Opinião

Dissolução de sociedade e arbitragem

Autor

  • Raul Bergesch

    é advogado na área do Direito Empresarial especialista em proteção patrimonial sócio fundador do escritório Bergesch Martin Advogados membro do Instituto Brasileiro de Direito Empresarial (Ibrademp) e da Comissão de Direito Falimentar da OAB-RS Subseção de Novo Hamburgo.

18 de julho de 2023, 15h24

A arbitragem é uma técnica de solução de conflitos por meio da qual as partes definem, pela autonomia da vontade, de forma consciente e voluntária [1], que uma pessoa irá solucionar a controvérsia apresentada, sem a participação do Poder Judiciário, isto é, os conflitantes aceitam que a solução de seu litígio seja decidida por uma terceira pessoa, que irá proporcionar uma solução mais satisfatória para as partes.

Assim, convencionada a cláusula arbitral pelas partes, o árbitro se torna juiz de fato e de direito da causa, revelando-se como equivalente jurisdicional, de modo que terá os mesmos poderes do juiz togado, não sofrendo restrições na sua competência [2].

Nesse diapasão, surge o questionamento sobre a possibilidade de a arbitragem ter como objeto a dissolução de uma sociedade. Tanto a Lei de Arbitragem (Lei nº 9.307/1996) quanto a jurisprudência pacífica do Superior Tribunal de Justiça (STJ) são firmes no sentido de que, quando baseada em direitos disponíveis e em questões afetas à gestão empresarial, é válida a cláusula arbitral instituída em contrato social [3].

Nas palavras de Carlos Alberto Carmona, são arbitráveis, portanto, as causas que tratem de matérias a respeito das quais o Estado não crie reserva específica por conta do resguardo de interesses fundamentais da coletividade, e desde que as partes possam livremente dispor acerca do bem sobre que controvertem [4].

Logo, por se tratar de um direito disponível e relativo à gestão empresarial, a cláusula arbitral pode versar sobre a dissolução da sociedade. Dessa forma, ao estabelecer, no contrato social de uma sociedade, uma cláusula arbitral, na qual os conflitos afetos às questões societárias, que repercutem essencialmente no pacto social, estão sujeitos à análise do juízo arbitral. Nesse sentido, o STJ se manifestou:

Encontram-se, assim, submetidos à arbitragem todos os conflitos de interesses que se relacionam com a própria existência da sociedade e, como tal, produzam reflexos na consecução dos objetos sociais, na administração da sociedade e na gestão de seus negócios, e, ainda, no equilíbrio e na estabilidade das relações societárias [5].

A dissolução da sociedade repercute diretamente na gestão empresarial. Isso porque está relacionada à alteração do quadro societário, podendo ela ser total ou parcial. Na dissolução total, a sociedade é extinta. Por outro lado, na dissolução parcial, um ou alguns dos sócios saem da sociedade, mas ela é preservada e as suas atividades continuam. Nesse sentido, Marcelo Dias Gonçalves Vilela explica:

"(…) a arbitragem não é regra meramente procedimental, mas meio de solução de controvérsia  jurisdição convencional. Assim, apenas deverá ser utilizada na hipótese de surgir conflito na dissolução da sociedade, seja esta parcial ou total. O procedimento adotado para a dissolução parcial ou total de uma sociedade, em que haja consenso entre as partes, deverá ser aquele previsto no próprio estatuto ou contrato social ou, ainda supletivamente, na legislação que rege aquele determinado tipo de sociedade, ainda que com a ajuda (auxílio) de um arbitrador sem função jurisdicional para a avaliação do ativo e do passivo, por exemplo. Havendo conflito, até que proferida a sentença arbitral e passada em julgado a decisão dos árbitros, a sociedade tem como inegável a sua existência e personalidade jurídica. E, portanto, seus atos constitutivos, dos quais consta a cláusula compromissória, hão de ter eficácia também quanto aos conflitos que envolvem a dissolução da sociedade." [6]

Ressalta-se, ainda, que, desde que respeitado o quórum para a sua inserção no contrato social, a cláusula arbitral sujeita-se a toda a sociedade e a todos os sócios, atuais e futuros, tenham estes concordado ou não com tal disposição, na medida em que a vinculação dos sócios ao conjunto de normas societárias (em especial, do contrato social) dá-se de modo unitário e preponderante sobre a vontade individual eventualmente dissonante [7]. Ademais, para o STJ (Superior Tribunal de Justiça), também se aplica aos ausentes, nas palavras de Raquel Stein:

"A extensão subjetiva da cláusula deve se dar tanto aos sócios que ingressam posteriormente à inclusão dessa previsão no contrato⁄estatuto social, como àqueles que estavam ausentes ou votaram contra essa disposição, mas restaram vencidos, em deliberação social." [8]

No tocante aos novos sócios, a sujeição à arbitragem se justifica porque estes aderem por total os termos do contrato social. Logo, havendo previsão de uma cláusula arbitral, por anuência tácita, a arbitragem também será aplicada a eles.

