Opinião

(Re)valoração da prova como critério de admissibilidade e julgamento do REsp

Autores

  • Humberto Massayuki Taba

    é advogado do escritório Machado Cremoneze Lima e Gotas — Advogados Associados com forte atuação em Direito dos Seguros Responsabilidade Civil (Contratos e Danos) e Direito dos Transportes

  • Márcio Sebastião Aguiar

    é advogado do Machado Cremoneze Lima e Gotas — Advogados Associados membro efetivo do Instituto de Direito dos Transportes (IDTBrasil) especialista em Direito Marítimo e Portuário pela Universidade Católica de Santos membro da União dos Juristas Católicos de São Paulo (Ujucasp) e autor de diversos artigos publicados em revistas jurídicas.

  • Paulo Henrique Cremoneze

    é advogado sócio fundador de Machado Cremoneze Lima e Gotas Advogados Associados mestre em Direito Internacional pela Universidade Católica de Santos especialista em Direito dos Seguros em Contratos e Danos e em Direito Processual Civil e Arbitragem pela Universidade de Salamanca professor de Direito dos Seguros membro efetivo da Academia Nacional de Seguros e Previdência da Associação Internacional de Direito dos Seguros (Aida-Brasil) do Instituto dos Advogados de São Paulo (Iasp) da Ius Civile Salmanticense (Espanha) vice-presidente da União dos Juristas Católicos de São Paulo (Ujucasp) presidente do Instituto de Direito dos Transportes (IDTBrasil) membro do Clube Internacional de Seguros de Transportes (Cist) autor de livros de Direito dos Transportes e Direitos dos Seguros associado da Sociedade Visconde de São Leopoldo e laureado pela OAB-Santos pelo exercício ético e exemplar da profissão.

30 de janeiro de 2023, 20h46

"Toda verdade atravessa três fases: 1) é ridicularizada; 2) é violentamente contrariada; 3) é aceita como a própria prova."
Arthur Schopenhauer

Quando falamos do Direito em exercício falamos necessariamente da prova. Dificilmente há tema tão importante quanto o da obtenção, interpretação e valoração da prova. Talvez a prova seja o assunto do Direito que melhor una teoria e prática, com intenso diálogo com outros ramos do conhecimento. Não basta saber a verdade, é necessário prová-la. E prová-la de modo correto, sob pena de se prejudicar a luta pelo Direito e o processo que a informa.

Pelo menos em Direito — e nos desculpamos pelo uso de hipérbole com tinta de licença poética — a prova é mais importante do que a própria verdade. Paradoxal, porém verdadeiro, com o perdão pelo trocadilho. Por mais que se fale em busca da verdade, em princípio da verdade real, em uso do Direito para o sucesso da Justiça, tem-se da prova o coração de tudo e a razão de ser do Direito Processual.

Uma prova ruim pode ferir de morte um caso bom. Uma boa prova, por outro lado, pode tornar bom um caso ruim. Daí a importância de se dedicar à prova especialíssima atenção. Mesmo quem tem especial amor pela teoria não pode relativizar o cuidado com a prova se estiver diante de disputa judicial.

Forma à parte, o processo é essencialmente a explicitação da prova. Nosso objetivo, porém, não é do de reinventar a roda e afirmar a importância da prova. Não é, também, abordá-la de forma ampla. Não! Nosso objetivo é o de comentá-la sob um aspecto muito específico: o do recurso especial.

Em outras palavras, queremos tratá-la, ainda que sumariamente, segundo o binômio dicotômico valoração versus reexame. Sabemos que no recurso especial, não é dado o reexame da prova, sua plena confrontação, mas é possível a valoração, que não é a reapreciação propriamente dita, mas uma vista diferente sobre o mesmo ponto.

Vejamos:

Há tempo que o Superior Tribunal de Justiça consolidou entendimento por meio da sua Súmula 7, cujo enunciado famoso é: "A pretensão de simples reexame de prova não enseja recurso especial". Trata-se de um poderosíssimo filtro que impede que o recurso especial seja usado como espécie de continuidade ampla do segundo grau de jurisdição.

