Opinião

Lavagem de dinheiro e terrorismo, atividades que ameaçam instituições

Autores

  • Thaís Coutinho

    é advogada especialista em Direito Penal e Compliance pelo Instituto de Direito Penal Económico da Universidade de Coimbra e em Compliance Governança Corporativa e Supervisão Pública pela Universidade de Lisboa e certificada em Financial Crimes e Investigações Corporativas pela KPMG.

  • Vinicius Carvalho

    é contador sócio diretor de Ética Compliance e Investigações na KPMG Brasil especialista em Controladoria Auditoria e Compliance pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUC-RS) membro da Association Of Certified Fraud Examiners e em Governança Riscos e Compliance pela Risk University da KPMG e certificado em Investigações Corporativas Compliance e em ESG pela KPMG Business School.

23 de fevereiro de 2023, 9h19

Apesar de ser um tema ainda incipiente no Brasil, o terrorismo impacta de forma substancial a estrutura governamental interna de países e a política internacional há várias décadas. Como a motivação para os atos terroristas é diversa, a doutrina entende pela possibilidade de classificá-los em vários tipos, podendo ser cometido por indivíduos ou grupos, ainda que a maioria tenha objetivos políticos por meio de ações violentas ou da ameaça de violência.

Em que pese a tipificação de um ato como terrorismo e os diferentes tratamentos dados a esse crime dependerem das legislações dos estados, é de reconhecimento geral o quanto atentados de terror enfraquecem a segurança pública e as instituições democráticas governamentais em níveis domésticos e internacionais, além de gerarem uma demanda que pode justificar políticas de maior restrição à liberdade e maior vigilância governamental.

Entretanto, para que a maioria dos atentados terroristas se perpetuem, eles precisam de financiamento, e é nesse sentido que cada vez mais se discute a origem do capital que financia tais grupos e como os mecanismos de prevenção ao crime de lavagem de dinheiro podem mitigar a organização e a atuação de grupos terroristas, tendo em vista a relação que pode existir entre essas atividades.

Incipientemente se fala no combate à lavagem de dinheiro na Convenção de Viena de 1988, que foi incorporada ao direito brasileiro em 1991 e remete a uma origem que diz respeito ao enfrentamento ao tráfico de drogas, como forma de desestruturar essas organizações e descapitalizá-las. Posteriormente, em 1998, o terrorismo passou a ser previsto na legislação pátria como crime antecedente nos casos em que se apurem a ocorrência da lavagem de dinheiro. Hoje, a redação modificada pela Lei 12.683/12, não prevê mais crimes antecedentes específicos, de modo que o proveito de qualquer crime pode ser passível de lavagem de dinheiro.

Importante distinguir que nem todo uso do proveito de crime constitui lavagem. A conduta da lavagem de dinheiro consiste num processo que requer essencialmente a ocultação e a vestidura de licitude ao dinheiro proveniente de crime antecedente, assim, há também a dissimulação e a integração no sistema financeiro, de modo a afastar o autor do crime do recurso em questão. Isso torna mais difícil a suspeita de ilicitude e o rastreamento pelo processo de "follow the money", fazendo muitas vezes o dinheiro passar por diferentes titularidades, localizadas em diferentes jurisdições.

A atividade de rastreamento ganha uma complexidade ainda maior quando essas jurisdições dão um tratamento de maior proteção para o sigilo bancário e contam com políticas de AML bastante fracas.

De acordo com o FMI e o Banco Mundial, por ano são lavados cerca de dois a quatro trilhões de dólares. Apesar de serem atividades criminosas distintas, as técnicas utilizadas para incorporar na economia valores de crimes antecedentes como licitamente fossem são essencialmente semelhantes as técnicas utilizadas para ocultar a origem e o destino do financiamento ao terrorismo, permitindo que a alocação de recursos patrocinando esse fim continue existindo sem ser identificada, constituindo uma parte cada vez mais importante da economia terrorista.

Em muitos casos nos quais o financiamento ao terrorismo advém de crimes antecedentes e da lavagem de dinheiro, há a estreita relação na qual os grupos terroristas se beneficiam do dinheiro que as organizações criminosas conseguem obter, assim como as organizações criminosas se beneficiam da capacidade de dano desses grupos terroristas, fazendo com que alguns autores tracem uma geografia semelhante quando observam a ocorrência desses crimes.

No Brasil, segundo a Lei nº 12.683/12, qualquer crime que gere bens ou valores ilícitos podem ser considerados antecedente ao delito de lavagem de dinheiro, ainda que seja muito comum observarmos como crimes antecedentes fraudes financeiras, golpes, corrupção e o tráfico ilícito de entorpecentes e de armas.

