Opinião

Regra do "honorário tabelar benéfico": prerrogativa econômica da advocacia

Autor

  • José Edilson da Cunha Fontenelle Neto

    é advogado mestre em Ciência Jurídica pela Univali (Universidade do Vale do Itajaí) mestre em Direito da União Europeia pela Universidade do Minho (Portugal) especialista pós-graduado em direito penal e criminologia pelo Instituto de Criminologia e Política Criminal (ICPC/Uninter) graduado em Direito pela Univille (Universidade da Região de Joinville) professor de Direito Penal e de Direito Processual Penal na Univille e presidente da Comissão de Assistência Defesa e Prerrogativas da Subseção Judiciária de Joinville (SC).

29 de janeiro de 2023, 15h12

Como é cediço, remuneração dos advogados particulares é chamada de honorários, cuja etimologia deriva do radical honos, que significa prêmio, ou presente, dado a alguém, em virtude de uma ação honrosa, digna. Atualmente, o nome é dado, segundo a gramática, à remuneração àqueles que exercem uma profissão liberal[2].

Todavia, a par das demais importantes funções e profissões exercidas de forma autônoma, fato é que à advocacia privada foi dada importância diferenciada, já que o próprio texto constitucional trouxe tal atividade como um múnus público essencial à atividade da Justiça (artigo 130 da CRFB/88[3]), ocupando-se de dar assento constitucional a este labor privado.

Além da previsão constitucional da profissão, foi assegurada à advocacia a titularidade de certas prerrogativas, aptas a tornarem possível o seu múnus público de reivindicar, em nome de outrem, o direito por este titularizado, ou seja, por permitir que a advocacia faça aquilo que se propõe a fazer, que ela empreste a sua voz (ad vocare) ao pleito dos direitos dos cidadãos.

Nesse sentido, a Lei Federal n. 8.906/94[4] (Estatuto da Advocacia) passou a tratar das prerrogativas dos advogados e, dentre os direitos e prerrogativas da advocacia, previu, no seu artigo 22, como imperioso ao advogado o recebimento de honorários (pagamento) pelos préstimos de seus serviços, afinal, o recebimento da justa remuneração por um serviço prestado não é outra coisa senão um dos fundamentos de nossa república, a valorização social do trabalho (artigo 1.º, inciso IV, da CRFB/88[5]).

Por tal razão, a legislação (artigo 58, inciso V, da Lei 8.906/94[6]) previu que as Seccionais da Ordem dos Advogados do Brasil deverão, considerando as particularidades locais, elaborar "tabela de honorários", indicando os valores mínimos a serem percebidos por advogados em cada modalidade de serviço prestado.

Já os Códigos de Processo Civil, por sua vez, previam o recebimento de honorários sucumbenciais, em prol do advogado da parte exitosa no processo, como justa remuneração por seus serviços. Todavia, a matéria recebeu diversas modificações ao longo da história recente.

Nesse talante, o Código de Processo Civil de 2015[7], em sua redação original, previu (assim como o seu código antecessor) que a parte vencida será condenada a pagar, ao advogado da parte vencedora, honorários sucumbenciais, que deverão ser fixados entre 10% e 20% sobre o benefício econômico, ou valor da causa, ressalvados os casos de valor irrisório ou inestimável, em que haverá, então, arbitramento por equidade.

Nesse sentido, é a redação do artigo 85 do Código de Processo Civil[8]:

Art. 85. A sentença condenará o vencido a pagar honorários ao advogado do vencedor.
(…).
§ 2º Os honorários serão fixados entre o mínimo de dez e o máximo de vinte por cento sobre o valor da condenação, do proveito econômico obtido ou, não sendo possível mensurá-lo, sobre o valor atualizado da causa, atendidos:
I – o grau de zelo do profissional;
II – o lugar de prestação do serviço;
III – a natureza e a importância da causa;
IV – o trabalho realizado pelo advogado e o tempo exigido para o seu serviço.
(…).
§ 8º Nas causas em que for inestimável ou irrisório o proveito econômico ou, ainda, quando o valor da causa for muito baixo, o juiz fixará o valor dos honorários por apreciação equitativa, observando o disposto nos incisos do § 2º.

