Opinião

Considerações sobre a MP 1.153/22: o seguro de transporte e a cláusula DDR

Autor

  • Paulo Henrique Cremoneze

    é advogado sócio fundador de Machado Cremoneze Lima e Gotas Advogados Associados mestre em Direito Internacional pela Universidade Católica de Santos especialista em Direito dos Seguros em Contratos e Danos e em Direito Processual Civil e Arbitragem pela Universidade de Salamanca professor de Direito dos Seguros membro efetivo da Academia Nacional de Seguros e Previdência da Associação Internacional de Direito dos Seguros (Aida-Brasil) do Instituto dos Advogados de São Paulo (Iasp) da Ius Civile Salmanticense (Espanha) vice-presidente da União dos Juristas Católicos de São Paulo (Ujucasp) presidente do Instituto de Direito dos Transportes (IDTBrasil) membro do Clube Internacional de Seguros de Transportes (Cist) autor de livros de Direito dos Transportes e Direitos dos Seguros associado da Sociedade Visconde de São Leopoldo e laureado pela OAB-Santos pelo exercício ético e exemplar da profissão.

12 de janeiro de 2023, 11h15

"Tudo deve mudar para que tudo fique como está"
Giuseppe Tomasi di Lampedusa, Il Gattopardo.

 

O ano começou especialmente agitado no campo do seguro de transporte.

Isso por causa da MP nº 1.153, de 29 de dezembro de 2022, que dispõe sobre "a prorrogação da exigência do exame toxicológico periódico, altera a Lei nº 9.503 de 23 de setembro de 1997, que institui o Código de Trânsito Brasileiro, altera a Lei nº 11.442, de 5 de janeiro de 2007, quanto ao seguro de cargas, e altera a Lei nº 11.539, de 8 de novembro de 2007, quanto às cessões de Analistas de Infraestrutura de Especialistas em Infraestrutura Sênior".

Muita gente, compreensivelmente, cogita possível morte da cláusula DDR.

Em conversa inicial, informal, meu sócio Marcio Gotas disse: "Li o texto da MP e essa nota (a da NTC). Minha opinião é que ela pôs fim à DDR, pois o transportador terá liberdade de escolher o seu seguro de RCTR-C e RCF-DC, não se sujeitando as regras de gerenciamento de risco da apólice do embarcador. Eu vejo com bons olhos essa medida".

Excelentes profissionais do mercado segurador pensa igualmente.

Em não poucos e ótimos textos nas redes sociais, li opiniões interessantíssimas.

De um amigo, recebi um comentário inteligentíssimo que destaca que o ponto mais sensível da MP é o de o embarcador (segurado) não poder exigir medidas de gerenciamento de riscos para os fins do seguro.

Ele entende (e estou com ele) que isso não anula necessariamente a DDR, embora torne mais difícil sua concessão. Haverá maior seletividade por parte das seguradoras e, claro, endurecimento nas negociações.

Considero tudo isso, é verdade, e não descarto a possibilidade de morte, por imperativos lógico e ontológico, da cláusula DDR.

Todavia, acredito que é importante aguardar a movimentação mercadológica e como os legítimos interesses comerciais e econômico-financeiros se ajustarão à novidade normativa para, enfim, se decretar ou não a morte da cláusula.

Como as seguradoras reagirão ao conteúdo da MP é o que definirá a continuidade ou não da DDR. Embora pense como meu sócio Marcio Gotas, não consigo enxergar ainda o fim da cláusula, dados os legítimos interesses econômico-comerciais nele imbrincados.

Sei que a cláusula DDR é fonte de constantes problemas para os que buscam o ressarcimento de indenização de seguro de transporte, mas é algo bom ao negócio de seguro como um todo. Exatamente por isso é que talvez conveniente aguardar um pouco mais.

A depender das movimentações e do diálogo entre o mercado, o governo e o poder legislativo, é possível até que a MP não seja renovada e tudo isso esvazie-se naturalmente, mantendo-se as coisas como até aqui se encontravam e, em verdade, ainda se encontram.

De outro amigo, cujo juízo é digno de atenção, recebi algo que tomo a liberdade de compartilhar porque muito interessante: "Ótimos comentários (…) A única razão deles cogitarem a preservação da DDR é econômica, pois não faz sentido (salvo alguma particularidade que não consigo enxergar sem analisar uma situação comercial específica). Notem que quebramos DDR em três hipóteses: culpa grave do transportador; descumprimento do PGR; evento contemplado no RCTR-C do transportador. O embarcador poderá continuar a exigir que a seguradora conceda uma isenção para seu prestador de serviços (transportador), mas as situações em que o transportador não averbará o embarque na sua própria apólice ficarão mais restritas. Penso que nada muda na prática. Apenas que mais prêmio será recolhido, pois o transportador, que deixa de se sujeitar as regras de gerenciamento de risco do embarcador, comunicará os sinistros em sua própria apólice de seguro".

Esse comentário, como o do meu sócio Marcio Gotas e a preocupação de outro amigo, todos mais acima expostos, merecem nossas atenções e são pontos importantes de reflexão.

Por razões pessoais, ainda não consegui me debruçar com a devida e merecida atenção sobre o teor dessa espécie normativa, cuja redação é confusa, imprecisa.

