Opinião

Alguns colonizadores ainda buscam caravelizar nossa advocacia

Autores

  • Alvaro de Azevedo Gonzaga

    é advogado livre-docente e professor de Direito na PUC-SP. Visiting Scholar no IGC da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra. Pós-doutor em Direito na Universidade Clássica de Lisboa pós-doutor na Universidade de Coimbra. Professor e coordenador do pós-graduação em direito Antidiscriminatório da UniDomBosco/Meu Curso.

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  • Marco Antônio Araújo Junior

    é advogado doutorando em Direito pela PUC-SP. Professor e cofundador do Meu Curso Educacional. Especialista em Direito das Novas Tecnologias pela Universidade Complutense de Madrid. Foi conselheiro seccional da OAB-SP de 2013 a 2018; presidente da Comissão de Defesa do Consumidor da OAB-SP de 2013 a 2018 e membro da Comissão Nacional de Defesa do Consumidor do Conselho Federal da OAB de 2013 a 2018 e de 2023 até o presente momento.

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6 de julho de 2023, 9h17

No último dia 3 de julho, foi publicada a Lei 14.612/2023. A partir de agora, assédio moral, assédio sexual e discriminação foram incluídos na lista de infrações ético-disciplinares previstas na conduta dos profissionais sujeitos ao Estatuto da Advocacia, com possibilidade de aplicação de penalidade disciplinar pela OAB (Ordem dos Advogados do Brasil) de suspensão.

Em tempos de inafiançabilidade de injúria racial, a inclusão destas infrações no rol do artigo 34 do EOAB, consubstanciam uma mudança sensível de mentalidade no regramento ético profissional.

Uma lei que nasce com o projeto 1852/2023, das mãos da Comissão Nacional da Mulher Advogada do Conselho Federal da OAB (CNMA); mas que não protege somente as mulheres, uma vez que luta contra a discriminação religiosa, bem como a discriminação contra negros e indígenas na atividade advocatícia e é abarcada pelo novo dispositivo legal em questão.

É preciso inventariar esse projeto, plurimanual, com ricas e importantes participações no trâmite de aprovação. Evidentemente aqui incorremos no risco de não citar todos os nomes daqueles que participaram direta, ou indiretamente, na construção da lei, mas o faremos somente com o objetivo de rememorar algumas das tantas brilhantes mãos que esculpiram esse importante dispositivo legal.

O projeto foi oriundo da Comissão capitaneada pelas advogadas e conselheiras federais doutoras Cristiane Damaceno e Rejane Silva Sánches. Teve como relator, no Conselho Federal, o doutor Carlos José Santos da Silva (Cajé), conselheiro federal pela OAB-SP. Ganhou força e forma quando a deputada Federal Laura Carneiro (PSD-RJ) encaminhou o projeto para tramitação interna na Câmara , contando com importantes diálogos do presidente nacional da OAB, Beto Simonetti, conjuntamente com o decano do Conselho Federal, Felipe Sarmento (OAB-AP).

Com a mediação de diversos conselheiros federais, dentre eles Marcos Meró Jr. (OAB-AL), foram estabelecidos diálogos com as duas casas legislativas e tivemos rapidamente o projeto aprovado.

Aguerridos, conselheiros federais buscaram, e conseguiram, uma forma célere de garantir proteção a advogadas e advogados, vítimas sistemáticas de ataques em uma sociedade patriarcal e discriminadora.

Quando cremos que seria uma semana de exclusiva festa para a advocacia brasileira, com a sanção presidencial do projeto de lei,  somos surpreendidos por uma decisão unilateral daqueles que um dia fomos colônia e hoje somos parceiro de agir. Foi revogado o acordo de reciprocidade de atuação de advogado inscrito na Ordem Portuguesa e de advogado inscrito na Ordem Brasileira.