É certo que as normas constitucionais já bastam para o afunilamento do uso da espécie recursal, mas não é menor certo de que a prática cotidiana quase que as ignorou e tal modo que a súmula se fez necessária. O enunciado é de uma objetividade cartesiana, porém, a doutrina cunhou e o Corte Superior reconheceu que, apesar da vedação ao reexame de fatos e provas, é possível revistar a matéria de um litígio, quando se demonstrar o error in judicando (inclusive o proveniente de equívoco na valoração das provas) e o error in procedendo (erro no proceder, cometido pelo juiz).

Trata-se da possibilidade de revaloração da prova, com base em elementos que foram expressamente tratados em decisão recorrida. Revaloração que, insistimos, não se confunde com reapreciação.

Isso porque, queremos crer, que se não é bom para a Justiça que qualquer caso seja reanalisado pelo Tribunal Superior, também não é a impedimento pleno, absoluto, intranquilizador. Daí a imprescindibilidade de se bem distinguir a reapreciação da revaloração e, com isso, garantir ao jurisdicionado que seu caso foi devidamente tratado pelo Poder Judiciário, não subsistindo mínima dúvida quanto a isso. O jurisdicionado pode não gostar da decisão, porém não poderá alegar superficialidade ou descaso por parte das autoridades judiciárias.

A revaloração, portanto, não é contraproducente nem fere o entendimento cristalizado do Superior Tribunal de Justiça. Ao contrário, insere-se em contexto benfazejo e diretamente guiado pelo princípio da razoabilidade.

Eis aí o fundamento primaz de nosso entusiasmo com a possibilidade de revaloração da prova e de apreciação do litígio pela Corte Superior, independentemente das condições basilares: negativa de vigência de lei federal e dissídio jurisprudencial. Revaloração, portanto, é um bem a ser protegido e um dos principais elementos motivadores do recurso especial.

O ministro Marco Buzzi, relator do AgRg no Recurso Especial nº 1.036.178 – SP (2008/0046369-7)[1], conceituou de forma brilhante que: "A revaloração da prova constitui em atribuir o devido valor jurídico a fato incontroverso sobejamente reconhecido nas instâncias ordinárias, prática francamente aceita em sede de recurso especial, como bem observou o Ministro Felix Fischer 'A revaloração da prova ou de dados explicitamente admitidos e delineados no decisório recorrido não implica no vedado reexame do material de conhecimento'" (REsp 683.702/RS, 5ª TURMA, julgado em 1/3/2005).

A revaloração da prova situa-se na análise da questão de direito, portanto, trata do cotejo do valor que foi atribuído à prova pela instância inferior e do que lhe é atribuído por lei. Acreditamos piamente que tudo aquilo que concorre para o bem da Justiça e que não violenta o Direito, nem minimamente desnatura sua essência e seu rigor, há de ser posto em prática e é válido.

Heterodoxia processual? Absolutamente! Ortodoxia, isso sim! Ortodoxia, porém, guiada pelos princípios fundamentais do Direito e, bisamos convictamente, pela "constante e contínua vontade de atribuir a cada um o seu direito", o senso de Justiça.

Sabemos, contudo, não ser tarefa fácil e não acreditamos em espécie de molde ao qual todos os casos bem se ajustam e ajustarão. Muito pelo contrário! Não obstante, sua simples perspectiva autoriza outra leitura das circunstância e um sentimento de quase alívio aos advogados e, por arrastamento óbvio, aos jurisdicionados.

Há uma linha tênue entre o conceito de revaloração de provas e a revisitação de fatos. Falamos em frágil fronteira porque nem sempre se vê com clareza um e outra, sendo perfeitamente possível, senão comum, a confusão.

E é possível a confusão porque no primeira hipótese, o conceito de revaloração, que tanto nos é caro, tem-se equívoco nas consequências jurídicas dos fatos e a tese jurídica abstrata, ao passo que na segunda, a revisitação, efetivo reexame do que existente no processo, produzido pelas partes. A prova está lá, no processo, e nada mais se questiona sobre sua validade, existência, legalidade e legitimidade. O que se questiona e se questionará é: deu o colégio julgador precedente os devidos peso e sentido de seu teor em face da lei aplicável ao caso concreto?

