Big techs a salvo

Suprema Corte dos EUA tende a manter proteção às empresas de mídia social

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23 de fevereiro de 2023, 18h54

Aparentemente, a Suprema Corte dos Estados Unidos não quer quebrar a internet. Em duas audiências promovidas nesta semana, vários ministros da corte indicaram que vão manter a proteção às empresas de mídia social contra a responsabilização por postagens de seus usuários em suas plataformas — e mesmo por recomendações de conteúdo.

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Empresas de mídia social são alvos de ações na Suprema Corte dos Estados Unidos
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Na quarta-feira (22/2), a audiência foi sobre o caso Twitter v. Taamneh, em que a família de um homem morto em ataque terrorista a uma casa noturna em Istambul, Turquia, em 2017, busca responsabilizar o Twitter, o Facebook e o Google por "ajudar e encorajar o ataque" em que morreram 39 pessoas.

Um dos argumentos apresentados pelos ministros durante o debate com os advogados foi o de que não há provas que liguem diretamente as empresas de mídia social ao ataque terrorista.

Na terça-feira (21/2), a audiência foi sobre o caso Gonzalez v. Google, em que a família da estudante Nohemi Gonzalez alega que o Google foi parcialmente responsável pelo ataque terrorista perpetrado pelo Estado Islâmico em Paris, em 2015, por promover vídeos do grupo no YouTube, plataforma de sua propriedade.

Tal promoção ocorreria porque o YouTube, como as demais plataformas digitais, usa algoritmos para sugerir vídeos similares aos usuários — um sistema chamado de "recomendações dirigidas".

Os autores da ação alegam que tais recomendações não são protegidas pela Seção 230 da Communications Decency Act (CDA). A lei, segundo eles, apenas isenta as empresas de mídia social de responsabilidade pelas postagens de seus usuários, e não pelas recomendações. E, portanto, as empresas poderiam ser responsabilizadas.

Ataque em Istambul
Ministros conservadores e liberais deram opiniões contrárias aos argumentos dos autores da ação. A ministra Amy Coney Barret sugeriu que o processo contra as empresas carece dos tipos de fatos requeridos pela lei federal antiterrorismo para responsabilizar as plataformas.

"Seria preciso mais provas, como trocas de mensagens diretas, comentários de usuários ou outras tentativas de coordenar atividades para realizar o ataque terrorista — não apenas a alegação de recrutamento ou radicalização de pessoas."

O ministro Samuel Alito disse que seria estranho se uma companhia telefônica fosse responsabilizada por atividade criminosa de seus assinantes.

"E se a companhia telefônica conhece uma pessoa em particular, que tem antecedentes criminais e que poderá, provavelmente, comunicar-se com membros da gangue para cometer algum crime? Ela estaria ajudando e encorajando a prática de um crime?".

Os ministros Neil Gorsuch, Sonia Sotomayor e Brett Kavanaugh também apresentaram dúvidas sobre os argumentos dos autores da ação. Kavanaugh apoiou os argumentos do advogado das empresas, Seth Wasman:

"Quando há uma empresa legítima que presta serviços em uma base amplamente disponível, ela não pode ser responsabilizada, de acordo com essa lei, mesmo que ela saiba que pessoas ruins usarão seus serviços para coisas ruins", alegou Kavanaugh.

Ataque em Paris
Alguns ministros deram a entender, na audiência de terça-feira, que não se sentiam à vontade para abrir a porteira para milhares de ações contra o YouTube e outras empresas de mídia social passarem só porque elas usam algoritmos para direcionar os usuários para conteúdo relacionado — mesmo que isso encoraje terroristas ou promova conduta ilegal.

Um deles foi o presidente da Suprema Corte, ministro John Roberts. Para ele, embora o caso se refira a terrorismo, pode gerar uma onda de ações baseadas em queixas pessoais e empresariais se a corte aceitar o argumento dos autores da ação.

A ministra Elena Kagan e o ministro Brett Kavanaugh sugeriram que a corte deveria lavar as mãos nesse caso. Para eles, o Congresso, não a Justiça, deve decidir se deve mudar a lei que criou.

"Você sabe, nós não somos os nove maiores especialistas em internet", disse a ministra. "É difícil traçar uma linha entre algoritmos ordinários, que sugerem aos usuários vídeos similares, daqueles que encorajam certos indivíduos a assistir a conteúdo suspeito ou danoso. Traçar essa linha é uma tarefa para o Congresso."

Kavanaugh disse que concorda que esse é um caso de contenção judicial. "Dezenas de firmas de tecnologia e grupos empresariais advertiram que alterar a Seção 230 vai quebrar a economia digital, com todos os tipos de efeitos em trabalhadores e consumidores, planos de aposentadoria e tudo o mais."

Para ele, o Congresso está em melhor posição para revisar sua própria lei, se necessário, particularmente quando as cortes têm mantido a Seção 230 como uma ampla proteção à internet desde 1996 (um juiz federal e o Tribunal Federal de Recursos da 9ª Região rejeitaram o pedido dos autores dessa ação, com base no fundamento de que a Seção 230 protege as publicações online contra ações por conteúdo postado por terceiros.)

O vice-advogado-geral dos EUA, Malcom Stewart, representando o Departamento de Justiça e o governo Biden, alinhou-se com os autores da ação. Ele argumentou que as empresas de mídia social não podem ser processadas por vídeos postados em suas plataformas, mas devem ser responsabilizadas pelas "recomendações dirigidas" que encorajam o recrutamento de terroristas.

O ministro Clarence Thomas, que declarou no passado que os sites não deveriam ser protegidos contra responsabilização por postagens ilegais ou difamatórias se se recusam a removê-las, discordou dos argumentos de Stewart:

"Não estou convencido pelo argumento dos autores da ação de que o YouTube recomenda vídeos aos usuários. Alguém interessado em culinária vê um vídeo e as plataformas mostram outros vídeos sobre culinária. Vejo isso como sugestões, não recomendações", disse Thomas, para quem os algoritmos são "neutros" ao sugerir conteúdo relacionado.

As decisões da Suprema Corte sobre os dois casos serão anunciadas em junho, antes do fim do ano judicial. Na maioria dos casos, é possível prever a decisão final da corte pelo que os ministros falam e pelas perguntas que fazem aos advogados durante as audiências.

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