Opinião

Imunidade tributária do ICMS sobre energia elétrica adquirida em livre mercado

Autor

  • Monya Pinheiro

    é advogada pós-graduada em Direito Tributário pelo IBET MBA em Práticas Contábeis pela Fundação Visconde de Cairu sócia do escritório Pires Pinheiro Freitas—PPF Advocacia.

28 de fevereiro de 2023, 11h10

É sabido que, quando o assunto é imunidade tributária das instituições de educação e assistência social sem fins lucrativos, o ICMS fica de fora. Isso porque, nas operações de circulação de mercadorias, essas entidades figuram como contribuintes de fato do imposto estadual: arcam com o ônus financeiro do tributo, mas sem integrar a relação jurídica tributária. Por essa razão, a imunidade tributária que lhes é assegurada no artigo 150, IV, "c", da Constituição, é irrelevante para fins de ICMS.

Na aquisição de energia elétrica não seria diferente. A entidade beneficente sem finalidade lucrativa se caracteriza como contribuinte de fato do imposto incidente sobre a circulação da mercadoria energia, e por conta disso, recolhe normalmente o imposto aos cofres estaduais como qualquer outro consumidor.

Em alguns estados, entretanto, esse cenário se altera quando ocorre a aquisição interestadual de energia elétrica em ambiente de contratação livre. Nos estados de São Paulo e da Bahia, por exemplo, o adquirente/consumidor da energia, pessoa física ou jurídica, é equiparado à condição de contribuinte de direito do ICMS nessas operações. 

Eis, respectivamente, a redação do artigo 7º, §1º, item 4, da Lei paulista n°6.374/1989 e do artigo 5º, §1º, inciso IV, da Lei baiana n° 7.014/1996:

"Artigo 7º. Contribuinte do imposto é qualquer pessoa, natural ou jurídica, que de modo habitual ou em volume que caracterize intuito comercial, realize operações relativas à circulação de mercadorias ou preste serviços de transporte interestadual ou intermunicipal ou de comunicação
§1º – É também contribuinte a pessoa natural ou jurídica que, mesmo sem habitualidade ou intuito comercial:
4 – adquira energia elétrica ou petróleo, inclusive lubrificantes e combustíveis líquidos ou gasosos dele derivados, oriundos de outro Estado, quando não destinados à comercialização ou a industrialização.
Artigo 5º. Contribuinte do ICMS é qualquer pessoa, física ou jurídica, que realize, com habitualidade ou em volume que caracterize intuito comercial, operações de circulação de mercadoria ou prestações de serviços de transporte interestadual e intermunicipal e de comunicação, ainda que as operações e as prestações se iniciem no exterior.
§1º É também contribuinte a pessoa física ou jurídica que, mesmo sem habitualidade ou intuito comercial:
IV – adquira de outra unidade da Federação lubrificantes e combustíveis líquidos ou gasosos derivados de petróleo e energia elétrica, quando não destinados à comercialização, industrialização, produção, geração ou extração (LC 87/96 e 102/00)."

De maneira similar, tanto o Regulamento do ICMS do estado de São Paulo (artigo 425-D) quanto o Regulamento do ICMS no estado da Bahia (artigo 400, §2º) submetem a aquisição interestadual da mercadoria energia elétrica em ambiente de mercado livre à incidência de ICMS, impondo ao consumidor final de tal energia a obrigação de recolher diretamente o tributo "em documento de arrecadação em separado".

A compra de energia elétrica em mercado livre é cada vez mais comum, pois viabiliza a negociação de condições comerciais entre fornecedor e adquirente. Nos últimos anos, tem havido grande movimentação legislativa para ampliar a possibilidade de aquisição de energia elétrica em livre mercado para todos os consumidores, inclusive os de baixa tensão e residenciais.

Nos estados brasileiros nos quais o consumidor final de energia elétrica adquirida de outra unidade da Federação é erigido pela legislação local à condição de contribuinte de direito do imposto estadual (e não apenas contribuinte de fato), figurando como sujeito passivo da obrigação tributária, a imunidade tributária das entidades de educação e assistência social sem fins lucrativos afasta a incidência do ICMS sobre a operação de aquisição de energia elétrica em ambiente de contratação livre.

Se, enquanto contribuinte de fato, a imunidade tributária dessas instituições é absolutamente irrelevante para o ICMS, tal circunstância jurídica tem grande repercussão quando passam a ser consideradas pela lei como contribuinte de direito do imposto estadual nas operações interestaduais de aquisição de energia elétrica em livre mercado.

Destaca-se que em 2017, ao julgar o RE 608.872/MG (Tema 342), o Supremo Tribunal Federal fixou a seguinte tese: A imunidade tributária subjetiva aplica-se a seus beneficiários na posição de contribuinte de direito, mas não na de simples contribuinte de fato, sendo irrelevante para a verificação da existência do beneplácito constitucional a repercussão econômica do tributo envolvido.

Nesse julgamento, a Corte Suprema entendeu que "a imunidade tributária subjetiva constante do artigo 150, VI, c, da Constituição é aplicável à hipótese de importação de mercadorias pelas entidades de assistência social para uso ou consumo próprios, [pois] essas entidades ostentam, nessa situação, a posição de contribuintes de direito, o que é suficiente para o reconhecimento do beneplácito constitucional".

Assim, diante da equiparação promovida entre contribuinte de fato e de direito pelas leis estaduais e o entendimento fixado em repercussão geral pelo Supremo sobre o tema, conclui-se que a aquisição interestadual de energia elétrica em ambiente de livre contratação realizada por entidades sem finalidade lucrativa e com imunidade tributária assegurada no artigo 150, VI, c, da CF, não se submetem à incidência ICMS, podendo as instituições pleitearem a devolução dos valores do imposto estadual indevidamente recolhidos nos últimos cinco anos.

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