Comprometo-me fazê-lo em breve e em regime de urgência.

Evidentemente que o que mais chamou a atenção foi exatamente a parte que trata do seguro de transportes e, em especial, da cláusula DDR. Há na MP, porém, outras disposições que merecem especial atenção, porque talvez impactem no pagamento ou não de indenizações de seguros e no eficaz exercício do ressarcimento em regresso contra transportadores.

Tenho, porém, lido e ouvido muitas ótimas opiniões, não poucas contraditórias, o que aguça o desejo de me dedicar ao teor da norma e buscar veraz inteligência a respeito.

O assunto é espinhoso, sem dúvida, e até sobre a constitucionalidade da medida fui indagado, o que exige, sem sombra de dúvida, um estudo muito cuidadoso.

Por enquanto, limito-me a reproduzir o que escrevi a um amigo e que entendo se encaixar bem ao momento:

Abro aspas

Sobre a MP e a cláusula DDR:

Em primeira análise, após ler e reler a confusa MP, levando em consideração tudo o que foi dito por amigos e o enorme e justificável interesse comercial do mercado pela cláusula DDR, não entendo sua morte. Por mais que aparentemente não haja sentido na continuidade, a experiência ensina que sempre há um sentido além do sentido para tudo. O que haverá é, ao revés, considerando o fato de o embarcador (que é o segurado), não mais exigir medidas de gerenciamento de riscos (para fins de seguro), maior facilidade para a "quebra" do benefício quando da busca do ressarcimento em regresso. Ele continuará, porém de modo esvaziado e mais facilmente contornável.

Se a seguradora emitir a cláusula, mesmo sem poder o segurado exigir do transportador dadas medidas, haverá um grande espaço de discussão sobre a concessão ou não da isenção. Como o segurado nada lhe pode exigir, por voz própria ou a ecoar a da seguradora – agora silenciada por norma legal (ainda que dependente de ratificação futura) – cai por terra matéria de defesa do transportador demandado por segurador sub-rogado, pois, por causa do poder de controle, inerente à sua atividade, do dever geral de cautela que lhe é legalmente exigível, todos os protocolos de segurança e de cuidado, mais do que nunca, serão e são exclusivamente seus. Um desvio do que se pode considerar razoável  e se lhe imputará integralmente a responsabilidade, com pouca chance de sucesso de causa de exclusão legal. Como comercialmente a DDR, tudo indica, é boa para as seguradoras, ela subsistirá, apesar do esgarçamento preventivo e o incremento da judicialização, que se manterá mais forte, ainda que por outros contornos.

Ainda reavaliarei isso tudo. O fato de acompanhar paciente em UTI em outra cidade atrapalha um pouco a concentração em estudos de temas polêmicos e normas novas. Mas, em boa-fé, penso que haverá acomodamento. Nenhuma norma, especialmente quando confusa, se sobrepõe à força do interesse econômico. Os atores dos seguros acharão modo de contornar a situação. Isso me faz lembrar o sobrinho do Príncipe das Duas Sicílias em Il Gattopardo: “É preciso mudar tudo para que tudo continue como é” ou a famosa peça de Shakespeare: “Muito barulho por nada”.

Não?

Fecho aspas

Pois bem, em que pese o alvoroço de todos nós que trabalhamos com o seguro de transporte, talvez ainda não seja o momento de tomadas de decisões e, sim, o de análises e reflexões.

Em suma: compreendo as razões dos que afirmam que não haverá mais cláusula DDR no seguro brasileiro. Em termos estritamente lógicos, a afirmação faz todo sentido. Por outro lado, os legítimos interesses comerciais talvez apontem para sua continuidade, com redesenho. Logo, em termos práticos, as mudanças talvez não sejam tão bruscas, como ora se pensa. De todo modo posso afirmar algo antecipadamente: a MP melhorará a situação do ressarcimento em regresso do seguro de transporte e exigirá, por via reclamará mais atenção aos clausulados dos seguros de RC do transportador.

O mais rapidamente possível encaminharei ensaio definitivo, mais apurado, com estudo melhor, sobre o assunto, ratificando ou retificando esse entendimento inicial.

Agradeço a honrosa atenção de todos e espero de algum modo ter ajudado.

Autores

  • é advogado, sócio fundador de Machado, Cremoneze, Lima e Gotas Advogados Associados, mestre em Direito Internacional pela Universidade Católica de Santos, especialista em Direito dos Seguros, em Contratos e Danos e em Direito Processual Civil e Arbitragem pela Universidade de Salamanca, professor de Direito dos Seguros, membro efetivo da Academia Nacional de Seguros e Previdência, da Associação Internacional de Direito dos Seguros (Aida-Brasil), do Instituto dos Advogados de São Paulo (Iasp), da Ius Civile Salmanticense (Espanha), vice-presidente da União dos Juristas Católicos de São Paulo (Ujucasp), presidente do Instituto de Direito dos Transportes (IDTBrasil), membro do Clube Internacional de Seguros de Transportes (Cist), autor de livros de Direito dos Transportes e Direitos dos Seguros, associado da Sociedade Visconde de São Leopoldo e laureado pela OAB-Santos pelo exercício ético e exemplar da profissão.

Tags:

Encontrou um erro? Avise nossa equipe!