Opinião

O (não?) vínculo do Uber: a ordem do dia é investir em trabalhabilidade

Autor

  • Andressa Munaro Alves

    é doutoranda e mestre em Direito pela PUC-RS bolsista Capes. Especialista em Direito do Trabalho e Previdenciário pela Escola Superior Verbo Jurídico Educacional. Professora na pós-graduação em Direito e Processo do Trabalho e da Pós-graduação em Direito Previdenciário da PUC-RS. Professora no Programa de Graduação em Direito nas Faculdades Integradas São Judas Tadeu. Advogada.

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7 de julho de 2023, 15h19

Finalmente, o Tribunal Superior do Trabalho (TST), por meio de seu ministro Aloysio Silva Corrêa da Veiga, admitiu o recurso extraordinário acerca do debate de vínculo (ou não) de emprego entre o motorista uberizado e a respectiva empresa. Esse ato remete à mais alta corte do país (STF) a apreciação do aclamado empasse.

Os trabalhistas de plantão há muito esperam essa resposta, tanto pela vivaz da academia e seus infinitos debates sobre o tema quanto pela própria seriedade do caso concreto que, como todo dilema sem resposta, urge por uma pá de cal que, aguarda-se, seja definitivamente dada.

O fato é que, embora as turmas do TST já tenham divergido sob o assunto — vez que enquanto algumas entendem pela existência do vínculo de emprego, outras não visualizam os requisitos apregoados pelo artigo 3º do diploma dos trabalhadores para, enfim, configurar a dita relação, preliminar à qualquer ilação —, é preciso analisar o contexto que qualquer decisão pode ocasionar, pois, evidentemente, positiva ou negativamente, existirão impactos.

Em sendo reconhecido o vínculo — ou seja: se entenderem os ministros a existência do preenchimento dos requisitos que as relações de emprego disciplinam —, talvez a famigerada empresa não mais atue no país, principalmente porque, se levado à cabo o que compreende uma relação de emprego, os encargos, deveres, obrigações, etc., tende a tornar-se onerosa demais esta continuidade. E não só. Não é de se duvidar que alguns (agora empregados) também abandonem a profissão, justamente por terem a ela se vinculado pela liberdade em exercê-la — pelo menos até o presente momento.

Outrossim, em não sendo reconhecido o vínculo de emprego, exige-se uma atenção especial sob dois prismas. Ao primeiro, sob qual justiça deve-se discutir eventuais contendas? E ao segundo, de que forma salvaguardar (boas) condições de trabalho diante desta relação autônoma existente?

Quanto ao primeiro ângulo, esta articulista não tem nenhuma dúvida de que o embrolho é de competência da Justiça do Trabalho. O artigo 114º da Constituição Cidadã, desde a Emenda Constitucional 45º, é cristalino ao dispor que compete à Justiça do Trabalho processar e julgar relações de trabalho, não apenas relações de emprego, portanto, inconteste tal prerrogativa. Não obstante, não se pode ignorar o fato de que o motorista uberizado pode, por vezes, embora autônomo, encontrar-se em situação de vulnerabilidade, por qualquer razão que seja. Por isso, é chegada a hora de se falar em uma terceira via.

Em 2020, em atenção as novas formas de trabalho, a deputada Tabata do Amaral, de forma brilhante, sugere Projeto de Lei de n° 3.748/2020 [1], instituindo o trabalho sob demanda. No referido, verificam-se rudimentos que no futuro começarão a ser discutidos, questões como: a plataforma garantir direitos mínimos (benefícios e liberdade para o trabalho), não necessariamente atreladas ao vínculo empregatício, mas umbilicalmente alinhados com o que a Carta brasileira entende como princípio balizador destas relações — o valor social do trabalho.

Mas como garantir anteparo, de forma mínima — se é que existe um mínimo a ser garantido —, dentro de uma terceira via, que nem mesmo se tem pacificada? Evitando tautologias, e buscando contribuir a um futuro positivo, sugere-se que estas empresas plataformizadas lancem luzes ao investimento em trabalhabilidade destes laboradores. E explica-se o porquê:

De imediato, cumpre explicar ao leitor, o que é trabalhabilidade? Possuir trabalhabilidade é [2]:

“readaptar-se constantemente ao cenário laboral através de seus próprios predicados; é um trabalhador que se vale de sua própria vocação para o exercício de sua lida; alguém capaz de ressignificar durante todos os dias de sua vida a prática de seu trabalho, proporcionando para si (e para a sociedade) novas e melhores formas de atingir metas e resultados em toda e qualquer atividade. Ou seja, possuir trabalhabilidade é transbordar o que há de melhor através do exercício laborativo, desprovendo-se de rótulos previamente enlaçados, vez que, aos possuidores de tal virtude, a realização laboriosa fundar-se-á em um incessante descobrir novos (e melhores) caminhos a serem navegados.”

Pois bem. Dito isso, uma terceira via, nesses casos, estaria atrelada ao investimento em capacitação constante, vez que o sujeito uberizado pode, no futuro, não mais estar na lida plataformizada mas, se readaptado pelo investimento feito em suas skills, certamente mais preparado para novel atividade. Além disso, em se tornando uma preocupação (concreta) da mencionada plataforma — e tantas outras —, entende-se que a sociedade igualmente seria tocada por essa onda de trabalhabilidade, haja vista o clima auspicioso para clientes, trabalhadores e mercado.

A bem da verdade, falar em terceira via é deveras complexo, ainda mais quando se considera o diploma brasileiro dos trabalhadores e sua concepção nos idos de um cenário industrial em que o emprego era a meta de vida daqueles que iniciavam a sua vida laboral. Mas o mundo mudou e isso não pode ser desconsiderado. Urgente, portanto, não apenas reconhecer os direitos oriundos de uma relação empregatícia, mas reconhecer que investir em trabalhabilidade pode se tornar uma terceira via fértil, não apenas ao trabalhador, mas ao cenário social ao que se vincula.

É claro que não se pode fugir do enfrentamento da presente questão, seja porque há muito se discute tal celeuma jurídico, seja porque os próprios trabalhadores uberizados, ao fim e ao cabo, não sabem sob qual justiça devem, eventualmente, suscitar suas questões. Mas, como dito, existem infinitas outras situações que (também) bordeiam essa peleia, e que não podem ser ignoradas.

Seja como for, a sorte está lançada e em breve o cenário jurídico obterá a tão aguardada resposta do vínculo (ou não) dessa sui generis relação. Aqui ficam os votos de quem espera que, independentemente do resultado, a trabalhabilidade seja preservada — na sua maior forma de aplicabilidade. Aguardemos.

 


[1] BRASIL. Câmara dos Deputados. Projeto Lei n° 3.748/2020. “Institui e dispõe sobre o regime de trabalho sob demanda”. Disponível em: https://www.camara.leg.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=2257468. Acesso em: 19 jun. 2023.

[2] ALVES, Andressa Munaro. A Trabalhabilidade como direito social fundamental: O critério da ponderação como alternativa à sua realização. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2023. p. 139.

Autores

  • é doutoranda e mestre em Direito pela PUC-RS, bolsista Capes. Especialista em Direito do Trabalho e Previdenciário pela Escola Superior Verbo Jurídico Educacional. Professora na pós-graduação em Direito e Processo do Trabalho e da Pós-graduação em Direito Previdenciário da PUC-RS. Professora no Programa de Graduação em Direito nas Faculdades Integradas São Judas Tadeu. Advogada.

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