Opinião

A localização por geotagging usada como prova digital

Autores

  • Ivana David

    é desembargadora do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo integrante da Coordenadoria Criminal e de Execuções Criminais do Tribunal de Justiça e professora do MeuCurso Cers ESA Campinas Associação dos Magistrados Brasileiros Escola Nacional de Formação e Aperfeiçoamento de Magistrados Associação Paulista de Magistrados Escola Paulista da Magistratura Escola da Magistratura do Estado de Rondônia Escola Superior da Magistratura do Espírito Santo e Escola da Magistratura do Estado do Rio de Janeiro.

  • Valéria Cheque Granato

    é licenciada em Direito e Letras pós-graduada em Direito Digital e compliance e em gramática ensino e aprendizagem da língua inglesa advogada nas áreas do Direito Digital e compliance criminal cibercrimes contratos internacionais no Brasil Chicago (EUA) e Portugal professora universitária e de pós-graduação em Direito Digital do MeuCurso UniBosco membro da Compliance Women's Committee membro imortal da Academia Internacional de Letras Jurídicas e co-fundadora das Mulheres no Metaverso.

10 de janeiro de 2023, 14h16

O ministro do STF Alexandre de Moraes acolheu a petição [1] ajuizada pela AGU no âmbito dos Inquéritos 4.781 e 4.874, que tramitam no Supremo, requerendo uma série de medidas judiciais em resposta aos atos criminosos ocorridos no dia 8 de janeiro, na Praça dos Três Poderes, em Brasília, dentre elas as de imediata desocupação de todos os prédios públicos federais em todo o país, a dissolução dos atos antidemocráticos realizados nas imediações de quartéis e outras unidades militares, e inclusive, a determinação de afastamento cautelar do governador do Distrito Federal, Ibaneis Rocha.

Há que se destacar, por oportuno, as medidas 3 e 4, respectivamente, de prisão em flagrante de todos os envolvidos nos atos criminosos decorrentes da invasão de prédios públicos federais, inclusive o secretário de Segurança Pública do Distrito Federal, bem como de interrupção de monetização de perfis e transmissão de mídias sociais que possam promover, de algum modo, atos de invasão e depredação de prédios públicos, "devem ser acompanhadas da determinação de guarda pelas plataformas de mídias e de redes sociais de todos os registros capazes de identificar materialidade e autoria dos ilícitos praticados, pelo prazo de cento e oitenta dias”.

E nessa linha, a medida 7 busca a "determinação às empresas de telecomunicações, em particular as provedoras de serviço móvel pessoal que guardem pelo prazo de noventa dias os registros de conexão suficientes para a definição ou identificação de geolocalização dos usuários que estão nas imediações da Praça dos Três Poderes e do Quartel-General do Distrito Federal para apuração de responsabilidade nas datas dos eventos criminosos".

A referida medida se define como providência de geotagging [2], já utilizado no caso Marielle Franco como meio de investigação na busca da identificação de possíveis suspeitos dos assassinatos a partir dos números de IPs de dispositivos móveis.

Neste domingo do dia 8, a imprensa veiculou diversas matérias que mostravam criminosos postando cenas em suas redes sociais no momento exato em que dilapidavam o patrimônio público, exibindo o resultado da depredação como se fosse um troféu. Não contentes com a destruição de objetos históricos e obras de arte pertencentes à história de um país, os criminosos postavam fotos e vídeos com objetos em mãos, havendo inclusive imagens nas quais se exibia uma réplica da Constituição Federal de 1988, em poder dos criminosos.

Como o geotagging envolve "marcar" uma localização geográfica para algo como uma atualização de status, um tweet, uma foto ou qualquer outra coisa que seja postada online, será possível inclusive, "hipoteticamente", recuperar objetos roubados pelos criminosos, visto que será obtida a geolocalização desses indivíduos em tempo real.

Dentre os diversos tipos de meio de produção de provas digitais podemos incluir: 1) planilhas eletrônicas, documentos de texto e banco de dados; 2) arquivos em formatos digitais, 3) mensagens eletrônicas por e-mail, mensagens de texto (SMS), 4) áudios, vídeos, fotografias digitais, 5) conversas em aplicativos de mensagens ou em plataformas de rede social, 6) depoimentos por videoconferência etc. Esses documentos eletrônicos, sejam públicos ou particulares, podem ser considerados para fins de direito como documentos digitais (ou eletrônicos) [3] e possuem a natureza de prova documental a que se refere o artigo 212, inciso II do Código Civil.

A prova digital, segundo o conceito de Maurício Tamer [4], pode ser entendida como "a demonstração de um fato ocorrido nos meios digitais" ressaltado que "a demonstração de sua ocorrência pode se dar por meios digitais".

E no caso, o geotagging auxiliará na coleta de prova digital pelo processo de adicionar identificação geográfica a várias mídias, como uma fotografia ou vídeo, sites, mensagens SMS, códigos QR ou feeds RSS, que passam assim a ser ‘georreferenciados’ pela inserção de metadados geoespaciais. Esses dados consistem em coordenadas de latitude e longitude, que também possibilitam incluir altitude, orientação, distância, dados de precisão e nomes de lugares e em determinados casos um possível registro de data e hora.

