Opinião

Substituto tributário que responde por tributo não retido e não pago no período

Autores

  • Janssen Murayama

    é sócio fundador de Murayama & Affonso Ferreira Advogados graduado em Direito e Ciências Contábeis pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj) pós-graduado em Direito Tributário pelo Instituto Brasileiro de Estudos Tributários (Ibet) e mestre em Direito Tributário pela Uerj membro efetivo da Comissão de Direito Financeiro e Tributário do Instituto dos Advogados Brasileiros (IAB) fundador e conselheiro do Grupo de Debates Tributários do Rio de Janeiro (GDT-Rio).

  • Mariana Valença

    é advogada em Murayama & Affonso Ferreira Advogados graduada em Direito pelo Ibmec com LL.M. em Direito Tributário pela Fundação Getúlio Vargas.

13 de julho de 2023, 11h17

O ponto central deste artigo envolve a possibilidade de o substituto tributário responder por tributos não retidos e não pagos no período, em razão de decisões liminares proferidas em processos ajuizados pelos substituídos  afastando a cobrança do tributo e, por conseguinte, o então vigente regime de substituição tributária , as quais foram posteriormente revogadas.

Isso porque os entes federados vêm autuando os contribuintes substitutos sob o fundamento de que o substituído não participa da relação jurídica com o fisco, cabendo ao substituto o pagamento do imposto, por força de lei, independentemente de decisão judicial determinando o contrário.

O presente estudo visa demonstrar que não há que se falar na legitimidade passiva do substituto nesses casos.

Inicialmente, se faz necessário diferenciar a pessoa do contribuinte e a pessoa do responsável tributário.

Contribuinte é aquele que tem relação direta e pessoal com o fato gerador, nos termos do artigo 121, parágrafo único, I, do CTN [1], ou seja, aquele que de fato pratica a conduta que enseja o pagamento do tributo.

Por sua vez, o responsável tributário é aquele que, apesar de não ter praticado o fato gerador, será o responsável pelo seu pagamento em razão de disposição expressa em lei, conforme preceitua o artigo 128, do CTN [2].

Assim, na substituição tributária, a título de exemplo, o vendedor da mercadoria (substituto) recolhe não apenas o tributo por ele devido, mas também o tributo que deverá incidir sobre as operações seguintes, a serem realizadas pelos chamados substituídos.

Caso o substituto tributário deixe de reter ou recolher o tributo, por dolo ou culpa, responderá pelo seu pagamento, não havendo discussão quanto à sua legitimidade para figurar no polo passiva da cobrança, assumindo a posição de devedor principal pelo fato de ter descumprido a norma legal que lhe impunha a retenção e recolhimento do tributo.

Todavia, a hipótese em que se discute no presente artigo é diferente da relatada acima: analisaremos a possibilidade de o substituto tributário suportar os efeitos da revogação da tutela concedida em processo ajuizado pelo substituído, a qual havia determinado que o substituído seria o responsável tributário pelo recolhimento do tributo, afastando a responsabilidade do substituto.

Em outras palavras, sendo a legitimidade ativa dos substituídos reconhecida pelo Judiciário e somando-se ao deferimento da liminar, a sujeição passiva migrou do substituto para o substituído, não sobrando ao substituto qualquer dever jurídico, a não ser o de se abster de reter o tributo nas respectivas operações.

Assim, não nos parece razoável que o substituto tributário, notificado da concessão da tutela antecipada em favor do substituído, a qual determinou judicialmente que deixasse de reter e recolher o tributo, posteriormente seja o responsável pelo pagamento, figurando no polo passivo da cobrança, na medida em que, após a determinação judicial, o substituído se tornou o verdadeiro responsável pelo recolhimento.

Nesse sentido, tendo a decisão judicial afastando a substituição tributária, a revogação da tutela antecipada não deve produzir efeitos retroativos, sob pena de se possibilitar o enriquecimento sem causa do substituído beneficiado por tal decisão, especialmente se considerarmos que o substituto tributário não atuou como parte nem como interessado na ação judicial.

Além disso, entender ao contrário acarretaria em clara violação ao princípio da segurança jurídica, disposto no artigo 5º, XXXVI, da CF/88 [3].

Nesse sentido, o Superior Tribunal de Justiça (STJ), no julgamento do AREsp nº 1.434.492/RJ, reafirmou a sua jurisprudência firmada pela 1ª Seção nos autos do REsp 1.090.414/RS [4] assentando que "os provimentos judiciais liminares deferidos e mais tarde revogados em demandas propostas pelo substituído tributário não obrigam o substituto, pois não foi este quem se beneficiou da medida judicial" [5].

Assim, o substituto tributário somente poderia ser cobrado pelo crédito tributário que deixou de reter e recolher no caso de comprovadamente ter agido com culpa ou dolo, o que não se figura quando se está cumprindo uma decisão judicial que determinou especificamente a não retenção e o consequente não recolhimento, afastando a sua responsabilidade.

Entender ao contrário significa promover o enriquecimento sem causa do substituído, verdadeiro beneficiário das decisões judiciais, em clara violação ao princípio da capacidade contributiva.

Isso porque, na sistemática da substituição tributária, em observância à capacidade contributiva, o substituto tributário, apesar de ser o responsável pela retenção e pelo recolhimento do tributo, deve repassar o ônus do tributo recolhido antecipadamente ao verdadeiro contribuinte, que é o substituído tributário.

