Opinião

2023: novas estratégias para o Sistema de Indicações Geográficas europeu

Autor

  • Anita Mattes

    é doutora pela Université Paris-Saclay mestre pela Université Panthéon-Sorbone professora nas áreas de Direito Internacional e Patrimônio Cultural cultore della materia na Università degli Studi di Milano-Bicocca e conselheira do Instituto Brasileiro de Direitos Culturais (IBDCult).

16 de janeiro de 2023, 9h45

O presente ano promete ser desafiador para o sistema de Indicações Geográficas (IG) na União Europeia. Isso porque, em 2022, a Comissão Europeia apresentou uma proposta de estudo e revisão da legislação do sistema de IG para produtos agrícolas, vinhos e bebidas alcoólicas [1], com o escopo de obter uma nova norma unificadora entre os estados até o final de 2023.

As indicações geográficas — mecanismo jurídico destinado à proteção de direitos relativos à propriedade intelectual —, identificam e registram produtos com suas qualidades, características ou notoriedades decorrentes de fatores naturais e humanos ligados à sua origem territorial. Entre as mais famosas, temos o queijo parmigiano reggiano, o roquefort, o champagne, o prosecco e diversas outras. Elas constituem, assim, um direito de propriedade intelectual, reconhecido internacionalmente desde 1883 [2], destinado a promover a concorrência leal entre produtores, evitando usos de má-fé ou práticas fraudulentas e enganosas.

Num período em que o valor da matéria-prima agrícola aumentou desmesuradamente, principalmente devido à pandemia de Covid-19, as cadeias produtivas de qualidade, como as IGs, causam um forte impacto na atividade econômica, cultural e social das regiões onde estão inseridas. Os produtos IGs possibilitam, deste modo, que os produtores locais permaneçam em seu território de origem e busquem caminhos alternativos de salvaguarda da sua paisagem nas dimensões cultural, espacial, ecológica e econômica [3].

Nesse contexto, as IGs, além de fazer parte do patrimônio cultural e gastronômico de um país, vem desempenhando, nas últimas décadas, um papel cada vez mais relevante nas negociações comerciais locais e internacionais. Na Europa, por exemplo, as vendas de produtos agrícolas, alimentares e bebidas protegidos por Indicação Geográfica resultaram, nos últimos anos, um valor aproximado de venda 74.760 milhões de euros, representando 15,5% do total das exportações agroalimentares da União Europeia [4].

Contudo, apesar de atualmente, na União Europeia, existir mais de 3.459 IGs devidamente registradas — sendo 1.624 denominações de vinho, 1.576 de produtos alimentares agrícolas e 259 de bebida alcoólica —, com um sistema que cumpre uma função importante, a Comissão Europeia crê ainda na necessidade do seu maior fortalecimento visando melhor fornecimento de alimentos de alta qualidade e proteção dos produtos autênticos agrícolas e alimentares locais em todo o território [5].

Deste modo, a proposta de estudo e revisão da legislação do sistema de IG para produtos agrícolas, vinhos e bebidas alcoólicas apresentada pela Comissão Europeia, a ser desenvolvida em 2023, tem como principais objetivos: a difusão do sistema em todo o território, a melhora da proteção e do controle das IG, em particular no âmbito da venda on-line, que vem se tornando um canal cada vez mais relevante e, por fim, a unificação, simplificação e aceleração dos procedimentos de registros das IGs juntos aos órgãos competentes.

Outro ponto relevante da reforma é propiciar uma maior atenção na questão da sustentabilidade, consequência direta da política europeia Farm-to-Fork ("da fazenda ao garfo"), aprovada em 2022 pelo Parlamento Europeu [6], que visa, em dez anos, a implantação de um sistema alimentar voltado para medidas e objetivos que envolvem toda a cadeia alimentar, desde a produção, distribuição, até o consumo final.

A competitividade dos produtos agroalimentares europeus está intimamente ligada ao conceito de qualidade e a sua proteção é uma componente fundamental das políticas da União Europeia. Nesse contexto, parece que 2023 será um ano de muito trabalho para o setor. Espera-se que do estudo e da revisão da legislação do sistema de IG proposta pela Comissão Europeia surjam iniciativas interessantes e concretas que possam melhorar os padrões e qualidade alimentar, aprimorando a defesa do patrimônio cultural, gastronômico e local, por meio de uma certificação célere e eficaz dos produtos típicos europeus.

 


Notas

[1] Ver em: https://eur-lex.europa.eu/legal-content/PT/TXT/PDF/?uri=CELEX:52022PC0134R(01)&from=EN.

[2] Ver em: https://www.wipo.int/treaties/en/ip/paris

[3] Veja mais sobre o assunto em tese de doutorado de Henrique Budal Arins, defendida em 19/12/2022, na Univille (Universidade da Região de Joinville) com o tema "Tensão nas narrativas de (des)uso da paisagem cultural: comunicação e sustentabilidade na denominação de origem da banana da região de Corupá".

[4] Veja "Estudo sobre o valor econômico dos regimes de qualidade da UE, indicações geográficas (IGs) e especialidades tradicionais garantido (TSGs)", https://www.qualivita.it/wp-content/uploads/new/2020/04/20200420_VALORE-DOP-IGP-COMM.-UE.pdf

[5] Disponível em https://www.qualivita.it/wp-content/uploads/2022/04/PROPOSTARIFORMAIG-ITA.pdf.

[6] Disponível em: https://ec.europa.eu/food/system/files/2020-05/f2f_action-plan_2020_strategy-info_en.pdf

Autores

  • é doutora pela Université Paris-Saclay, mestre pela Université Panthéon-Sorbone, professora nas áreas de Direito Internacional e Patrimônio Cultural, cultore della materia na Università degli Studi di Milano-Bicocca e conselheira do Instituto Brasileiro de Direitos Culturais (IBDCult)

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