Opinião

Nova fraude do artigo 171-A e crimes contra o Sistema Financeiro Nacional

Autores

  • Carlos Wehrs

    é mestre em Direito pela Universität Augsburg e sócio do Madruga BTW.

    View all posts
  • Felipe Figueiredo Gonçalves

    é sócio na Madruga BTW especialista Direito Penal Econômico e Empresarial ex-coordenador do Laboratório de Empresas Nascentes de Tecnologia (Lent) no Grupo de Ensino e Pesquisa em Inovação (Gepi) da Fundação Getúlio Vargas em São Paulo (FGV-SP) colaborador do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais (IBCCrim) e mestre em Direito e Desenvolvimento pela Escola de Direito da Fundação Getúlio Vargas de São Paulo (FGV-SP).

    View all posts

25 de janeiro de 2023, 21h15

Em 21 de dezembro de 2022, foi publicada a Lei n° 14.478/22, que dispõe, dentre outras matérias, sobre diretrizes a serem observadas na prestação de serviços e na regulamentação das prestadoras de serviços de ativos virtuais.

Para além do âmbito regulatório, a Lei promove as seguintes alterações na legislação penal: 1) a inclusão de nova modalidade de fraude no Código Penal; 2) a equiparação da pessoa jurídica que oferece serviços referentes a operações com ativos virtuais a instituição financeira, para fins de incidência da Lei n° 7.492/86; e 3) o aumento da pena do crime de lavagem de dinheiro para os casos relacionados a tais ativos.

O conjunto de alterações penais nos parece, contudo, exagerado, além de trazer desafios ao intérprete. Para fins deste comentário, discutiremos apenas as alterações ao Código Penal e à Lei n° 7492/86.

Uma das principais discussões atuais em ações penais por crimes contra o Sistema Financeiro Nacional é o concurso aparente de normas entre estelionato (artigo 171, CP), gestão fraudulenta e os demais crimes específicos previstos na Lei n° 7.492/86. A resolução de tais conflitos afeta a própria definição da competência da Justiça Federal, à qual não cabe o julgamento de casos em que a conduta não tenha sido praticada "em prejuízo de gestão financeira, da execução de política econômica governamental ou, ainda, contra o patrimônio de investidores ou do mercado de títulos e valores mobiliários" (STJ, CC 113.414/MG). Crimes ocorridos no âmbito de instituições financeiras, portanto, não atraem, necessariamente, a incidência da Lei n° 7.492/86 [1]. Havendo entendimento de não se tratar de crime que afeta o bem jurídico protegido pela Lei n° 7.492/86, a competência, usualmente, é declinada à Justiça Estadual, para o processo e julgamento pelo crime de estelionato.

A Lei n° 14.478/22, ao criar a modalidade de fraude prevista no novo artigo 171-A, do Código Penal, gera situação de difícil resolução por meio das regras do conflito de normas. Isso porque, ao mesmo tempo em que o artigo 11 altera a Lei n° 7.492/86 para equiparar a instituição financeira a pessoa jurídica ou natural "que ofereça serviços referentes a operações com ativos virtuais, inclusive intermediação, negociação ou custódia", o artigo 10 altera o Código Penal para dispor que os atos próprios de tal pessoa jurídica, quando realizados com finalidade fraudulenta e em prejuízo alheio, estariam abrangidos pela nova modalidade de fraude prevista no artigo 171-A.

Ocorre que a inclusão de tais pessoas no rol de instituições financeiras equiparadas sujeita seus dirigentes às penas dos crimes previstos na Lei n° 7.492/86, os quais podem conflitar com o novo artigo 171-A do Código Penal.

No caso concreto, a conduta de um indivíduo que, por exemplo, gerir uma carteira de criptoativos, em prejuízo alheio, com o fim de obter vantagem ilícita, mediante fraude, se subsumiria ao artigo 171-A do Código Penal, com pena de quatro a oito anos de reclusão, mas também poderia caracterizar o crime de gestão fraudulenta ou algum dos outros crimes específicos previstos na Lei n° 7.492/86.

A solução anteriormente adotada pela jurisprudência não poderá ser aplicada a este caso específico, já que a nova modalidade de fraude se dá contra o patrimônio do próprio investidor e, portanto, diz respeito à atividade-fim da instituição financeira equiparada. Diante da especialidade do tipo penal do artigo 171-A e da especialidade dos tipos previstos na Lei n° 7.492/86, naquilo que se refere a instituições financeiras (ou instituições equiparadas), poderá se instaurar conflito, cuja resolução ainda não encontra resposta na jurisprudência.

Outro ponto que merece atenção da redação do novo tipo penal previsto no artigo 171-A, do Código Penal, é que não apenas ativos virtuais foram incluídos no dispositivo, mas também "valores mobiliários ou quaisquer ativos financeiros", ou seja, produtos já negociados por instituições financeiras (ou equiparadas), como bancos e gestoras, que sempre foram abrangidas pela Lei n° 7.492/86.

A resolução anteriormente adotada pela jurisprudência nos parece, portanto, também insuficiente para resolver casos em que há prejuízo ao patrimônio do investidor, mediante fraude, praticada na gestão, oferta, negociação, distribuição de carteiras ou na intermediação de operações que envolvam valores mobiliários ou outros ativos financeiros.

Autores

Tags:

Encontrou um erro? Avise nossa equipe!