Opinião

Desafios para regulamentação do Cadastro Nacional de Pessoas Expostas Politicamente

Autores

  • Filipe Lovato Batich

    é advogado associado da prática White Collar & Compliance do Madrona Advogados mestre em Direito Penal pela Universidade de São Paulo (FD-USP) e professor universitário.

  • Rhasmye El Rafih

    é advogada associada da prática Direito Penal Empresarial & Compliance do Madrona Advogados e mestra em Direito pela Universidade de São Paulo (FDRP-USP).

26 de janeiro de 2023, 6h07

Muito embora os profissionais que atuam nos ramos jurídico, de compliance e de prevenção à lavagem de dinheiro conheçam e lidem corriqueiramente com a classificação de pessoas expostas politicamente, que é adotada internacionalmente, ainda persistem algumas dificuldades para a sua efetiva parametrização.

Com o fim de criar uma base de dados pública brasileira com os indivíduos que se enquadram nessa categoria, a Lei 14.478/2022, que passou a regulamentar os serviços de ativo virtuais, alterou a Lei 9.613/1998 (de Lavagem de Dinheiro) para instituir o Cadastro Nacional de Pessoas Expostas Politicamente (CNPEP).

Em que pese a previsão, que entrará em vigor em meados de 2023, ser muito propícia, a futura regulamentação a ser realizada via decreto do Poder Executivo enfrentará alguns desafios práticos.

O CNPEP deverá centralizar o processamento e a disponibilização, via internet, das informações sobre integrantes e ex-integrantes que se enquadrem como pessoa exposta politicamente dos 3 Poderes (Executivo, Legislativo e Judiciário) de todos os entes federativos.

Atualmente, é possível verificar se determinado indivíduo é um agente público por meio de informações disponíveis em portais de transparência, especialmente na esfera dos governos federais, estaduais e tribunais. Porém, essa informação, além de esparsa, é incompleta, como: (i) nos casos de agentes municipais que se enquadram nessa categoria; (ii) de ex-agentes públicos, já que a condição de exposta politicamente persiste por mais de cinco anos após o desligamento; (iii) identificação de agentes públicos estrangeiros e equiparados a essa categoria; e, principalmente, (iv) para a identificação de familiares e estreitos colaboradores do agente público.

Apesar de não existir uma definição legal, hoje há disposições infralegais muitos semelhantes sobre o espectro de posições que se enquadrariam como pessoa exposta politicamente, emanadas por órgãos reguladores no tocante ao combate à lavagem de dinheiro, como ocorre com o Banco Central (Bacen — Circular 3.978/20, artigos 19 e 17), Comissão de Valores Mobiliários (CVM — Resolução 50/21, anexo A),  Superintendência de Seguros Privados (Susep — Circular 612/20, artigos 4º e 23), Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf — Resolução 40/21), sendo que a última serve de complementação para regras emitidas por órgãos reguladores de atividades, como o Provimento 88/19 do Conselho Nacional de Justiça aos notários e registradores (artigo 9º, § 1º, k). Muitas dessas normas dispõem que se deve consultar bases de dados públicos para a identificação de pessoas expostas politicamente, bem como as complementar por outras fontes, abertas ou serviços privados.

Com o CNPEP o legislador busca, finalmente, centralizar e, consequentemente, facilitar a identificação de integrantes e ex-integrantes dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, solucionando parte das dificuldades enfrentadas.

Como adiantado, mesmo com o CNPEP, ainda não há bases públicas brasileiras que auxiliem na identificação de agentes públicos estrangeiros ou relacionados a entidades internacionais e, localmente, de familiares e seus estreitos colaboradores, considerados pessoa exposta politicamente por equiparação. Assim, ainda se mostra necessário o apoio, especialmente de serviços privados, para a identificação dessas pessoas, o que encarece esse tipo de controle.

Um ponto que ainda carece de melhor regulamentação, inclusive para respaldar os indivíduos que constarão na base de dados do CNPEP, dada a exposição que lhes será conferida, e os servidores responsáveis pela gestão do CNPEP, para direcionar o recebimento e disponibilização de informações, é a uniformização da definição de pessoa exposta politicamente por lei.

Inclusive, essa seria uma boa oportunidade para delimitar outras categorias de agentes públicos que estão fora do escrutínio. Conforme recomendações internacionais sobre o tema, como as 40 Recomendações do Grupo de Ação Financeira (especificamente a Recomendação nº 12), há a necessidade de enquadrar militares nacionais de alto escalão, que não são mencionados nas regulamentações infralegais outrora apontadas, apesar desses cargos estarem dispostos no Anexo I do Estatuto dos Militares (Lei 6.880/80). A adoção de uma lei brasileira com a classificação de pessoas expostas politicamente também poderá englobar outras categorias que, de acordo com a realidade brasileira e com base na experiência dos órgãos de controle e persecução, estão normalmente envoltos em irregularidades e atos de corrupção e lavagem de dinheiro, necessitando de um monitoramento mais próximo. Por fim, uma omissão da Lei 14.478/2022, que deverá ser considerada na regulamentação do CNPEP, é a operacionalização da inclusão dos partidos políticos no rol de entidades vinculadas ao envio periódico de informações. Isso porque presidentes e tesoureiros de partidos políticos (atuais ou que exerceram a função nos últimos cinco anos) também são considerados pessoas expostas politicamente, conforme as disposições do Bacen, CVM, Susep e Coaf.

A criação do CNPEP é um importante avanço, mas ainda há pontos que as autoridades brasileiras devem enfrentar, tanto para auxiliar na identificação de pessoas expostas politicamente, quanto para aprimorar a sua conceituação face à realidade nacional.

Autores

  • é advogado associado da prática White Collar & Compliance do Madrona Advogados, mestre em Direito Penal pela Universidade de São Paulo (FD-USP) e professor universitário.

  • é advogada associada da prática White Collar & Compliance do escritório Madrona Advogados e mestra em Direito pela Universidade de São Paulo, campus de Ribeirão Preto.

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