Opinião

Apuração de infrações ambientais e o Decreto federal nº 11.373/2023

Autor

  • Bruno Oliveira de Souza Kryminice

    é procurador do Município de Campo Largo/PR coordenador jurídico da área ambiental no escritório CMT Advogados professor universitário especialista em Direito Administrativo pelo Instituto Bacellar e Direito Constitucional pela Academia Brasileira de Direito Constitucional (ABDCONST) mestre e doutorando do Programa de pós-graduação em Meio Ambiente e Desenvolvimento da Universidade Federal do Paraná (PPGMADE -UFPR) membro das Comissões de Direito Ambiental e de Direito das Cidades da Ordem dos Advogados do Brasil - Seção do Paraná.

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20 de janeiro de 2023, 17h17

Na data de 1° de janeiro, foi publicado o Decreto nº 11.373/2023, que altera e revoga diversos dispositivos do Decreto federal nº 6.514, de 22 de julho de 2008, buscando alterar pontos controversos do procedimento administrativo federal para apuração de infrações ambientais, sem alterar as tipologias das infrações ambientais. As mudanças promovidas foram exclusivamente sobre o aspecto procedimental, com forte incidência da restauração da vigência, de forma não expressa, de vários dispositivos que haviam sido revogados pelos Decretos nº 9.760, de 11 de abril de 2019 e nº 11.080, de 24 de maio de 2022.

Vejamos agora as inovações trazidas pelo Decreto Federal nº 11.373/2023.

Como primeira alteração, restaurou-se a destinação ao Fundo Nacional do Meio Ambiente (FNMA) no percentual de 50% dos valores arrecadados em pagamento de multas aplicadas pela União, podendo o referido percentual ser alterado, a critério dos órgãos arrecadadores, nos termos do artigo 13.

Em consonância com a Lei nº 13.709, de 14 de agosto de 2018 — Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (LGPD), os autos de infração, os processos administrativos deles originados e os polígonos de embargo são públicos e deverão ser disponibilizados à população via sítio oficial na internet, devendo o órgão responsável pela autuação manter base de dados pública de todos os autos de infração emitidos e disponibilizá-la à população via sítio oficial na Internet.

Uma importante inovação trazida pelo Decreto Federal nº 11.373/2023, e que veio respaldar uma prática já utilizada pelas equipes de fiscalização dos órgãos ambientais, é a expressa inclusão das imagens de satélite como meio de provas nas autuações ambientais. Tal prática, que era alvo de críticas pelos autuados, acompanhava o relatório de fiscalização com o título de "quaisquer outras informações consideradas relevantes", prevista no artigo 98, V, e não tinha força probatória.

Com a nova redação dada ao artigo 99, o auto de infração que apresentar vício sanável poderá ser convalidado de ofício pela autoridade julgadora, mediante despacho saneador, devidamente justificado, sendo revogada a reabertura de prazo para a defesa, o que representa grave prejuízo à defesa do Autuado.

O Decreto Federal nº 11.373/2023 também revogou a contradita técnica do órgão ambiental responsável pela autuação, documento de essencial importância para a instrução do processo de apuração de infração ambiental, e que continha as informações e esclarecimentos prestados pelo agente autuante necessários à elucidação dos fatos que originaram o auto de infração, ou das razões alegadas pelo autuado, facultado ao agente, nesta fase, opinar pelo acolhimento parcial ou total da defesa.

Com o novo regramento, a produção de provas, tais como o parecer técnico ou a contradita do agente autuante, fica a critério da autoridade julgadora, que poderá requisitar a sua produção, especificando o objeto a ser esclarecido.

Em relação à notificação para apresentação de alegações finais nos processos de apuração de infrações ambientais, o setor de instrução publicará em sua sede administrativa e na internet a relação dos processos que entrarão na pauta de julgamento, sendo que a única alteração em relação à notificação ao autuado, foi para os casos em que a mesma ocorrer por "qualquer outro meio válido" (artigo 122, §2º, III), onde ocorreu a supressão da expressão, "que assegure a certeza da ciência", o que também representa prejuízo à defesa do Autuado, uma vez que o mesmo poderá ser julgado sem ter tido a oportunidade de exercer efetivamente as garantias constitucionais do contraditório e ampla defesa.

A conciliação ambiental, instituída através do Decreto nº 9.760/2019, como uma das soluções legais possíveis para encerrar o processo de forma célere, dispensando a instrução e julgamento, foi revogada.

