Opinião

Responsabilidade civil em face dos ataques golpistas aos Poderes

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10 de janeiro de 2023, 6h31

"Ataques terroristas aos três Poderes" [1] é a notícia mais recente nos grandes meios de comunicação.

Não existe qualquer dúvida de que os golpistas que invadiram e depredaram os prédios dos Três Poderes da República em Brasília deverão responder civilmente e penalmente pelos seus atos.

Entretanto, vendo as imagens dos ataques terroristas, algo chama a atenção: a total omissão da Polícia do Distrito Federal em conter os terroristas, inclusive com policiais tomando água de coco [2] na hora dos ataques ou, ainda, tirando selfies com os invasores [3].

Desse modo, uma dúvida fica no ar: como se dá a responsabilidade civil do poder público e dos agentes público no presente e lamentável caso? É o que se pretende responder no presente artigo por meio de uma metodologia descritiva e exploratória.

1. Da responsabilidade civil do Distrito Federal
As ações analisadas no presente artigo representam um caso de responsabilidade extracontratual da Administração Pública, que é aquela que não decorre de um contrato público.

Quanto ao tema, Celso Antônio Bandeira de Mello afirma:

"Entende-se por responsabilidade patrimonial extracontratual do Estado a obrigação que lhe incube de reparar economicamente os danos lesivos à esfera juridicamente garantida de outrem e que lhe sejam imputáveis em decorrência de comportamentos unilaterais, lícitos ou ilícitos, comissivos ou omissivos, materiais ou jurídicos" [4].

Pelo conceito do autor supracitado, podemos perceber que o estudo da Responsabilidade Extracontratual se baseia na análise da responsabilização civil do poder público pelos danos decorrentes dos atos praticados pela administração, sejam atos lícitos ou ilícitos, sejam atos omissivos ou comissivos.

Nesse sentido, a nossa Constituição atual, no parágrafo 6º do artigo 37, afirma:

"§6º – As pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa. (grifos nossos)".

Assim, conforme o Texto Constitucional supra, as pessoas jurídicas de direito público responderão pelos atos praticados pelos seus agentes no exercício da função, ao menos como regra, de forma objetiva, ou seja, independentemente da comprovação de dolo ou culpa,

Desta feita, os atos praticados pelo agente público no exercício da função devem ser imputados ao próprio poder público, seja em face da Teoria do Órgão [5], seja em face do princípio da impessoalidade [6], seja em face do princípio da imputação volitiva [7].

Desse modo, quando os policiais se omitiram em evitar e reprimir as invasões e as depredações, quem se omitiu foi o próprio governo do Distrito Federal, cabendo a ele qualquer responsabilização.

Entretanto, no presente caso houve uma omissão do poder público e não uma ação, o que faz surgir uma pergunta? Como se dá a responsabilidade do Estado na omissão? É o que veremos no tópico seguinte.

2. Da responsabilidade do poder público na omissão
Quando falamos em responsabilidade objetiva da administração pública estamos querendo dizer responsabilidade pelos atos comissivos (decorrentes de uma ação) praticados por ela, pois em relação aos atos omissivos a doutrina e a jurisprudência entendem pela necessidade, como regra, da comprovação de dolo ou culpa, ou seja, podemos afirmar que a responsabilidade pelos danos decorrentes dos atos omissivos praticados pela administração pública é, como regra, subjetiva
[8], sendo esse o entendimento do Supremo Tribunal Federal (STF) [9].

Em vista do aludido, não basta um dano decorrente de uma omissão estatal para se caracterizar o dever de indenizar, é necessário que a omissão seja culposa ou dolosa, ou seja, é necessário que a administração tivesse o dever de agir e tenha se omitido. Não podemos, por exemplo, culpar o ente público toda vez que formos assaltados na rua, alegando que o dano decorreu da falta de segurança que é dever do Estado, mas se ficar comprovado a prática de um assalto ao lado de uma viatura policial e que os policiais se omitiram de forma negligente, não impedindo o dano, apesar de ser possível evitá-lo, aí sim teremos a possibilidade de o Estado responder pelos atos praticados pelos seus agentes.

Foi o que, ao menos em uma análise inicial, aconteceu no presente caso, pois nas imagens dos policiais tomando água de coco ou abraçando os manifestantes claramente se vê uma omissão dolosa. Além disso, tratou-se de um ataque amplamente anunciado, o que deixa clara uma omissão opcional do governador do Distrito Federal, que, inclusive, já foi suspenso das suas funções [10].

