Opinião

A qualificação técnico-operacional na Nova Lei de Licitações

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21 de janeiro de 2023, 13h18

A Lei nº 14.133/2021 (Nova Lei de Licitações e Contratos Administrativos) trouxe uma disposição muito importante acerca da comprovação da qualificação técnico-operacional (uma das duas espécies de qualificação técnica). Essa disposição, como será visto, soluciona um problema gerado pelo diploma normativo anterior no que tange à exigência de atestados.

Antes, contudo, convém relembrar a disposição da Lei nº 8.666/93 e compreender por que ela era capaz de gerar distorções nas contratações públicas.

O artigo 30, §1º, I, da Lei nº 8.666/93 previa que poderia ser exigida, na habilitação, a comprovação de atestado de responsabilidade técnica por obra ou serviço com características semelhantes ao objeto licitado. Nesse caso, a exigência, para ser válida, deveria ser limitada às "parcelas de maior relevância e valor significativo do objeto da licitação".

Percebe-se, do mandamento legal, que havia dois requisitos que qualificavam as parcelas sobre as quais incidiria a exigência, ambos envolvendo conceitos indeterminados: a maior relevância e o valor significativo.

As duas qualidades das parcelas eram cumulativas, como já havia definido o Tribunal de Contas da União:

"A habilitação técnico-operacional só pode ser exigida de licitantes para demonstração da capacidade de execução de parcelas do objeto a ser contratado que sejam, cumulativamente, de maior relevância e de maior valor". (Acórdão 2992/2011-Plenário).

Certamente, a relevância diz respeito ao caráter técnico da parcela, de modo que, tecnicamente, ela deve ser importante para a conclusão do objeto contratual e, de preferência, envolver complexidade, especificidades inabituais no mercado ou dificuldades próprias que a distingam das demais parcelas. Trata-se, no entanto, de uma qualificação eminentemente técnica, não jurídica, de modo que a integração do conceito no caso concreto demanda uma análise casuística da fundamentação adotada pelo setor técnico responsável.

Também no que tange à abrangência do valor significativo existe uma abertura conceitual. A definição do que seria significativo também demanda uma avaliação casuística, já que a lei não estabelece a significância em termos percentuais.

Sobre esse tema, é importante pontuar que a Portaria nº 108, de 1/2/2008/DNIT estabeleceu, em seu artigo 2º, que "os itens de maior relevância são entendidos como aqueles que constem do objeto licitado em valor igual ou superior a 4% (quatro por cento)":

"Portaria DNIT nº 108 de 01/02/2008

O DIRETOR-GERAL DO DEPARTAMENTO NACIONAL DE INFRA-ESTRUTURA DE TRANSPORTES-DNIT, no uso das atribuições que lhe conferem, o artigo 21, incisos II e IV, e §1º, da Estrutura Regimental aprovada pelo Decreto nº 5.765, de 27 de abril de 2006, publicada no DOU de 28.04.2006, com fundamento nas disposições da Lei nº 8.666, de 21 de junho de 1993, e suas alterações posteriores, tendo em vista o constante no Processo nº 50600.011470/2007-92,

Considerando determinações do Ministério dos Transportes, por meio da Instrução Normativa nº 01, de 4 de outubro de 2007, e do egrégio Tribunal de Contas no que diz respeito aos procedimentos e exigências a serem adotados quanto às capacitações técnicas previstas nos editais de licitação, resolve:

Artigo 1º. Determinar que a exigência de Capacitação Técnica se restrinja aos itens de maior relevância técnica e financeira contidos no objeto a ser licitado em número máximo de oito e não superior a 50% das quantidades licitadas para o serviço específico.
Artigo 2º. Os itens de maior relevância são entendidos como aqueles que constem do objeto licitado em valor igual ou superior a 4%".

