Processo Tributário

Retificação de julgado no processo administrativo tributário paulista

Autores

  • Daniel Henrique Caciato

    é advogado e contador mestrando e especialista em Direito Tributário pelo Instituto Brasileiro de Estudos Tributários (Ibet) e professor de graduação das disciplinas de Direito Tributário e de Direito Previdenciário na Faculdade Santa Lúcia em Mogi Mirim.

  • Rafael Pinheiro Lucas Ristow

    é advogado e economista mestrando em Direito Tributário pelo Instituto Brasileiro de Estudos Tributários (Ibet) especialista em Direito Tributário pela Fundação Getúlio Vargas e professor no curso de especialização em Direito Tributário do Instituto Brasileiro de Direito Tributário (IBDT).

8 de janeiro de 2023, 8h00

Este artigo tem por objetivo enfrentar a celeuma que cerca o enunciado veiculado no artigo 15 da Lei Paulista nº 13.457/2009 [1], que prevê o chamado pedido de retificação de julgado, cuja apresentação ocorre à revelia da suspensão ou a interrupção de prazo "para a interposição dos demais recursos previstos" na lei, o que, a nosso ver, vilipendia os cânones normativos que informam o processo administrativo tributário.

Para enfrentarmos essa questão faz-se necessário, desde logo, firmar algumas premissas metodológicas, não só como meio de expor a nossa posição sobre o tema, mas também para dar coerência e clareza às ideias que pretendemos apresentar.

Pois bem. O processo administrativo-tributário se desencadeia sob o pretexto do exercício de verdadeira atividade jurisdicional, uma vez que, como afirma Paulo Cesar Conrado [2], a jurisdição tem por objetivo compor conflitos de interesse, o que qualifica o processo administrativo-tributário como um típico instrumento voltado à estabilização das relações jurídico-tributárias conflituosas [3].

Daí que, impossível afastar o processo administrativo tributário da necessária influência dos cânones próprios ao modelo constitucional de processo, incluído, neste escaninho, o princípio do duplo grau de jurisdição.

No que tange, especificamente, ao chamado "pedido de retificação de julgado" — figura processual muito peculiar à legislação do contencioso tributário paulista — é possível observar no enunciado do § 1º do artigo 15 da Lei Paulista nº 13.457/2009, uma verdadeira contradictio in adjecto, uma vez que, em que pese o legislador utilize a expressão "demais recursos", como denotativa de advérbio de intensidade do verbo "interpor", não atribui ao pedido de retificação de julgado, ao menos não expressamente, a condição de típica espécie recursal, castrando-o dos efeitos próprios à recorribilidade administrativa, v.g., a suspensão ou interrupção do prazo para o aviamento de novos inconformismos.

Assim, ainda que a linguagem posta no dispositivo normativo expresse a referência aos vocábulos "para a interposição dos demais recursos previstos nesta lei", o legislador estadual extirpa-o dos efeitos que são inerentes aos instrumentos recursais, o que comprova a contradição acima apontada.

Conforme apontam Paulo Cesar Conrado e Rodrigo Dalla Pria [4], o legislador competente para a criação da normas processuais reguladoras do processo administrativo-tributário não é livre, não podendo se afastar dos limites impostos pela ideia de devido processo legal, o que inclui a necessidade de observância das técnicas/valores da recorribilidade e da segurança jurídica, que restam mitigadas pela ausência de previsão expressa, na legislação processual paulista, de suspensão ou interrupção do prazo para eventual recurso voltado à discussão de mérito da decisão impugnada.

Em razão disso, Rodrigo Dalla Pria [5] defende a ideia de que, independentemente da redação do dispositivo normativo estadual, o denominado pedido de retificação de julgado se insere no conceito jurídico-processual de "recurso", como meio voluntário apresentado pelas partes para espancar erros ou imprecisões do ato decisório, o que é, indiscutivelmente, de interesse de ambas as partes litigantes para que seja exequível a decisão prolatada, atendendo a necessária finalidade do processo administrativo-tributário como meio de solução de conflitos no âmbito jurisdicional, mas também de ferramenta conceptual para o exercício do controle de legalidade da imposição tributária.

