Desassistência 'generalizada'

MPF abre inquérito para apurar omissão do Estado na crise vivida pelo povo Yanomami

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30 de janeiro de 2023, 18h49

A Procuradoria da República em Roraima abriu nesta segunda-feira (30/1) um inquérito para apurar a responsabilidade do Estado brasileiro na crise humanitária vivida pelo povo Yanomami.

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Objetivo do MPF é analisar
omissão de gestores e políticos
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O objetivo é analisar se a omissão de gestores e políticos pode ter contribuído para a crise sanitária e de segurança alimentar. Mais de mil indígenas estão em estado grave. No último mês, 96 crianças foram internadas, a maioria por desnutrição. 

Segundo o MPF, há um "vasto acervo" de evidências para a imediata "responsabilização do Estado brasileiro". É necessário, no entanto, saber quem são os agentes responsáveis pelos casos de omissão.

"Tal acervo revela um panorama claro de generalizada desassistência à saúde, sistemático descumprimento de ordens judiciais para repressão a invasores do território indígena e reiteradas ações de agentes estatais aptas a estimular violações à vida e à saúde do povo Yanomami", diz trecho do documento, assinado pelo procurador Alisson Marugal.

"Relatórios, audiências, reuniões e informações prestadas nas diversas ações e procedimentos em trâmite nesta Procuradoria da República conferem robustas evidências de que as autoridades com dever de agir tinham pleno conhecimento da sistemática e generalizada violação de direitos ocorrida no território Yanomami", prossegue o procurador.

O inquérito é civil, não criminal, e foi aberto com base em pedidos enviados à PGR contra uma série de agentes e ex-agentes públicos, entre eles o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) e a ex-ministra Damares Alves, hoje senadora eleita. 

Isso, porém, não significa que o MPF vai investigar Bolsonaro e Damares. Como ela tem prerrogativa de foro, a Procuradoria em Roraima sequer poderia apurar a conduta da política. O objetivo inicial é só entender se houve de fato omissão e quem foram os responsáveis pelos atos que podem ser considerados omissivos. 

Será apurado, por exemplo: o tamanho da desassistência na área indígena Yanomami; quais agentes públicos eram responsáveis por prestar determinado atendimento a essa população; se houve descumprimento de decisões judiciais; se comunicações sobre a crise Yanomami foram ignoradas ou ocultadas; entre outros fatores. 

AGU
A crise também levou a Advocacia-Geral da União a atuar. Na última quarta-feira (25/1), o chefe do órgão, Jorge Messias, anunciou que vai criar um grupo de proteção aos povos indígenas e afirmou que o governo de Jair Bolsonaro (PL) abandonou essa população "à própria sorte". 

"Os indígenas foram abandonados à própria sorte. A verdade é essa. Havia um projeto anterior de omissão. No governo do presidente Lula temos o compromisso constitucional de amparar os indígenas. A AGU já tem uma atuação destacada, que será por nós reforçada. A diretriz é muito clara: nós vamos atuar em favor dos povos indígenas", afirmou o AGU. 

A procuradora Mariane Cirne, que vai chefiar a Procuradoria Nacional de Defesa do Clima e do Meio Ambiente, também participa da ação. Ela disse que a AGU já está conversando com ministérios que tratam de questões ligadas às populações indígenas e com integrantes da AGU que trabalham nos locais em que esses povos vivem. Segundo ela, o órgão está acompanhando a situação dos Yanomami.

"Acompanhamos com tristeza essa situação (dos Yanomami). A AGU tem procuradorias e consultorias em vários lugares. A gente tem feito uma articulação com as pastas envolvidas no tema para fazer uma atuação coordenada. A parte jurídica, que é a que nos cabe, poderá dar maiores respostas a um problema desse tamanho. (Por isso), começamos a conversar com todos os procuradores e advogados que estão nessas áreas. Essa é uma das pautas mais importantes para essa procuradoria atuar", afirmou Mariane. 

Bolsonaro descumpriu ordem
Na quinta-feira (26/1), o ministro Luís Roberto Barroso, do Supremo Tribunal Federal, disse que as operações colocadas em prática pelo governo de Bolsonaro para proteger o povo Yanomani não seguiram o planejamento aprovado pela corte e foram feitas com deficiências.

"O STF detectou descumprimento de determinações judiciais e indícios de prestação de informações falsas à Justiça, que serão apuradas. Em caso de identificação dos responsáveis, sofrerão o devido processo legal para punição", diz a nota divulgada pelo ministro.

Barroso havia determinado na ADPF 709, por exemplo, a criação e a execução de um plano de enfrentamento à Covid-19 para os povos indígenas. A medida iria complementar ações de segurança alimentar e de atenção à saúde daquela população, além de criar barreiras sanitárias e priorizar a vacinação. 

Em fevereiro do ano passado, o ministro ordenou que o governo federal protegesse terras indígenas não homologadas.

Outra decisão do STF — que tramita em sigilo — ordenou a execução de um plano para expulsão de garimpeiros e madeireiros ilegais da Terra Indígena Yanomami e outras seis reservas indígenas. 

Clique aqui para ler a abertura de inquérito

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