Com a revogação dos dispositivos relacionados à conciliação ambiental, agora caberá ao autuado, conforme procedimento originário do Decreto Federal nº 6.514/2008, no prazo de 20 dias a contar do recebimento do auto de infração optar por apenas duas opções: 1) apresentar defesa ou impugnação contra o auto de infração, podendo ser representado por advogado ou procurador legalmente constituído, anexado à defesa o instrumento de procuração, podendo ser concedido o prazo de até 15 dias para a sua juntada; ou; 2) aderir a uma das seguintes soluções legais possíveis para o encerramento do processo: a) pagamento da multa com desconto; b) parcelamento da multa (com incidência de juros e correção); ou; c) conversão da multa em serviços de preservação, de melhoria e de recuperação da qualidade do meio ambiente. A adesão a uma das soluções legais previstas no inciso II, do §5º, do artigo 96, deverá ser estimulada pela administração pública, sendo que o procedimento para a adesão será estabelecido em regulamento do órgão ou da entidade ambiental responsável pela apuração da infração ambiental.

Destaca-se que, com a revogação dos §§1º e 2º do artigo 113, não existe mais a possibilidade do desconto de 30% ser aplicado em caso de o Autuado optar pelo parcelamento da multa, incidindo o desconto apenas para o pagamento à vista.

Em relação à conversão da multa em serviços de preservação, de melhoria e de recuperação da qualidade do meio ambiente, o Programa de Conversão de Multas Ambientais emitidas por órgãos e entidades da União, integrantes do Sistema Nacional do Meio Ambiente (Sisnama), na redação dos artigos do Decreto nº 6.514/2008, já havia sido instituído pelo Decreto nº 9.179/2017, tendo seu procedimento sofrido alterações pelo novel Decreto Federal.

Nos termos da nova redação dos artigos 142 e 142-A, o pedido de conversão poderá ser realizado até o momento da apresentação das alegações finais, momento em que optará pela: a) conversão direta, com a implementação, por seus meios, de serviço de preservação, de melhoria e de recuperação da qualidade do meio ambiente, no âmbito de, no mínimo, um dos objetivos previstos no caput do artigo 140, possibilitando-se a participação conjugada de mais de um autuado na execução do objeto da conversão de multas, ou; b) conversão indireta, com adesão a projeto previamente selecionado pelo órgão federal emissor da multa, na forma estabelecida no artigo 140-B, observados os objetivos previstos no caput do artigo 140, podendo o autuado outorgar poderes ao órgão federal emissor da multa para escolha do projeto a ser contemplado.

Os pedidos de conversão direta deverão ser instruídos com projeto, conforme as diretrizes estabelecidas pelo órgão federal emissor da multa, podendo ser concedido o prazo de 60 dias para a sua apresentação, bem como a autoridade poderá determinar ao autuado que proceda, em prazo predefinido, as emendas, revisões e ajustes no projeto, incluído o objetivo de adequá-lo ao valor consolidado da multa a ser convertida, sob pena de indeferimento do pedido de conversão da multa.

A autoridade julgadora deverá, em decisão única, julgar o auto de infração e o pedido de conversão da multa por ocasião do julgamento do auto de infração. No caso de a autoridade ambiental deferir o pedido de conversão, aplicará sobre o valor da multa consolidada, o desconto conforme abaixo esquematizado:

 

Requerimento de conversão quando do oferecimento da defesa

Requerimento de conversão entre a apresentação da defesa e o prazo das alegações finais

Conversão direta

40% de desconto

35% de desconto

Conversão indireta

60% de desconto

50% de desconto

O valor dos custos dos serviços ambientais será igual ou superior ao valor da multa convertida e o valor resultante do desconto não poderá ser inferior ao valor mínimo legal aplicável à infração. Ainda na hipótese de decisão favorável do pedido de conversão, o Autuado será notificado para comparecer à unidade administrativa indicada pelo órgão federal do emissor da multa para assinatura do termo de compromisso que vigerá pelo prazo de execução do serviço ambiental ou da sua quota-parte no projeto escolhido.