No mesmo dia da conquista da lei contra o assédio, o Conselho Geral da Ordem dos Advogados (CGOA) da Ordem dos Advogados Portugueses (OAP) reuniu-se e apontou que existem questões insuperáveis para a manutenção do convênio que existe há anos. Em resumo, apontam que as alterações legislativas dos últimos anos, bem como a integração de normativas da União Europeia, criam um ambiente antinômico e anacrônico entre nossos países no campo da advocacia.

Além disso, apontam para os sistemas de utilização de plataformas distintas em cada país, e por fim, citam queixas expostas junto a Ordem Portuguesa que inviabilizariam a manutenção do acordo de reciprocidade, queixas essas sem nenhum nível de detalhamento que pudesse sustentar o ato unilateral. 

Com isso, o Conselho Geral da Ordem Portuguesa, deliberou, por unanimidade dos presentes: "fazer cessar o regime de reciprocidade de inscrição de advgados(as) atualmente em vigor, com efeito a partir de 5 de julho de 2023".

Data máxima vênia aos ínclitos membros do conselho, mas se o advogado brasileiro pode peticionar em todo o território nacional, com direito a pedido de inscrição suplementar, e experimenta plataformas processuais das mais diversas tecnologias, cada qual com seu nível de dificuldade, sem nunca apontar um problema que impedisse o exercício da advocacia nesse particular, pouco provável que o entrave fosse esse.

Oportuno dizer que com relação as leis os advogados brasileiros não só devem enfrentar leis dos dois países, mas sim o advogado brasileiro enfrenta e estuda leis federais, estaduais e municipais, e deste modo tem habitualidade nessas muitas normas que se apresentam, e portanto, não gera o suposto anacronismo sistêmico ora apontado.

Mas ainda assim, supondo que busquem manter tal argumento, não podemos nos furtar que nosso sistema jurídico é inspirado no sistema coimbrano, não só de ensino, mas de estruturação normativa, e isso não é somente esses autores que sustentam, mas renomados juristas luso-brasileiros. E isso acontece com os ordenamentos jurídicos contemporâneos, tal qual os vigentes códigos de processo civil, ambos em debates francos entre Brasil e Portugal, publicados próximo do mesmo período, e com os nossos Estatuto da OAB e Código deontológico do Advogado português, ambos da mesma década.

As palavras do presidente nacional da OAB, Beto Simonetti, nos parece precisa:

"(…)A mentalidade colonial já foi derrotada e só encontra lugar nos livros de história, não mais no dia a dia das duas nações.
A cooperação e amizade entre Brasil e Portugal, inclusive na advocacia, têm resultado em inúmeros benefícios para ambos os países e, sobretudo, para suas cidadãs e cidadãos. A OAB acredita que o diálogo respeitoso, fundamentado na igualdade entre as nações, é o caminho para o equacionamento de qualquer discordância momentânea. A prioridade da OAB é a defesa e o fortalecimento das prerrogativas profissionais, não importa onde tenha que atuar para assegurá-las." [1]

Enfim, mais um episodio na história da advocacia brasileira; de um lado a vitória inesgotável de elogios à lei recém aprovada, de outro, mais uma luta, que como sempre, a advocacia brasileira não se quedará inerte.

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  • é advogado, livre-docente e professor de Direito na PUC-SP. Visiting Scholar no IGC da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra. Pós-doutor em Direito na Universidade Clássica de Lisboa, pós-doutor na Universidade de Coimbra. Professor e coordenador do pós-graduação em direito Antidiscriminatório da UniDomBosco/Meu Curso.

  • é advogado, doutorando em Direito pela PUC-SP. Professor e cofundador do Meu Curso Educacional. Especialista em Direito das Novas Tecnologias pela Universidade Complutense de Madrid. Foi conselheiro seccional da OAB-SP de 2013 a 2018; presidente da Comissão de Defesa do Consumidor da OAB-SP de 2013 a 2018 e membro da Comissão Nacional de Defesa do Consumidor do Conselho Federal da OAB de 2013 a 2018 e de 2023 até o presente momento.

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