Assim, a par de discussões outrora existentes, o Superior Tribunal de Justiça, ao dizer o óbvio — que a lei é norma cogente, vinculante e imperativa —, fixou a tese de que os honorários devem ser arbitrados na forma como determina a lei, ou seja, só haver fixação de honorários por equidade em casos de valor irrisório ou inestimável, sendo o julgado (Tema 1.076 do STJ):

i) A fixação dos honorários por apreciação equitativa não é permitida quando os valores da condenação, da causa ou o proveito econômico da demanda forem elevados. É obrigatória nesses casos a observância dos percentuais previstos nos §§ 2º ou 3º do artigo 85 do CPC — a depender da presença da Fazenda Pública na lide —, os quais serão subsequentemente calculados sobre o valor: (a) da condenação; ou (b) do proveito econômico obtido; ou (c) do valor atualizado da causa.

ii) Apenas se admite arbitramento de honorários por equidade quando, havendo ou não condenação: (a) o proveito econômico obtido pelo vencedor for inestimável ou irrisório; ou (b) o valor da causa for muito baixo[9].

Contudo, considerando que diversas causas, malgrado não possuam valor inestimável ou irrisório, possuem conteúdo econômico baixo, aliado ao fato de que a magistratura, por vezes, fixava aos advogados, a título de honorários sucumbenciais, valores irrisórios, e muito aquém dos indicados nas tabelas das seccionais locais, o legislador inseriu no mencionado artigo 85 do Código de Processo Civil o § 8.º-A, que possui a seguinte redação:

§ 8º-A. Na hipótese do § 8º deste artigo, para fins de fixação equitativa de honorários sucumbenciais, o juiz deverá observar os valores recomendados pelo Conselho Seccional da Ordem dos Advogados do Brasil a título de honorários advocatícios ou o limite mínimo de 10% (dez por cento) estabelecido no § 2º deste artigo, aplicando-se o que for maior[10].

Assim, o legislador nacional, compreendendo a importância da advocacia e dos honorários por esta percebidos, fez questão de indicar que os honorários sucumbenciais jamais poderão ser fixados aquém do valor mínimo indicado pela tabela local da OAB para a atividade.

É se dizer, a fixação dos honorários sucumbenciais dar-se-ão por meio da seguinte regra: a) primariamente: entre 10% a 20% sobre o proveito econômico ou valor da causa, exceto se tal valor foi inferior ao piso remuneratório para aquela modalidade de ação, hipótese em que deverá ser arbitrado por equidade, com respeito ao valor mínimo indicado na tabela local vigente, podendo este ser exasperado do mínimo em razão dos critérios indicados no inciso do § 2.º, do art. 85, do Código de Processo Civil; b) subsidiariamente, em caso de ser o valor inestimável ou irrisório, deverá ser arbitrado por equidade, com respeito ao valor mínimo indicado na tabela local vigente, podendo este ser exasperado do mínimo em razão dos critérios indicados no inciso do § 2.º, do art. 85, do Código de Processo Civil.

Sobre o assunto, é importante que se diga, já houve decisão judicial oriunda do Tribunal de Justiça de Santa Catarina, relatada pelo nobre desembargador Marcos Fey Probst, cujo voto constou:

No caso, a Autora formulou pedido de obrigação de fazer em face da primeira Ré e de indenização por danos morais em face de ambas Rés, sagrando-se vencedora quanto ao primeiro e parcialmente quanto ao segundo (o pedido formulado contra a segunda Ré foi julgado improcedente).
Desse modo, tem-se por adequado atribuir à primeira Ré o pagamento da integralidade das verbas sucumbenciais, sobretudo em respeito ao princípio da causalidade.
Quanto aos honorários advocatícios, considerando a complexidade e o tempo despendido pelo procurador da Autora na defesa dos seus interesses, assim como frente ao disposto no § 8º-A do art. 85 do CPC, tenho por adequado estabelecer a verba honorária em R$ 4.000,00, conforme disposto no item 22 (Processo contencioso em geral, rito ordinário) da "Tabela de Honorários Advocatícios da OAB/SC", estabelecida pela Resolução CP nº 44/2020, de 15/12/2020.
Registre-se que, embora haja condenação em quantia certa (R$ 2.000,00), a aplicação da regra prevista no § 2º do art. 85 do CPC impõe a fixação de verba honorária em valor irrisório, a merecer a aplicação do art. 85, §§ 8º e 8-A, do CPC[11].

