Validade do leilão reverso na recuperação judicial
30 de janeiro de 2023, 8h00
O presente artigo analisará a validade da cláusula que permite a realização de leilão reverso nos processos de recuperação judicial.
Como se sabe, o Superior Tribunal de Justiça já pacificou o entendimento de que, diante da aprovação de um plano de recuperação judicial em assembleia, não cabe ao Poder Judiciário se imiscuir no aspecto da viabilidade econômica da empresa[1], mas, apenas, exercer o controle de legalidade do plano e das suas cláusulas. [2]
O que ora se questiona é se a cláusula que permite a realização do leilão reverso afronta o Princípio da Isonomia[3] entre os credores de uma mesma classe, eis que esta cláusula beneficiaria somente aqueles credores que poderiam conceder o maior deságio à empresa em recuperação judicial.
Nestes termos, ainda que a vontade da assembleia de credores seja soberana, é certo que o Poder Judiciário poderá exercer o controle judicial sobre as cláusulas do plano[4], eis que "o plano de recuperação judicial tem natureza de negócio jurídico, ainda que sui generis, dado o caráter negocial que permeia todo o processo de deliberação a respeito de suas cláusulas, o qual resulta em verdadeira celebração de acordo entre as partes envolvidas". "Destarte, preenchidos os requisitos legais, cabe ao magistrado tão somente verificar se o plano preenche os requisitos de validade comuns a qualquer negócio jurídico, quais sejam: agente capaz, objeto lícito, possível e determinado, forma prescrita ou não defesa em lei e manifestação livre, consciente e de boa-fé da vontade das partes." [5]
O inciso I artigo 50 da Lei de falências, por sua vez, é claro ao dispor que a concessão de prazos e descontos são meios de recuperação da empresa em crise financeira, o que nos leva a conclusão de que o leilão reverso poderia ser enquadrado como uma forma alternativa de pagamento aos credores.[6]
A participação no leilão reverso é uma faculdade dada aos credores, para que seja antecipado o recebimento do seu crédito. Caso os credores prefiram não aderir ao procedimento, o crédito será pago nos termos do plano aprovado, sendo esta, apenas, mais uma forma de pagamento do crédito que o devedor lhes oferece.[7]
Cumpre notar que os nossos tribunais, em diversos julgados, centraram a sua análise acerca da ilegalidade da cláusula que permite o leilão reverso em dois aspectos, quais sejam, (a) se o plano de recuperação judicial estipulou requisitos objetivos que permitem a participação de todos os credores e (b) se a realização do procedimento não prejudicará o direito dos demais credores que não participaram do procedimento. [8]
Ora, se a cláusula restringir a participação apenas a um pequeno grupo de credores, ou ainda, alterar o valor a ser recebido pelos credores que não participaram do leilão reverso, certamente, esta cláusula será declarada nula. [9]
O Princípio da Isonomia entre os credores norteou inúmeras decisões dos nossos tribunais, eis que este promove o direito de todos os credores poderem exercer o seu direito de crédito da mesma maneira.
O Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, nos termos do acórdão número 0076931-44.2020.8.19.0000, proferido pela Desembargadora Mônica Maria Costa, concluiu que "não se vislumbra qualquer ilegalidade no tocante às regras e critérios para a realização do leilão reverso, eis que a medida se destina ao pagamento antecipado de todos os credores quirografários e a forma de participação dos interessados, assim como a previsão de necessária publicidade, encontram-se devidamente assentadas nas cláusulas impugnadas e serão detalhadas no respectivo edital a ser divulgado". [10]
Logo, o que se observa é que os nossos tribunais garantem que todos os credores poderão exercer de maneira igual o seu direito de crédito durante a realização do leilão reverso, declarando-se, por consequência, a nulidade da cláusula que limite o exercício deste direito apenas a um determinado grupo de credores.
Bem se vê que o primeiro aspecto analisado acima se refere ao direito de os credores exercerem o seu direito de crédito de maneira igual, sendo certo que o segundo aspecto reside na impossibilidade de o leilão reverso prejudicar o direito de crédito daqueles que decidiram não participar do procedimento.
O Princípio da Isonomia entre os credores, mais uma vez, encontra aplicação neste caso, pois o leilão reverso é uma alternativa dada aos credores que queriam antecipar o recebimento do seu crédito, caso concedam novos descontos ao devedor.
Logo, se algum credor decidiu não participar do procedimento, o seu crédito será recebido na forma do plano de recuperação judicial aprovado pelos credores e homologado pelo Poder Judiciário. [11] Aqui, o Princípio da Isonomia garante que todos os credores irão receber o seu crédito nos termos do plano aprovado, não podendo o leilão reverso alterar este direito.
Portanto, o que se conclui é que não há ilegalidade, por si só, na cláusula que possibilita a realização do leilão reverso. Contudo, o Poder Judiciário poderá analisá-la a luz do Princípio da Isonomia e declará-la nula, caso ela traga prejuízo ao direito dos demais credores que não tenham participado do procedimento.
[1] Superior Tribunal de Justiça, Ministro Luis Felipe Salomão, Recurso Especial número 1359311/SP.
[2] Superior Tribunal de Justiça, Ministra Nancy Andrighi, Recurso Especial número 1660195/PR.
[3] Também conhecido como Princípio par condicio creditorum.
[4] Tribunal de Justiça de Santa Catarina, Desembargadora Soraya Nunes Lins, agravo de instrumento número 4011.366-32.2017.8.24.0000.
[5] Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, Desembargador Adriano de Mesquita Carneiro, agravo de instrumento número 1.0000.22.081034-5/000. Ainda no mesmo sentido, Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, Desembargadora Alice Birchal, agravo de instrumento número 1.0000.18.090517-6/000.
[6] Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, Desembargador Fortes Barbosa, agravo de instrumento número 2204634-89.2021.8.26.0000.
[7] Tribunal de Justiça do Estado do Paraná, Desembargador Espedito Reis do Amaral, agravo de instrumento número 0061356-14.2019.8.16.0000.
[8] Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, Desembargador Alexandre Lazzarini, agravo de instrumento número 2154197-83.2017.8.26.0000. Ainda no mesmo sentido, Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, Des. Mônica Maria Costa, agravo de instrumento número 0076931-44.2020.8.19.0000.
[9] Tribunal de Justiça do Estado do Paraná, Des. Espedito Reis do Amaral, agravo de instrumento número 0061356-14.2019.8.16.0000
[10] Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, Des. Mônica Maria Costa, agravo de instrumento número 0076931-44.2020.8.19.0000.
[11] Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, Des. Mônica Maria Costa, agravo de instrumento número 0076931-44.2020.8.19.0000.
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