Houve o retorno das condições incluídas pelo Decreto Federal nº 9.179/2017, e que haviam sido revogadas pelo Decreto Federal nº 9.760/2019, sobre o conteúdo do Termo de Compromisso na conversão das multas, que novamente deverá conter: 1) comprovante de depósito integral ou de parcela em conta garantia em banco público, observado o previsto no §3º-A do artigo 143, referente ao valor do projeto selecionado ou à respectiva cota-parte de projeto, nos termos definidos pelo órgão federal emissor da multa; 2) a outorga de poderes do autuado ao órgão federal emissor da multa para a escolha do projeto a ser apoiado, quando for o caso; 3) contemplar a autorização do infrator ao banco público, detentor do depósito do valor da multa a ser convertida, para custear as despesas do projeto selecionado; 4) prever a inclusão da entidade selecionada como signatária e suas obrigações para a execução do projeto contemplado; e 5) estabelecer a vedação do levantamento, a qualquer tempo, pelo autuado ou pelo órgão federal emissor da multa, do valor depositado na conta garantia, na forma estabelecida no inciso I, do §3º-A, do artigo 146.

Ressalte-se que dentre as cláusulas obrigatórias, o termo de compromisso deverá também prever a regularização ambiental e a reparação dos danos decorrentes da infração ambiental.

O deferimento do pedido de conversão suspende o prazo para interposição de recurso hierárquico, e, em caso de indeferimento do pedido de conversão, caberá recurso hierárquico, no prazo de 20 dias, conforme previsto no artigo 127.

Nos casos de deferimento da conversão indireta, o valor consolidado nominal da multa a ser convertida poderá ser parcelado em até 24 parcelas mensais e sucessivas, sobre as quais incidirá reajuste mensal com base na variação do Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) (artigo 143, §3-A).

Os custos decorrentes de serviços bancários necessários à operacionalização da conversão de multa no caso de conversão indireta serão deduzidos dos valores obtidos por meio dos rendimentos sobre os valores depositados em conta garantia em banco público, até o limite dos referidos custos, sendo que o autuado será intimado a complementar o valor, no caso de o resultado dos rendimentos sobre os valores depositados não serem suficientes para a cobertura dos custos bancários. Caso os rendimentos sejam superiores ao valor devido aos custos bancários, o excedente será aplicado integralmente na prestação de serviços ambientais estabelecidos pelo órgão federal emissor da multa, conforme estabelecido no artigo 140.

Ainda, o órgão federal emissor da multa definirá as diretrizes e os critérios para os projetos e a forma de acompanhamento e de fiscalização da execução dos serviços prestados em decorrência das multas a serem convertidas, devendo instituir Câmara Consultiva Nacional para subsidiar a estratégia de implementação do Programa de Conversão de Multas Ambientais no que se refere às infrações apuradas por ele, que será presidida pelo órgão federal emissor da multa e contemplará a participação, além de seus representantes, do Ministério do Meio Ambiente e de seus órgãos vinculados, bem como da sociedade civil, podendo-se criar câmaras regionais ou estaduais e grupos de trabalho direcionados a territórios, temas ou projetos específicos. A inovação legislativa teve por objetivo subsidiar os casos de conversão indireta, podendo a Câmara Consultiva Nacional apresentar as áreas prioritárias ou os programas a serem beneficiados com os serviços decorrentes da conversão.

Outro retorno de normas incluídas pelo Decreto Federal nº 9.179/2017, e que haviam sido revogadas pelo Decreto Federal nº 9.760/2019, diz respeito a possibilidade dos órgãos federais realizarem chamamentos públicos para selecionar projetos apresentados por órgãos e entidades, públicas ou privadas sem fins lucrativos, para a execução dos serviços de preservação, melhoria e recuperação da qualidade do meio ambiente, em áreas públicas ou privadas, podendo ser realizados de forma conjunta pelos órgãos federais.

Por fim, em atenção à segurança jurídica dos atos jurídicos perfeitos, garantiu-se ao Autuado que tenha solicitado a conversão da multa em serviços de preservação, de melhoria e de recuperação da qualidade do meio ambiente antes do dia 01º de janeiro de 2023, a adequação às novas previsões trazidas pelo Decreto Federal nº 11.373/2023, tais como a concessão de maiores percentuais de descontos, conforme a modalidade de conversão solicitada, bem como a adoção do seu novo procedimento apresentado.

O Decreto Federal nº 11.373/2023 entrou em vigor na data de sua publicação.

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  • é procurador do Município de Campo Largo/PR, coordenador jurídico da área ambiental no escritório CMT Advogados, professor universitário, especialista em Direito Administrativo pelo Instituto Bacellar e Direito Constitucional pela Academia Brasileira de Direito Constitucional (ABDCONST), mestre e doutorando do Programa de pós-graduação em Meio Ambiente e Desenvolvimento da Universidade Federal do Paraná (PPGMADE -UFPR), membro das Comissões de Direito Ambiental e de Direito das Cidades da Ordem dos Advogados do Brasil - Seção do Paraná.

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