Trata-se da regra que podemos denominar como "honorário tabelar benéfico", que pode ser compreendida da seguinte maneira: ao se arbitrarem honorários sucumbenciais, sempre que o critério de fixação adotado for menos benéfico do que a “equidade com respeito ao piso indicado na tabela da seccional local da OAB”, deverá este último critério ser aplicado pelo juiz, sob pena de violação do que dispõe o art. 8.º-A do Código de Processo Civil.   

Dessa forma, resta à advocacia vindicar e ao Poder Judiciário fazer valor a redação legal que impõe a regra dos "honorários tabelares benéficos" (artigo 8.º-A, do Código de Processo Civil), a fim de que seja fortalecida a atividade advocatícia e jurisdicional e, consequentemente, a segurança jurídica e a cidadania, valores estes cada vez mais imprescindíveis aos ditames sociais.

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REFERÊNCIAS
BRASIL. [Constituição (1988)]. Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF: Senado Federal, 2016. 496 p. Disponível em: <https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm>. Acesso em: 15 janeiro 2023.

BRASIL. Lei nº 8.906, de 4 de julho de 1994. Dispõe sobre o Estatuto da Advocacia e a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB). Disponível em: <https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8906.htm>. Acesso em: 15 janeiro 2023.

BRASIL. Lei nº 13.105, de 16 de março de 2015. Código de Processo Civil. Disponível em: <https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2015/lei/l13105.htm>. Acesso em: 15 janeiro 2023.

Superior Tribunal de Justiça. REsp n. 1.906.623/SP, relator Ministro Og Fernandes, Corte Especial, julgado em 16/3/2022, DJe de 31/5/2022.

Tribunal de Justiça de Santa Catarina. Apelação Cível n. 0025567-04.2012.8.24.0023, relator Desembargador MARCOS FEY PROBST, j. 14.06.2022.


[2] FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Aurélio: Dicionário Aurélio da língua portuguesa. 5.ª ed. Curitiba: Editora Positivo Ltda, 2010.

[3] BRASIL. [Constituição (1988)]. Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF: Senado Federal, 2016. 496 p. Disponível em: <https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm>. Acesso em: 15 janeiro 2023.

[4] BRASIL. Lei nº 8.906, de 4 de julho de 1994.  

Dispõe sobre o Estatuto da Advocacia e a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB). Disponível em: <https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8906.htm>. Acesso em: 15 janeiro 2023.

[5] BRASIL. [Constituição (1988)]. Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF: Senado Federal, 2016. 496 p. Disponível em: <https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm>. Acesso em: 15 janeiro 2023.

[6] BRASIL. Lei nº 8.906, de 4 de julho de 1994.  

Dispõe sobre o Estatuto da Advocacia e a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB). Disponível em: <https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8906.htm>. Acesso em: 15 janeiro 2023.

[7] BRASIL. Lei nº 13.105, de 16 de março de 2015. Código de Processo Civil. Disponível em: <https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2015/lei/l13105.htm>. Acesso em: 15 janeiro 2023.

[8] BRASIL. Lei nº 13.105, de 16 de março de 2015. Código de Processo Civil. Disponível em: <https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2015/lei/l13105.htm>. Acesso em: 15 janeiro 2023.

[9] Superior Tribunal de Justiça. REsp n. 1.906.623/SP, relator Ministro Og Fernandes, Corte Especial, julgado em 16/3/2022, DJe de 31/5/2022.

[10] BRASIL. Lei nº 13.105, de 16 de março de 2015. Código de Processo Civil. Disponível em: <https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2015/lei/l13105.htm>. Acesso em: 15 janeiro 2023.

[11] Tribunal de Justiça de Santa Catarina. Apelação Cível n. 0025567-04.2012.8.24.0023, relator Desembargador MARCOS FEY PROBST, j. 14.06.2022.

Autores

  • é advogado, mestre em Ciência Jurídica pela Univali (Universidade do Vale do Itajaí), mestre em Direito da União Europeia pela Universidade do Minho (Portugal), especialista pós-graduado em direito penal e criminologia pelo Instituto de Criminologia e Política Criminal (ICPC/Uninter). Graduado em Direito pela Univille (Universidade da Região de Joinville). Professor de Direito Penal e de Direito Processual Penal na Univille. Presidente da Comissão de Assistência, Defesa e Prerrogativas da Subseção Judiciária de Joinville (SC).

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