Opinião

Penhora de imóvel de luxo considerado bem de família em execuções cíveis

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1 de julho de 2023, 6h32

 A Lei 8.009/90 dispõe que o imóvel residencial da entidade familiar é impenhorável, não respondendo pelas dívidas civis, fiscais, trabalhistas ou de qualquer outra natureza contraída pelos seus proprietários ou que nele residam [1].

Todavia, tal proteção não é absoluta, vez que a própria lei traz diversas exceções que afastam a impenhorabilidade do bem de família, como por exemplo: (1) quando a entidade familiar possuir mais de um imóvel caracterizado como bem de família; (2) quando a dívida exequenda decorrer de financiamento destinado à construção ou à aquisição do imóvel; ou (3) em razão da concessão de fiança nos contratos de locação, etc [2].

Resta claro que o intuito do legislador era apenas garantir às pessoas o direito a uma moradia digna, à luz do princípio da dignidade da pessoa humana.

Ocorre que, em razão da referida garantia ao bem de família, passou-se a observar um abuso do direito desta proteção, com a clara finalidade de blindagem patrimonial, frustrando o pagamento de dívidas que estariam abrangidas pelo artigo 1º da Lei nº 8.009/90.

Assim, há um cenário muito comum hoje: o devedor possui elevado padrão de vida, sendo proprietário de um único imóvel de alto valor, o que se revela totalmente incompatível com as demais pesquisas de bens que restam infrutíferas.

Neste contexto, o credor possui a única opção de requerer a penhora deste bem. Todavia, o devedor alega que se trata de bem de família, pleiteando a proteção da Lei n. 8.009/90, com o evidente objetivo de privar seus credores de obterem a satisfação dos seus créditos, ocultando seu patrimônio de forma proposital, mesmo ostentando uma residência luxuosa.

Como se sabe, o entendimento jurisprudencial vem progredindo quanto às possibilidades de mitigação das impenhorabilidades previstas em lei, sob o prisma de encontrar o equilíbrio entre a garantia da subsistência e preservação da dignidade da pessoa humana do devedor frente à inafastabilidade do Poder Judiciário, a qual deve garantir a efetividade nos processos de execução para satisfação dos créditos perseguidos pelos credores, sempre resguardando a proporcionalidade e razoabilidade caso a caso.

E neste sentido caminha a discussão acerca da possibilidade de penhora de imóvel de alto padrão (e valor) considerado bem de família do devedor.

Em alguns casos, o E. Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo tem dado uma nova interpretação analítica sobre o instituto legal da impenhorabilidade do bem de família nos casos concretos que envolvem imóveis de luxo, considerados de alto padrão.

Com isso, observa-se que o Judiciário vem buscando um maior equilíbrio entre o direito do credor em obter a satisfação do seu débito e a garantia de moradia digna ao devedor que reside em um imóvel de alto valor, com a finalidade de dar um desfecho que atenda a todos os envolvidos no processo de execução.

Diante de tal cenário, surge a possibilidade da penhora do imóvel bem de família considerado de luxo ou alto padrão, cujo valor atinja patamares elevados, sendo reservada porcentagem significativa do valor arrematado para garantir a aquisição de nova residência digna para o devedor e seus familiares, sem que isso frustre o pagamento do débito perseguido na execução civil.

Vale ressaltar que este posicionamento possui o mesmo raciocínio lógico adotado atualmente pela jurisprudência pátria acerca da possibilidade da penhora de salários e aposentadorias, que antes eram considerados absolutamente impenhoráveis, em virtude do disposto pelo artigo 833, §2º, IV, do Código de Processo Civil, mas que passaram a ser considerados como passíveis de penhora, desde que garantam o sustento de forma digna do devedor e do seu núcleo familiar.

A título de exemplo, destacam-se dois acórdãos proferidos pelo E. Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo.

No primeiro, o Tribunal admitiu a penhora de um imóvel considerado como bem de família de alto valor avaliado em R$ 1,5 milhão. Na ocasião o imóvel recebeu um lance de R$ 900 mil, o qual foi suficiente para o pagamento do crédito perseguido na execução, sendo o saldo remanescente destinado aos executados para comprarem uma nova moradia digna [3].

No segundo, o Tribunal reconheceu a possibilidade da penhora de um imóvel considerado bem de família, avaliado em R$ 6,4 milhões, determinando que fosse resguardado um terço do produto da arrematação para que o devedor adquirisse nova moradia para seus familiares, sendo o valor remanescente utilizado para a satisfação do débito exequendo [4].

Nesta mesma linha, em recente decisão, o MM. Juiz da 4ª Vara Cível da Comarca de Santos, dr. Frederico Messias, destacou a necessidade do Poder Judiciário enfrentar a questão da proteção do bem de família de luxo sob a ótica do credor, visto que, na prática, existem inúmeros casos em que o credor fica privado da satisfação do crédito em razão da proteção que recai sobre imóveis de elevado valor de mercado, permitindo o desvio de tal proteção com a finalidade blindagem patrimonial. Na mesma oportunidade, o MM. Juiz se posicionou favoravelmente à possibilidade de alienação do imóvel, desde que seja reservada uma parte do produto da arrematação para a aquisição de outro imóvel de menor valor pelo devedor [5].

Apesar de tal entendimento ainda ser adotado de maneira minoritária pela jurisprudência, é de suma importância a evolução desta discussão, sob os mesmos prismas de outros debates que resultaram na mitigação das regras de impenhorabilidade.

Tal posicionamento busca uma maior efetividade aos processos de execução, sendo necessária a reflexão acerca da real finalidade social e econômica sobre o instituto do bem de família, além de trazer soluções mais harmônicas, evitando-se o abuso de direito dos devedores de má-fé que possuem elevado padrão de vida e desvirtuam esta proteção legal para frustrar os interesses dos credores de boa-fé. 

 


[1] Lei 8.009/90: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8009.htm

[2] Lei 8.009/90: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8009.htm

[3] (TJSP; Agravo de Instrumento 2280186-94.2020.8.26.0000; Relator (a): Cerqueira Leite; Órgão Julgador: 12ª Câmara de Direito Privado; Foro de Tremembé – 2ª. Vara Judicial; Data do Julgamento: 24/11/2021; Data de Registro: 24/11/2021)

[4] (TJSP; Agravo de Instrumento 2011061-57.2019.8.26.0000; Relator (a): Sandra Galhardo Esteves; Órgão Julgador: 12ª Câmara de Direito Privado; Foro Central Cível – 22ª Vara Cível; Data do Julgamento: 22/05/2019; Data de Registro: 23/05/2019)

[5] (TJ-SP; Decisão interlocutória 0015931-45.2019.8.26.0562; Juiz: Frederico dos Santos Messias; Juiz de Direito da 4ª Vara Cível da Comarca de Santos; Data da decisão:17/10/2022; Data da publicação: 19/10/2022)

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