A possibilidade de revaloração da prova consiste não em um reexame propriamente dito — reafirmaremos isso o tempo todo neste ensaio —, porém na redefinição do enquadramento jurídico. Essa redefinição é permitida por não poucos precedentes do Superior Tribunal de Justiça, como observamos muito bem julgamento do AgRg no Recurso Especial nº 1.036.178 — SP [2], que é reverberada em muitas outras decisões, aliás.

Conforme salientado no início deste estudo, o error in judicando (destacadamente, aquele proveniente de equívoco na valoração das provas) e o error in procedendo podem, sim, ser objetos do recurso especial. Poderíamos reproduzir um rosário de decisões permitindo a revaloração e nela enxergando um meio hábil de recurso especial sem que se tenha por ofendido o enunciado da Súmula 7, que é importantíssima para a não vulgarização do recurso especial nem o alongamento desnecessário do processo.

Nós entendemos que revaloração da prova é direito público subjetivo das partes e critério forte de julgamento pelos ministros e que consiste no ato invulgar de atribuir o devido valor jurídico a fato incontroverso, sobejamente reconhecido nas instâncias ordinárias. Nosso entendimento, é por assim dizer, eco do que afirmado pelo ministro Felix Fischer: "A revaloração da prova ou de dados explicitamente admitidos e delineados no decisório recorrido não implica no vedado reexame do material de conhecimento" (REsp 683.702⁄RS, 5ª TURMA, julgado em 1/3/2005).

O processo não é um fim em si mesmo e sua principal faculdade é o de pôr a prova saudável em primeiro plano, sua própria razão de ser e critério-vetor de julgamento, diminuindo, tanto quanto possível, a carga de subjetividade do exercício jurisdicional. Por isso, a revaloração não é apenas possível, antes recomendável e necessária, para não se dizer imprescindível.

Pela valoração adequada da prova, tem-se o máximo de objetividade possível no julgamento e a esperança do exercício não apenas do bom Direito, mas da efetiva Justiça. O tema é desafiador e a experiência revela que em muitos casos é tênue a diferença entre ela, a revaloração, e o reexame. Todavia, ao se ter a possibilidade de sua arguição, a perspectiva, ajustam-se as circunstâncias e se gera a estabilidade necessária para aquilo que todos os que trabalham com o Direito querem: segurança jurídica. E segurança jurídica não se define por normas apenas e, sim, pela aplicação fiel.


[2] https://a2v.stj.jus.br/processo/pesquisa/?num_registro=200800463697&aplicacao=processos ["A REDEFINIÇÃO DO ENQUADRAMENTO JURÍDICO DOS FATOS EXPRESSAMENTE MENCIONADOS NO ACÓRDÃO HOSTILIZADO CONSTITUI MERA REVALORAÇÃO DA PROVA"]

Autores

  • é advogado do escritório Machado, Cremoneze, Lima e Gotas — Advogados Associados, com forte atuação em Direito dos Seguros, Responsabilidade Civil (Contratos e Danos) e Direito dos Transportes

  • é advogado, associado de Machado, Cremoneze, Lima e Gotas Advogados Associados, membro efetivo do Instituto de Direito dos Transportes (IDTBrasil), especialista em Direito Marítimo e Portuário pela Universidade Católica de Santos, Membro da União dos Juristas Católicos de São Paulo (Ujucasp) e autor de diversos artigos publicados em revistas jurídicas.

  • é advogado, sócio fundador de Machado, Cremoneze, Lima e Gotas Advogados Associados, mestre em Direito Internacional pela Universidade Católica de Santos, especialista em Direito dos Seguros, em Contratos e Danos e em Direito Processual Civil e Arbitragem pela Universidade de Salamanca, professor de Direito dos Seguros, membro efetivo da Academia Nacional de Seguros e Previdência, da Associação Internacional de Direito dos Seguros (Aida-Brasil), do Instituto dos Advogados de São Paulo (Iasp), da Ius Civile Salmanticense (Espanha), vice-presidente da União dos Juristas Católicos de São Paulo (Ujucasp), presidente do Instituto de Direito dos Transportes (IDTBrasil), membro do Clube Internacional de Seguros de Transportes (Cist), autor de livros de Direito dos Transportes e Direitos dos Seguros, associado da Sociedade Visconde de São Leopoldo e laureado pela OAB-Santos pelo exercício ético e exemplar da profissão.

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