A lavagem de dinheiro e o financiamento ao terrorismo corroem a confiança da sociedade na integridade do sistema e impactam não só a segurança pública, mas também os sistemas financeiros e o próprio desenvolvimento econômico dos países, representando desafios de ordem internacional. Um sistema financeiro saudável e eficiente deve ter por base a prevenção à lavagem de dinheiro e ao financiamento do terrorismo e da proliferação de armas de destruição em massa.

A postura do cenário mundial, principalmente no que se trata do enfrentamento ao terror, mudou após o atentado de 11 de setembro de 2001. Uma dessas mudanças está representada pela Resolução 1373 do Conselho de Segurança das Nações Unidas que, preocupado com o acréscimo e magnitude dos atos de terrorismo motivados pela intolerância e extremismo e com as estreitas ligações existentes entre o terrorismo, a criminalidade organizada e a lavagem de dinheiro, intensificou a cooperação entre os Estados e o cumprimento das convenções internacionais de prevenção e repressão aos temas.

 Assim, a resolução do Conselho de Segurança estabelece a necessidade de adoção de medidas suplementares pelos Estados tanto no sentido de acelerar a troca de informações operacionais entre os países no que diz respeito a procedimentos penais sobre financiamento ao terrorismo, quanto no que concerne à repressão direta do financiamento e da preparação desses atos em seus territórios. Ademais, estimulam que os países incluam em seus ordenamentos jurídicos a tipificação do crime de prestação ou recolhimento de fundos com a intenção ou conhecimento de que tais ativos serão destinados ao fomento de práticas terroristas, congelando os ativos financeiros de pessoas físicas, e das pessoas jurídicas e entidades que atuem em seu nome, que cometam, tentem cometer, participem ou facilitem a atividade ou a organização de atos terroristas.

Nesse mesmo sentido, entendendo que os países possuem sistemas legais e financeiros diversos entre si, o Gafi/FATF (Grupo de Ação Financeira Internacional/Financial Action Task Force) estabelece medidas essenciais de padrão internacional, a serem adaptadas às circunstâncias particulares, a fim de identificar o risco de ocorrência destes crimes e desenvolver medidas domésticas de coordenação e prevenção para o setor financeiro e outros setores designados, aumentando a transparência e a disponibilidade de informações e também visando facilitar a cooperação internacional.

A atuação dessa entidade intergovernamental identifica vulnerabilidades e elabora recomendações de políticas de prevenção e de enfrentamento à lavagem de dinheiro e ao financiamento do terrorismo através da implementação de medidas legais, operacionais e regulatórias que representam um aumento na fiscalização da circulação de ativos em bancos e o mapeamento de rotas de escape por esquemas de lavagem.

Os países membros, como é o caso do Brasil, passam por períodos de avaliações mútuas para assegurar o cumprimento das recomendações do Grupo que emite listas que categorizam os Estados de acordo com o nível de adequação de seu regulamento interno em relação às políticas de prevenção e combate à lavagem de dinheiro e ao financiamento do terrorismo e da proliferação de armas de destruição em massa. Essa categorização em listas representa um termômetro da credibilidade do mercado local em relação ao internacional.

A abordagem baseada na compreensão e avaliação dos riscos (ABR) indicada pelo Gafi permite o direcionamento mais efetivo de recursos, bem como a adoção de medidas preventivas proporcionais ao risco identificado, incluindo mudanças legislativas e regulamentares, de modo que as instituições financeiras e atividades e profissões não financeiras designadas devem implementar tal atuação considerando os clientes, áreas geográficas, produtos, serviços e transações, além de documentar um demonstrativo para as autoridades competentes e entidades de autorregulação. Levando em conta que a detecção de operações de lavagem de dinheiro e de financiamento ao terrorismo envolvem necessariamente a colaboração e troca de informações entre o setor financeiro e as autoridades responsáveis, este sistema de comunicação de suspeitas vem sendo adotado pela maioria dos países.

No que tange especificamente a matéria de financiamento ao terrorismo, a entidade intergovernamental entende que o crime se estende a qualquer pessoa, independentemente de estar no mesmo país onde se localizam as organizações terroristas ou onde ocorreu ou ocorria o ato, que voluntariamente forneça ou recolha fundos, de fontes legítimas ou não, direta ou indiretamente, com a intenção ou com a ciência de que serão utilizados na organização terrorista e no cometimento de atos terroristas, incluindo o terrorismo individual. Desse modo, esclarece ser insuficiente o tratamento de responsabilização criminal com base apenas no auxílio ou participação e na tentativa ou conspiração.