É necessário ressaltar que ainda que a Portaria do DNIT não fosse vinculante para a administração pública estadual ou municipal, a exigência de atestado para itens que representasse, relevância inferior a 4% tendia a conflitar com o posicionamento do Tribunal de Contas da União, consoante se observa abaixo:

"A primeira impropriedade referiu-se à exigência de comprovação de capacitação técnico-profissional para elementos que não se referiam às parcelas de maior relevância técnica e valor significativo da obra  no caso concreto, de itens equivalentes a 4,3%, 2,1% e 0,3% do total orçado, em desatenção à Lei 8.666/1993, artigo 30, §1º, inciso I. […]

De mais a mais, a recorrente sustenta que a simples publicidade das regras licitatórias e igualdade no tratamento prestado aos licitantes supririam a restrição à competitividade. Tal entendimento é flagrantemente equivocado, visto que a exigência de capacitação técnico-profissional em relação a parcelas não relevantes do objeto da licitação ofendeu o artigo 30, §1º, inciso I, acima mencionado, o que afasta indevidamente potenciais licitantes. Acertada a rejeição do argumento pela Serur, portanto. (AC-0983-20/08-P).

9.6 Determinar à Secretaria Municipal de Jaraguá do Sul/SC que, em futuras licitações envolvendo recursos federais:
9.6.1. por ocasião da avaliação da qualificação técnico-operacional das empresas licitantes:

(…)

9.6.1.2. não estabeleça percentuais mínimos acima de 50% dos quantitativos dos itens de maior relevância da obra ou serviço, salvo em casos excepcionais, cujas justificativas para tal extrapolação deverão estar tecnicamente explicitadas, ou no processo licitatório, previamente ao lançamento do respectivo edital, ou no próprio edital e seus anexos, em observância ao inciso XXI DO artigo 7 DA Constituição Federal; inciso I do §1º do artigo 3º e inciso II do artigo 30 da Lei 8.666/93.

29. Ante ao exposto, considera-se que a exigência de comprovação de capacidade técnica para os serviços 'desmonte controlado de rocha', 'fabricação e montagem de vigas com comprimento24,00m' e 'execução de concreto armado25 MPa', por sua baixa significância em termos financeiros, ferem a competitividade e economicidade da licitação (artigo 3º, caput e §1º, inciso I, artigo 30 inciso I da Lei 8.666/93). Ainda, cabe determinar à Secretaria de Transportes de Pernambuco que, nos próximos certames destinados à construção, restauração, conservação ou manutenção de rodovias a serem executados total ou parcialmente com dinheiros da União, atente para os ditames da portaria 108/2008-DNIT, especialmente quanto a classificação, número máximo e percentual de exigência dos serviços mais relevantes do contrato quanto a experiência técnica profissional ou operacional. (ACÓRDÃO 2088/2004-P)".

Cite-se, ainda, o verbete de número 263 de Súmula do Tribunal de Contas da União:

"SÚMULA Nº 263: “Para a comprovação da capacidade técnico-operacional das licitantes, e desde que limitada, simultaneamente, às parcelas de maior relevância e valor significativo do objeto a ser contratado, é legal a exigência de comprovação da execução de quantitativos mínimos em obras ou serviços com características semelhantes, devendo essa exigência guardar proporção com a dimensão e a complexidade do objeto a ser executado".

O problema é que atentar apenas para um percentual rígido acerca do valor significativo poderia acabar deixando em segundo plano a questão da maior relevância.

Em outras palavras, focar apenas na questão do valor pode gerar distorções que impeçam a administração pública de exigir requisitos tecnicamente necessários para a garantia do cumprimento das obrigações contratuais. Com isso, a contratação restaria fragilizada, já que não seria possível exigir experiência dos licitantes no que tange a parcelas tecnicamente relevantes para a conclusão do objeto, o que, por sua vez, tem o potencial de causar prejuízos à administração.

No âmbito de aplicação da Lei nº 14.133/2021, a questão está resolvida. A documentação necessária à comprovação das qualificações ficar restrita às hipóteses previstas no caput do artigo 67 da norma e, no que tange aos atestados, a exigência deverá estar restrita às parcelas de maior relevância ou valor significativo do objeto da licitação, de acordo com o artigo 67, §1º, da Lei nº 14.133/2021.

Para a determinação do valor significativo do objeto, a norma citada prevê que devem ser consideradas aquelas parcelas que tenham valor individual igual ou superior a 4% do valor estimado da contratação, incorporando, assim, a previsão do DNIT.

Dessa forma, a nova lei adota uma solução que evita as distorções expostas e acaba racionalizando as exigências necessárias para a comprovação da qualificação técnico-operacional dos licitantes, cabendo aos setores técnicos a avaliação acerca de qual forma de exigência de atestados é mais adequada para cada objeto contratual.

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