III do caput do art. 487 da Lei nº 13.105, de 16 de março de 2015 (Código de Processo Civil)."

[5] GONÇALVES, Carla de Lourdes. Rescisão da transação individual diante da declaração de inconstitucionalidade pelo STF. In: CONRADO, Paulo Cesar (coord.); ARAUJO, Juliana Furtado Costa (coord.). Transação Tributária na Prática da Lei n. 13.988/2020. 2 ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Thomson Reuters Brasil, 2022.

[6] Tema Repetitivo 375, STJ: "A confissão da dívida não inibe o questionamento judicial da obrigação tributária, no que se refere aos seus aspectos jurídicos. Quanto aos aspectos fáticos sobre os quais incide a norma tributária, a regra é que não se pode rever judicialmente a confissão de dívida efetuada com o escopo de obter parcelamento de débitos tributários. No entanto, como na situação presente, a matéria de fato constante de confissão de dívida pode ser invalidada quando ocorre defeito causador de nulidade do ato jurídico (v.g. erro, dolo, simulação e fraude)".

Autores

  • é advogado, pós-graduado em Direito Tributário pela FGV Law SP, graduado em Direito pela UFBA e ex-aluno do curso de extensão de Processo Tributário Analítico do Ibet.

  • é advogada, doutoranda pela Unimar, mestre em Direito Tributário pela PUC-SP, professora do curso de especialização do Instituto Brasileiro de Estudos Tributários (Ibet), do programa de pós-graduação lato sensu da Fundação Getúlio Vargas (FGV Law) e do Complexo Educacional Damásio de Jesus, professora e coordenadora do curso de extensão e do grupo de estudos Processo Tributário Analítico, do Ibet.

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