Em âmbito nacional, entidades como o Coaf (Conselho de Controle de Atividades Financeiras) e o Banco Central atuam em estreita conformidade com o Gafi na avaliação e no direcionamento de políticas específicas de mitigação dos riscos de lavagem de dinheiro e de financiamento ao terrorismo. Cabe ao Coaf atuar na coordenação do Brasil em organizações multigovernamentais de prevenção e combate, buscando implementar as orientações internacionais adequando as práticas de maneira efetiva ao contexto brasileiro. O órgão administrativo também é responsável por receber, examinar e comunicar às autoridades competentes para instauração de procedimentos judiciais cabíveis à ocorrência de fundados indícios dos crimes retratados.

O Banco Central regulamenta e supervisiona as instituições financeiras e as demais instituições sob a sua jurisdição à implementação de políticas, procedimentos e controles de PLD/FT, fiscalizando a aderência a essas normas e determinando que as entidades devem comunicar ao Coaf qualquer operação suspeita identificada. O órgão regulatório também estabelece quais serviços e operações são os mais sensíveis em relação ao risco de lavagem e financiamento ao terrorismo, a depender, enquadrando os clientes permanente ou eventualmente em listas de alerta.

Nessa senda, o Banco Central monitora o cumprimento pelas entidades supervisionadas das sanções impostas pelo Conselho de Segurança das Nações Unidas no que diz respeito a indisponibilidade de ativos de pessoas naturais e jurídicas e à designação nacional de pessoas investigadas ou acusadas de terrorismo, de seu financiamento ou de atos correlatos. Isso significa que, em consonância com as recomendações internacionais, as entidades supervisionadas têm de manter atualizado o Cadastro de Clientes do Sistema Financeiro Nacional e fazer reportes regulares aos órgãos competentes de operações com caráter suspeito, a fim de que possa haver a investigação da ocorrência dos crimes retratados. Do mesmo modo, cabe ao BC a aplicação de sanções administrativas às supervisionadas quando do descumprimento das medidas estabelecidas.

Ainda que esse tema de práticas preventivas à lavagem de dinheiro e ao financiamento do terrorismo tenha ganhado uma maior notoriedade nos últimos anos e que se tenha uma especialização constante de normas e políticas que regem a matéria, nos anos de 2021 e 2022, ocorreram alguns processos administrativos e multas em relação às falhas de mecanismos institucionais concernentes a PLD/FT às instituições financeiras com proeminência significativa no mercado e reguladas pelo Banco Central. Essas sanções superaram a marca de 21 milhões de reais em multas à pessoas jurídicas e físicas.

Além disso, num cenário global, de acordo com o Financial Times, as multas pela não prevenção à lavagem de dinheiro e demais crimes financeiros aumentaram mais de 50% em 2022, somando cerca de cinco bilhões de dólares. O índice de percepção da corrupção em relação ao último ano, publicado pela Transparency International, apontou que a maioria dos países, incluindo o Brasil, não está conseguindo conter a corrupção, alcançando uma pontuação abaixo de 50 na escala que mede o setor público. O relatório observa também que 155 países não fizeram nenhum avanço efetivo no que diz respeito ao combate à corrupção no último ano, indicando uma estagnação contínua em nível internacional e corroborando a ocorrência de lavagem de dinheiro.

Mais um sinal de que o tema está longe de ter sua compreensão esgotada é a recente atualização proferida pelo U.S. Department of Justice da sua política de persecução corporativa. O documento indica novas medidas que devem ser adotadas por instituições que buscam uma redução no valor da penalidade recebida por violações ao FCPA. As práticas incluem a autodenúncia imediatamente após o conhecimento da alegada má conduta e a já tão falada observância de programas de compliance e controles internos robustos e eficazes, além da cooperação total e proativa com a investigação do DoJ, aumentando a possibilidade de identificação de pessoas físicas, inclusive clientes, envolvidas na conduta delitiva.

Assim como reconhece o U.S. Department of State, as amplas ferramentas de PLD/FT são essenciais para expor a estrutura de organizações criminosas, redes de corrupção e conspirações terroristas, além de possibilitar a recuperação de ativos adquiridos ilegalmente pelo rastreamento de operações e pelo mapeamento de rotas propícias às atividades criminosas. Dessa forma, entende-se que um regime abrangente de combate à lavagem de dinheiro é capaz de enfraquecer e desestimular uma ampla gama de atividades criminosas, incluindo o financiamento ao terrorismo.

Autores

  • é advogada, especialista em Direito Penal e Compliance pelo Instituto de Direito Penal Económico da Universidade de Coimbra e em Compliance, Governança Corporativa e Supervisão Pública pela Universidade de Lisboa e certificada em Financial Crimes e Investigações Corporativas pela KPMG.

  • é contador, sócio diretor de Ética, Compliance e Investigações na KPMG Brasil, especialista em Controladoria, Auditoria e Compliance pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUC-RS), membro da Association Of Certified Fraud Examiners e em Governança, Riscos e Compliance pela Risk University da KPMG e certificado em Investigações Corporativas, Compliance e em ESG pela KPMG Business School.

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