Opinião

Decisão da CSRF sobre pagamentos compartilhados gera incertezas

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21 de fevereiro de 2023, 7h07

A Câmara Superior de Recursos Fiscais (CSRF) publicou, em maio de 2022, o Acórdão nº 9303-012.980/2022, alterando entendimento já consolidado pelos tribunais administrativos e definindo que as receitas decorrentes do reembolso ou ressarcimento de gastos compartilhados com outras pessoas jurídicas do mesmo grupo econômico integram a base de cálculo do PIS/Cofins.

No processo, a 3ª Turma decidiu, por maioria de votos, que os valores recebidos pelas pessoas jurídicas centralizadoras, a título de reembolso ou ressarcimento das despesas administrativas e de suporte operacional compartilhadas com outras pessoas jurídicas do mesmo grupo econômico, possuem natureza de receita de prestação de serviços, razão pela qual compõem a base de cálculo das contribuições.

O posicionamento, sustentado no voto do redator designado, conselheiro Luiz Eduardo de Oliveira Santos, desconsidera, porém, os parâmetros seguidos nos últimos anos pelo Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf) e pela Receita Federal para não tributar as operações decorrentes de contrato de compartilhamento de custos (os chamados "cost sharing agreement"). Isto porque, se analisarmos as soluções de consulta e decisões anteriores sobre a temática, temos que os valores recebidos pelas pessoas jurídicas centralizadoras possuem a natureza de mero reembolso  e, consequentemente, não se caracterizam como receitas para fins fiscais  desde que certos requisitos sejam observados.

Quanto aos critérios que devem ser preenchidos, a Solução de Divergência Cosit nº 23/2013 firmou o entendimento de que para que os valores relativos aos contratos de rateio não estejam sujeitos à incidência do PIS/Cofins, é necessário que sejam calculados com base em critérios de rateio razoáveis e objetivos, que tais critérios sejam previamente ajustados e formalizados por instrumento firmado entre os intervenientes, os valores correspondam ao efetivo gasto de cada empresa e ao preço global pago pelos bens e serviços, e seja mantida escrituração destacada de todos os atos diretamente relacionados com o rateio das despesas administrativas.

Decisão contraria tendência
No Acórdão 3402-009.509/2021, o Carf reforçou o entendimento defendido pela Receita de que os valores auferidos pela pessoa jurídica centralizadora das atividades compartilhadas a título de reembolso não integram a base de cálculo do PIS/Cofins. Destacou-se, ainda, que "o Poder Judiciário já fixou o entendimento de que não são receitas tributáveis pelo PIS e pela Cofins os ingressos decorrentes de mero ressarcimento por despesas realizadas no interesse e por conta e ordem de terceiros (empresas controladas) e assumidos pela empresa controladora (holding), desde que não tenha obtido ganho sobre os respectivos ingressos e os valores ressarcidos não sejam decorrentes de sua atividade-fim".

No contexto fático do Acórdão nº 9303-012.980/2022, aqui analisado, a controladora rateava despesas comuns em favor de empresas do mesmo grupo econômico baseado em contrato de rateio de custos comuns. Além disso, a operação era suportada por meio da emissão de notas de débito e a figura do lucro não estava presente, sendo rateadas somente despesas administrativas e de suporte operacional. Portanto, a princípio, estavam presentes os requisitos exigidos pela própria RFB para que os valores por ela recebido fossem tratados como mero reembolso, sem a incidência do PIS/Cofins.

No entanto, por maioria de votos, foi dado provimento ao Recurso Especial da Fazenda para incluir os valores auferidos a título de reembolso pelo pagamento de dispêndios comuns na base de cálculo do PIS/Cofins sob os seguintes argumentos: na legislação brasileira, existem apenas duas situações que garantem a realização do gasto por uma pessoa jurídica com o repasse de parte do custo para outras, quais sejam, o consórcio e o mandato, e a SD Cosit nº 23, de 2013, não vincula os conselheiros.

Como visto, a decisão da CSRF contraria a tendência do Carf de utilizar o entendimento já consolidado em consultas da RFB para analisar casos de contrato de rateio de custo, como foi feito em decisões com os Acórdão nº 3402-009.849/2021; 1302-004.332/2020; 1401-004.270/2020; 2401­004.672/2017.

Atividades possíveis de rateio
Quanto ao argumento da existência de apenas duas hipóteses previstas em lei que autorizariam o compartilhamento de "custos sem que haja caracterização de despesas", é importante ressaltar que no contexto fático aqui analisado há somente a centralização de gastos por uma empresa específica, do mesmo grupo econômico, que repassa os custos para as demais empresas que efetivamente se beneficiaram dos valores, não havendo a necessidade de se constituir propriamente um consórcio ou mandato para tanto.

Ainda, o posicionamento reacende a discussão quanto à natureza das atividades passíveis de rateio. O entendimento consolidado nas soluções de consulta da RFB e nas decisões do Carf (vide, por exemplo, o Acórdão nº 340-2001.912/2012) é de que seria possível ratear as despesas relacionadas às atividades-meio da pessoa jurídica centralizadora.

Entretanto, no voto vencedor do Acórdão nº 9303-012.980/2022, o conselheiro afastou a possibilidade de rateio de gastos independentemente de sua natureza. De acordo com o entendimento exposto no voto vencedor, a divisão entre atividade-fim e atividade-meio não é legal e pela natureza do gasto não seria possível classificá-lo com segurança na atividade-fim ou atividade-meio. Assim, os contribuintes que rateavam apenas atividades-meio na expectativa de não serem tributados e que estavam amparados pelas últimas decisões, passaram a encontrar uma nova insegurança em suas operações.

Pode-se afirmar que a decisão é, também, contrária ao entendimento que vem se formando em âmbito judicial, que, embora conte com poucas decisões, possui um cenário favorável para o contribuinte. Como exemplo, podemos citar decisão do TRF-5 [1], ao julgar o caso de uma holding que centralizava as atividades-meio de outras pessoas jurídicas de um grupo de sociedades, recebendo os pagamentos a título de reembolso, afastou a incidência de PIS/Cofins. Esse entendimento também é seguido pelo TRF-3 [2], que, em um caso de cost sharing internacional, decidiu pela não incidência do PIS/Cofins sobre valores remetidos ao exterior.

 


[1] TRF-5. Processo nº 200781030013849; Julgamento em 06/09/2011,

[2] TRF-3. Apelação/Reexame necessário nº 0027722-76.2007.4.03.6100; Julgamento em 03/07/2014

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