Com tal marcação geográfica a prova digital ficará enriquecida de informações, possibilitando, por meio da inserção de coordenadas de latitude e longitude, a localização de um dispositivo móvel e o encontro de imagens eventualmente colhidas perto de um determinado local. Os dados de localização geográfica usados em geotagging podem, em quase todos os casos, ser derivados do sistema de posicionamento global (GPS), e baseiam-se em um sistema de coordenadas de latitude/longitude.

Como podemos observar, cada vez mais o Direito está ligado à tecnologia, e a sua relevância e uso crescente nos meio social acabam naturalmente interferindo na atividade probatória realizada no processo jurisdicional e na valoração dos elementos de prova. Nem se olvidando que as provas existentes no meio eletrônico/digital recebem o mesmo tratamento das informações documentadas no meio físico, no tocante às exigências legais.

A Justiça, por sua vez, está se adaptando a essa nova realidade, por meio de Resoluções do CNJ e de cada tribunal do nosso país, e começa a "pensar e judicar digitalmente". Nem se fale, de resto, em "futuro do processo penal", pois esta já é uma realidade da era líquida.

 


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

CONARQ Disponível em: https://www.gov.br/conarq/pt-br/assuntos/camaras-tecnicas-setoriais-inativas/camara-tecnica-de-documentos-eletronicos-ctde/perguntas-mais-frequentes. Acesso em 9/1/2023

ADVOCACIA- GERAL DA UNIÃO: disponível em: https://www.gov.br/agu/pt-br/comunicacao/noticias/agu-envia-ao-stf-uma-serie-de-pedidos-em-resposta-aos-atos-criminosos-deste-domingo

RODRIGUES, Marco Antônio; TAMER, Maurício, Justiça Digital: O Acesso Digital à Justiça e as Tecnologias da Informação na Resolução de Conflitos. São Paulo: Editora Jus Podivm, 2021. p. 291.

RAMALHO, David Silva. Coletânea de Legislação sobre Cibercrime e Prova Digital: AAFDL Editora, 2021.

PETIÇÃO ÍNTEGRA: disponível em: https://www.gov.br/agu/pt-br/comunicacao/noticias/agu-envia-ao-stf-uma-serie-de-pedidos-em-resposta-aos-atos-criminosos-deste-domingo/Petio08012023.pdf. Acesso em 09/01/2023

 


[2] O geotagging, também conhecido como geomarca é o processo de adicionar metadados de identificação geográfica para vários meios de comunicação marcados geograficamente como fotografias ou vídeo, sites, mensagens SMS, Código QR ou feeds de RSS e é uma forma de metadados geoespaciais.

[3] Segundo o Conarq, "um documento eletrônico é acessível e interpretável por meio de um equipamento eletrônico (aparelho de videocassete, filmadora, computador), podendo ser registrado e codificado em forma analógica ou em dígitos binários. Já um documento digital é um documento eletrônico caracterizado pela codificação em dígitos binários e acessado por meio de sistema computacional. Assim, todo documento digital é eletrônico, mas nem todo documento eletrônico é digital".

Disponível em: https://www.gov.br/conarq/pt-br/assuntos/camaras-tecnicas-setoriais-inativas/camara-tecnica-de-documentos-eletronicos-ctde/perguntas-mais-frequentes. Acesso em 9/1/2023.

[4] RODRIGUES, Marco Antônio; TAMER, Maurício, Justiça Digital: O Acesso Digital à Justiça e as Tecnologias da Informação na Resolução de Conflitos. São Paulo: Editora Jus Podivm, 2021. p. 291).

Autores

  • é desembargadora do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, integrante da 7ª Câmara de Direito Criminal, vice-presidente da Comissão de Segurança e Prerrogativas (2022-2024), membro do Grupo de Trabalho do Conselho Nacional de Justiça para elaboração de diretrizes para a dosimetria da pena nos processos criminais e do corpo de palestrantes do Programa Nacional de Capacitação e Treinamento para o Combate à Corrupção e à Lavagem de Dinheiro (PNLD), professora convidada do curso de Direito Digital - Investigação de Crimes Digital do Insper/Executiva, da Ebradi e do Instituto NewLaw e coordenadora do curso de pós-graduação em Direito Digital do MeuCurso.

  • é licenciada em Direito e Letras, pós-graduada em Direito Digital e compliance e em gramática, ensino e aprendizagem da língua inglesa, advogada nas áreas do Direito Digital e compliance, criminal, cibercrimes, contratos internacionais, no Brasil, Chicago (EUA) e Portugal, professora universitária e de pós-graduação em Direito Digital do MeuCurso UniBosco, membro da Compliance Women's Committee, membro imortal da Academia Internacional de Letras Jurídicas e co-fundadora das Mulheres no Metaverso.

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