Opinião

Valores próprios para contratações de grande vulto: inovação da Lei de MT

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7 de julho de 2023, 16h25

Mato Grosso promulgou a Lei Estadual nº 12.148, em 15 de junho de 2023, estabelecendo que, no âmbito estadual, para os fins da Lei Federal nº 14.133, de 1º de abril de 2021, considera-se como de grande vulto a contratação de obras, serviços e fornecimentos cujo valor estimado supera R$ 50 milhões.

Como é cediço, a União, no uso de sua competência constitucional para o estabelecimento de normas gerais de licitação e contratos (artigo 22, XXVII, da CF), editou a Lei nº 14.133/2021 e fixou parâmetros a serem aplicados para as contratações consideradas de grande vulto.

Ocorre que, ainda que não seja prontamente evidente, ao fixar o valor para contratações de grande vulto como sendo mais de R$ 200 milhões, o legislador levou em consideração o contexto da União, que tem um orçamento consideravelmente maior do que os demais entes.

Em 2021, uma obra de grande vulto para a União corresponderia a apenas 0,005% do seu orçamento anual [1]. Para Mato Grosso, no mesmo ano, uma obra de grande vulto (com o valor da Lei nº 14.133/2021) corresponderia a aproximadamente 0,76% do orçamento anual.

Notadamente, aplicar essa norma para todos os entes federativos tem o potencial de gerar distorções indesejadas, uma vez que, a depender do porte do ente, é possível que nenhuma contratação seja enquadrada como de grande vulto. Dessa maneira, pode-se entender que o valor estabelecido na Lei nº 14.133/2021 representou uma norma específica para a União, que não impede o estabelecimento de valores específicos pelos Estados e Municípios.

O parâmetro para identificar se determinada norma permite normatização em sentido diferente pelos entes federados passa, necessariamente, por analisar a finalidade do conceito trazido pela norma. A aferição de sua constitucionalidade envolve, portanto, entender as consequências da alteração.

Nesse aspecto, é preciso diferenciar a alteração realizada pelo estado de Mato Grosso, das alterações, frequentes sob a égide da Lei 8.666/93, em entes federados atualizavam o valor da dispensa de licitação, tendo em vista a mora da União em atualizar os limites de dispensa trazidas pelo ordenamento anterior.

A jurisprudência [2] entendeu que a atualização dos valores, pelos entes federativos, é inconstitucional por invasão de competência da União em legislar sobre o tema. É preciso ressaltar que a norma declarada inconstitucional, acabava por permitir uma ampliação interpretativa em norma excepcional (dispensa de licitação), que necessita ter sua interpretação realizada de forma restritiva.

Não obstante, este não é o caso da adaptação do valor de grande vulto, que traz efeitos benéficos, não negativos.

Em primeiro lugar, a contratação de grande vulto necessariamente contempla uma matriz de alocação de riscos, nos termos do artigo 22, §3º, da Lei nº 14.133/2021. Na maioria dos demais contratos, por outro lado, ela é facultativa. Nesse sentido, tem-se uma segurança maior acerca dos riscos contratuais e as responsabilidades das partes.

Além disso, as contratações de grande vulto também devem prever a obrigatoriedade de implantação de programa de integridade pelo licitante vencedor, no prazo de seis meses, de acordo com o artigo 25, §4º, da Lei nº 14.133/2021. Com isso, o contratado terá um fortalecimento institucional que corresponderá a mais segurança na organização interna e na capacidade de execução do objeto do contrato.

O terceiro efeito benéfico é que, em contratações de grande vulto, é possível exigir a prestação de garantia, na modalidade seguro-garantia, com cláusula de retomada e em percentual equivalente a até 30% do valor inicial contratado, segundo o artigo 99 da Lei nº 14.133/2021. Ou seja, tem-se uma garantia ainda maior para a Administração Pública em relação ao cumprimento das obrigações contratuais.

De rigor ressaltar que os dois primeiros efeitos benéficos, possuem aplicação facultativa em contratações não consideradas de grande vulto, nos termos da Lei 14.133/2021, de forma que qualquer ente federado pode, em seu regulamento, impor a obrigatoriedade de elaboração da matriz de risco ou programa de integridade.

Todavia, o seguro-garantia com cláusula de retomada somente é alcançado para obras abaixo de R$ 200 milhões através de modificação legislativa do valor de referência para contratações de grande vulto. Impende ressaltar que a cláusula de retomada é uma das grandes inovações da nova Lei de Licitações e Contratos, que traz o intuito de reduzir o excessivo numero de obras paralisadas espalhadas pelo Brasil.

Todos esses pontos aplicáveis à contratação de grande vulto tornam a adaptação do valor para a realidade estadual uma grande vantagem para a administração pública, que terá mais segurança em seus contratos.

Dessa maneira, o valor próprio para contratações de grande vulto estabelecido para o estado de Mato Grosso pretende corrigir distorções que seriam geradas pela aplicação de uma norma de natureza federal, pensada para o contexto da União.

 


[1] NUNES, Sandro Luiz. A definição do valor das obras de grande vulto por regulamentos municipais aplicação dos princípios da razoabilidade e proporcionalidade, Zênite Fácil, categoria Doutrina, 05 nov. 2021. Disponível em: http://www.zenitefacil.com.br. Acesso em 16. jun. 2023.

[2] TJ-MT. Órgão Especial, ADI nº 1005837-70.2022.8.11.0000. Desembargador relator Jose Zuquim Nogueira, j. 20/10/2022.

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