"(…) o novo acionista adere por total aos termos do contrato/estatuto social, não sendo necessária a assinatura em uma ou outra cláusula expressamente, inclusive a relativa ao modo de solução do conflito. Haverá, neste caso, anuência tácita do adquirente com a previsão de arbitragem." [9]

Dessa forma, conclui-se que, por se tratar de um direito disponível e de gestão empresarial, a cláusula arbitral pode versar sobre a dissolução da sociedade, seja ela total ou parcial, de modo a sujeitar toda a sociedade e todos os sócios, sejam estes atuais, futuros, presentes e ausentes.

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Referências bibliográficas:
CAHALI, Francisco José. Curso de Arbitragem. 5ª ed. Ed. Revista, dos Tribunais, São Paulo, 2015, p. 427.

CARMONA, Carlos Alberto. Arbitragem e processo  Um comentário à Lei 9.307/96. 3º ed. São Paulo: Atlas, 2009. p. 39.

CAVALCANTE, Márcio André Lopes. Critérios para a apuração de haveres do sócio retirante. Buscador Dizer o Direito, Manaus. Disponível em: <https://www.buscadordizerodireito.com.br/jurisprudencia/detalhes/c59b469d724f7919b7d35514184fdc0f>. Acesso em: 01/07/2023.

STJ. AgInt no Agravo em Recurso Especial nº 1.163.215/. Relator: ministro Marco Aurélio Bellizze. Julgado em: 16/02/2018.

STJ. MS 11.308/DF. Primeira Seção. Relator: ministro Luiz Fux. Julgado em 09/04/2008.

STJ. REsp nº 1.727.979/MG. Terceira Turma. Relator: ministro Marco Aurélio Bellizze. Julgado em 12/06/18.

STEIN, Raquel. Arbitralidade no Direito Societário. Rio de Janeiro. Renovar. 2014. p. 141-150.

VILELA, Marcelo Dias Gonçalves. Arbitragem no Direito Societário. Editora Mandamentos. Belo Horizonte. 2004. p. 217-218.

https://ber.adv.br/

https://raulbergesch.com.br/

 


[1] STJ. REsp nº 1.727.979/MG. Terceira Turma. Relator: ministro Marco Aurélio Bellizze. Julgado em 12/06/18.

[2] STJ. MS 11.308/DF. Primeira Seção. Relator: ministro Luiz Fux. Julgado em 09/04/2008.

[3] STJ. AgInt no Agravo em Recurso Especial nº 1.163.215/. Relator: ministro Marco Aurélio Bellizze. Julgado em: 16/02/2018.

[4] CARMONA, Carlos Alberto. Arbitragem e processo – Um comentário à Lei 9.307/96. 3º ed. São Paulo: Atlas, 2009. p. 39.

[5] STJ. REsp nº 1.727.979/MG. Terceira Turma. Relator: ministro Marco Aurélio Bellizze. Julgado em 12/06/18.

[6] VILELA, Marcelo Dias Gonçalves. Arbitragem no Direito Societário. Editora Mandamentos. Belo Horizonte. 2004. p. 217-218

[7] STJ. REsp nº 1.727.979/MG. Terceira Turma. Relator: ministro Marco Aurélio Bellizze. Julgado em 12/06/18.

[8] Idem e STEIN, Raquel. Arbitralidade no Direito Societário. Rio de Janeiro. Renovar. 2014. p. 141-150.

[9] CAHALI, Francisco José. Curso de Arbitragem. 5ª ed. Ed. Revista, dos Tribunais, São Paulo, 2015, p. 427.

Autores

  • é advogado na área do Direito Empresarial, especialista em proteção patrimonial, sócio-fundador do escritório Bergesch Advogados, mentor de advogados e membro do Instituto Brasileiro de Direito Empresarial (Ibrademp) e da Comissão de Direito Falimentar da OAB-RS, subseção de Novo Hamburgo.

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