Assim, o Distrito Federal deve ser responsabilizado pelo acontecido, mas como se dá a responsabilização dos próprios agentes públicos envolvidos? É o que veremos no próximo tópico.

3. Da responsabilidade civil dos agentes públicos
O mesmo parágrafo 6º do artigo 37 acima mencionado afirma que ficará "assegurado o direito do regresso nos casos de dolo ou culpa". Desta feita, o dispositivo acima adotou o entendimento de que o agente público que praticou o ato ou a omissão dolosa ou culposa não responderá de forma objetiva, e sim, tão-somente, se ficar comprovado que agiu com dolo ou culpa, sendo o dolo no caso em questão evidente, tendo em vista as imagens

Desse modo, para que o agente causador do dano seja então responsável, urge a necessidade dos seguintes requisitos:

– Comprovação de que com dolo ou culpa e que dessa ação foi gerado um dano;
– A condenação da Administração Pública ao pagamento dos prejuízos decorrentes do referido dano;
– O pagamento efetivo realizado pela Administração, uma vez que não há o que se falar em ressarcimento se não houve prejuízo.

Diante dessa situação, surgem duas dúvidas: é possível ou até mesmo obrigatória a denunciação à lide do servidor? É possível entrar diretamente com a ação contra o servidor público?

Quanto à denunciação à lide, o tema ainda é polêmico. Em verdade, já é pacífico que a mesma, diferentemente do que acontece com os particulares, não é obrigatória para o poder público em relação ao servidor. Entretanto ainda não há uma unanimidade em relação a ser possível a referida denunciação, prevalecendo, no entanto, o entendimento de que ela não é possível, como regra, porque traria um elemento novo ao processo, qual seja: a culpa ou dolo. Acontece que no caso dos policiais do DF, conforme visto acima, a responsabilização do próprio poder público se dará de forma subjetiva com a necessidade de comprovação de dolo ou culpa por se tratar de uma omissão, o que acabar por viabilizar a denunciação à lide.

Quanto à possibilidade de entrar com a ação diretamente contra o servidor público, o Supremo Tribunal Federal entende que não seria possível a responsabilização "per saltum", pois responder apenas por meio de uma ação de regresso é uma forma de proteger o próprio servidor, existindo, assim, uma dupla garantia: uma para o lesado, de ser ressarcido e outra para o servidor, de só responder por meio de uma ação de regresso. (vide: Recurso Extraordinário 327.904).

Conclusão
Vivemos tempos sombrios nos quais pessoas revoltadas com o resultado de uma eleição democrática atacam os três Poderes da Repúblicas.

De antemão, importante lembrar que os grandes responsáveis pelo acontecido são os golpistas, que devem responder civilmente e criminalmente pelas invasões e pelas depredações.

Entretanto, o recorte do presente estudo se dá em relação ao poder público e aos agentes públicos, que também devem, assegurando o contraditório e a ampla defesa, serem responsabilizados.

Frise-se, outrossim, que a responsabilidade civil independe da responsabilidade penal e da reponsabilidade funcional, que também devem acontecer.

No mais, a responsabilização no presente caso não é apenas uma questão de reparação de um dano, nem apenas uma forma de se fazer justiça, mas sim uma forma de preservar a nossa democracia.

 


Referências

ARAGÃO, Alexandre Santos. Curso de Direito Administrativo. 2ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2013.

CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de Direito Administrativo. 34ªed. São Paulo: Atlas, 2020.

DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. 33ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2020.

MARINELA, Fernanda. Direito Administrativo. 12ª ed. São Paulo: Saraiva Educação, 2018

MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso De Direito Administrativo. 18. ed. São Paulo: Malheiros. 2004.

 


[4] MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso De Direito Administrativo. 18ª ed. São Paulo: Malheiros. 2004. p.917.

[5]DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. 33ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2020. p.684.

[6]ARAGÃO, Alexandre Santos. Curso de Direito Administrativo. 2ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2013. p.71.

[7]CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de Direito Administrativo. 34ªed. São Paulo: Atlas, 2020. p.13.

[8]ARAGÃO, Alexandre Santos. Curso de Direito Administrativo. 2ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2013. p.585.

[9]Vide: Recurso Extraordinário 237.561-RS.

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