Diante das considerações acima, não parece razoável que o substituto tributário seja legítimo para figurar no polo passivo de uma cobrança de crédito tributário, nos casos em que a não retenção e o não recolhimento do tributo se deram exclusivamente em razão de decisões judiciais favoráveis aos substituídos, posteriormente reformadas, sob pena de violação aos princípios da segurança jurídica e da capacidade contributiva.

 


[1] "Artigo 121. Sujeito passivo da obrigação principal é a pessoa obrigada ao pagamento de tributo ou penalidade pecuniária.

 Parágrafo único. O sujeito passivo da obrigação principal diz-se:

I – contribuinte, quando tenha relação pessoal e direta com a situação que constitua o respectivo fato gerador;".

[2] "Artigo 128. Sem prejuízo do disposto neste capítulo, a lei pode atribuir de modo expresso a responsabilidade pelo crédito tributário a terceira pessoa, vinculada ao fato gerador da respectiva obrigação, excluindo a responsabilidade do contribuinte ou atribuindo-a a este em caráter supletivo do cumprimento total ou parcial da referida obrigação".

[3] "Artigo 5º. (…)

XXXVI – a lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada;".

[4] "TRIBUTÁRIO. ICMS. SUBSTITUIÇÃO TRIBUTÁRIA. IMPOSTO NÃO RECOLHIDO PELO SUBSTITUTO POR FORÇA DE SENTENÇA JUDICIAL IMPEDITIVA EM AÇÃO MANDAMENTAL MOVIDA PELO SUBSTITUÍDO. COBRANÇA DO SUBSTITUTO. INVIABILIDADE.

1. O substituto que deixe de apurar e recolher o ICMS por força de decisão mandamental favorável ao substituído não responderá pelo tributo, quando não caracterizada culpa ou dolo. Precedente: (REsp 1028716/RS, relator ministro BENEDITO GONÇALVES, DJe 03/05/2010).

2. In casu, o recorrido-substituto deixou de recolher o ICMS na sistemática da substituição tributária por conta decisão liminar proferida em ação movida pelo substituído. Posteriormente, a sentença foi reformada pelo Tribunal, e o Fisco passou a cobrar o tributo do recorrido-substituto.

3. A e. Segunda Turma, em hipótese análoga, firmou entendimento nos seguintes termos, verbis:

2. No Direito Tributário brasileiro, nos termos dos artigos 121 e 128 do CTN, sujeito passivo é contribuinte ou responsável.

3. O contribuinte tem relação pessoal e direta com o fato gerador e, como regra, responde diretamente pelo ônus da tributação, em atenção ao princípio da capacidade contributiva.

4. Na sistemática da substituição tributária, o substituto apura e recolhe o ICMS que incidirá na operação futura a ser realizada pelo substituído. É este último, como contribuinte, que deve suportar diretamente o ônus do tributo, ainda que o repasse ao consumidor final, por se tratar de imposto indireto.

5. Caso o substituto deixe de apurar e recolher o ICMS por culpa ou dolo, responderá pelo tributo, pois descumpriu a obrigação legal correspondente, mantendo-se como sujeito passivo.

6. Inviável exigir do recorrido-substituto o ICMS não recolhido, se inexistiu culpa ou dolo. Ao contrário, respeitou-se determinação judicial para não apurar e recolher o tributo. Em caso de cobrança, seria impossível ao responsável repassar o ônus do tributo ao substituído-contribuinte.

7. Entender de maneira diversa seria subverter o disposto nos artigos 121 e 128 do CTN, interpretados à luz do princípio da capacidade contributiva, para exonerar o contribuinte e onerar exclusivamente o responsável tributário, um despropósito e uma injustiça.

8. Recurso Especial não provido. (Resp. 887585/RS, relator ministro Herman Benjamin, DJ. 13.03.2009).

4. Recurso especial a que se nega provimento, nos termos da uniforme jurisprudência desta E. Corte".

(REsp nº 1.090.414/RS, relator ministro Luiz Fux, Primeira Seção, julgado em 23/2/2011, DJe de 11/5/2011).

[5] No mesmo sentindo do STJ, também é o entendimento do TRF2, em diversos julgados acerca da matéria:

Apelação nº 0510410-42.2010.4.02.5101 – relatora Claudia Neiva, 3ª Turma, DJ. 10.03.2022;

Apelação nº 0502277-11.2010.4.02.5101 – relator Marcus Abraham, 3ª Turma, DJ. 21.05.2019;

Apelação nº 0507482-21.2010.4.02.5101– relator Marcus Abraham, 3ª Turma, DJ. 12.09.2018;

Apelação nº 0008248-05.2008.4.02.5101 – relator Theophilo Miguel, 3º Turma, DJ. 26.06.2018;

Apelação nº 0502281-48.2010.4.02.5101 – relator Ferreira Neves, 4ª Turma, DJ. 04.12.2019; e

Apelação nº 0521182-40.2005.4.02.5101 – relator Juiz Convocado Mauro Luís Rocha Lopes, DJ. 17.01.2017.

Autores

  • é sócio fundador de Murayama & Affonso Ferreira Advogados, graduado em Direito e Ciências Contábeis pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj), pós-graduado em Direito Tributário, pelo Instituto Brasileiro de Estudos Tributários (Ibet) e mestre em Direito Tributário pela Uerj, membro efetivo da Comissão de Direito Financeiro e Tributário do Instituto dos Advogados Brasileiros (IAB) e fundador e conselheiro do Grupo de Debates Tributários do Rio de Janeiro (GDT-Rio), além de autor e coordenador de livros e artigos científico-tributários e professor convidado do FGV Law Program.

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