Além disso, o regime jurídico de interposição do pedido de retificação de julgado, tal como disciplinado na legislação paulista, a pretexto de combater um suposto caráter protelatório que poderia decorrer da atribuição de feitos suspensivo/interruptivo do prazo para interposição de outros recursos, acaba por produzir um efeito diametralmente oposto, uma vez que exige a interposição concomitante do recurso ordinário/especial. Esse recurso, ainda segundo disciplina constante da legislação paulista, ficará sobrestado até que o pedido de retificação do julgado seja apreciado pelo órgão julgador de origem, o que também vilipendia os cânones da duração razoável do processo administrativo [6] e da eficiência administrativa.

Do mesmo modo, a legislação do contencioso administrativo-tributário paulista, ao somente admitir a apresentação do pedido de retificação de julgado em razão de "erros de fato", inviabiliza que outras inconsistências do julgado, tais como omissões, contradições e obscuridades, sejam apreciados e corrigidos pela própria autoridade prolatora da decisão. Por conta disso, as partes são obrigadas a aviar outro recurso, direcionado à instância superior, para que tais vícios sejam devidamente analisados, o que representa, mais uma vez, acinte aos primados da duração razoável do processo e da eficiência administrativa.

Esse cenário aponta para a necessidade, premente, de aperfeiçoamento da legislação do contencioso tributário paulista, com vistas a adequá-la aos cânones próprios ao modelo constitucional de processo jurisdicional, atribuindo ao pedido de retificação de julgado o status para o qual ele é vocacionado, isto é, o de instrumento recursal voltado à correção de inconsistências da decisão que possam dificultar ou até inviabilizar a execução do julgado, tal como um típico recurso de "embargos de declaração".

 


[1] "Artigo 15 – A decisão de qualquer instância administrativa que contiver erro de fato será passível de retificação, devendo o processo ser submetido à apreciação do respectivo órgão de julgamento.

§ 1º – O pedido de retificação deverá ser interposto no prazo de 30 (trinta) dias contados da intimação da decisão retificanda, com a demonstração precisa do erro de fato apontado, não implicando suspensão ou interrupção de prazo para a interposição dos demais recursos previstos nesta lei."

[2] CONRADO, Paulo Cesar. Processo Tributário. 3ª ed. São Paulo: Quartier Latin, 2012, p. 103.

[4] DALLA PRIA, Rodrigo; CONRADO, Paulo Cesar. Aplicação do Código de Processo Civil ao processo administrativo tributário. In: CONRADO, Paulo Cesar; ARAÚJO, Juliana Furtado Costa (Coord.). O Novo CPC e seu impacto no direito tributário, 2ª.ed. São Paulo: Fiscosoft, 2016, p. 257.

[5] DALLA PRIA, Rodrigo. Direito Processual Tributário. 2ª ed. São Paulo: Noeses, 2021. p. 679.

[6] "Art. 5º […]

LXXVIII – a todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação."

Autores

  • é advogado e contador, mestrando e especialista em Direito Tributário pelo Instituto Brasileiro de Estudos Tributários (Ibet) e professor de graduação das disciplinas de Direito Tributário e de Direito Previdenciário na Faculdade Santa Lúcia em Mogi Mirim.

  • é advogado, professor da pós-graduação em Direito Tributário do Instituto Brasileiro de Direito Tributário, conselheiro julgador do Conselho Municipal de Tributos de São Paulo e ex-juiz do Tribunal de Impostos e Taxas do Estado de São Paulo. Pós-graduado em Direito Tributário pela FGV e graduado em Direito pela PUC-SP e em Economia pelo Mackenzie.

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