Opinião

STF declara constitucional incidência do ISSQN sobre 'cessão de jazigo em cemitério'

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  • Ricardo Almeida Ribeiro da Silva

    é professor na pós-graduação de Direito Tributário da Uerj procurador do município do Rio de Janeiro e assessor jurídico da Associação Brasileira das Secretarias de Finanças das Capitais (Abrasf).

21 de fevereiro de 2023, 8h20

Em julgamento do Plenário Virtual concluído no último dia 17, o STF (Supremo Tribunal Federal) afirmou a constitucionalidade da incidência do ISSQN (imposto sobre serviços de qualquer natureza) nas "cessões de jazigos em cemitérios" prevista no subitem 25.05 da Lista de Serviços anexa à LC 116/2003 (lei nacional do ISSQN), decidindo à unanimidade pela improcedência da Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 5869 proposta pela Acembra (Associação de Cemitérios e Crematórios do Brasil). A Abrasf (Associação Brasileira das Secretarias de Finanças das Capitais) atuou no caso defendendo a constitucionalidade da norma e o interesse dos municípios brasileiros.

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O julgamento é um novo marco na consolidação do entendimento da Corte sobre a definição dos "serviços de qualquer natureza" que ensejam a incidência do ISSQN.

Com efeito, mais importante do que declarar a constitucionalidade da previsão contida na lei complementar, afirmando o caráter misto da atividade e do contrato de "cessão de jazigos para sepultamento", foi o reconhecimento pelo relator (ministro Gilmar Mendes) de que "a jurisprudência desta Suprema Corte parece caminhar no sentindo de definitivamente superar a divisão entre obrigação de dar e de fazer para fins de definição de qual tributo incidirá, se ISS ou ICMS, partindo para uma posição que confere primazia ao definido em lei complementar".

Essa superação se mostrou tão evidente ao ministro que ele cogitou a revisão imediata da Súmula Vinculante nº 31, contornando de vez a vinculação da dicotomia entre obrigação de dar e fazer como critério para extremar os campos de incidência do ICMS e do ISSQN.

O relator só não lançou a proposta de revisão da SV 31 porque entendeu que o caso não se resume a uma mera locação ou cessão de bem (puras), pois a inumação de restos mortais também envolve serviços de manutenção e conservação do local cedido, cumprindo normas ambientais, de salubridade, de saúde, entre outras.

Para chegar a essas conclusões o ministro Relator percorreu o histórico de julgados do STF sobre a definição constitucional de "serviços de qualquer natureza" desde a virada da jurisprudência do STF em 2001 (RE 116.121) — quando a Corte mudou o entendimento histórico e passou a declarar inconstitucional o ISSQN sobre locações de bens móveis. A partir daí o relator passou em revista os vários julgados que contornaram esse entendimento: a decisão da Súmula Vinculante 31 ("somente as locações puras estaria excluídas da incidência"); RE 592.015 — Arrendamento Mercantil/Leasing (citando a divisão proposta pelo ministro Eros Grau entre tangíveis e intangíveis, como os critérios para incidência do ICMS e do ISSQN, respectivamente); RE 651.703 – Planos de Saúde (citando o voto do ministro Fux, relator, que associou a matriz constitucional do ISSQN ao "oferecimento de utilidade a outrem"). Depois citou o entendimento em relação aos "contratos mistos", como os de franquia (RE 603.136) e os serviços de inserção de textos, desenhos e outros materiais de propaganda e publicidade, em qualquer meio (ADI 6.034), submetidos à prelazia da lei complementar tributária, na definição do campo de incidência entre o ICMS e o ISSQN.

Ao final, e com base nessa trajetória da jurisprudência, o Ministro asseverou: "a partir do exposto, em que pese a dissociação de 'prestação de serviço' da 'obrigação de fazer', resta mantida a ideia de que o ISS incide sobre oferecimento de utilidade a outrem, podendo se realizar, ou não, com 'obrigação de dar'".

A argumentação é subsidiária à fundamentação que leva à conclusão (tese vencedora) da constitucionalidade do subitem 25.5, apresentando-se mais como obiter dictum do que parte integrante da ratio decidendi do julgado. Entretanto, as razões do relator têm força ilocucionária suficiente para confirmar que a definição de serviços de qualquer natureza adotada pela jurisprudência Corte não mais sustenta a Súmula Vinculante nº 31 e tampouco o entendimento veiculado no RE 116.121 — que afastava a incidência do ISSQN sobre as "locações de bens".

Quanto à possibilidade de modulação dos efeitos desse entendimento, essa possibilidade só poderá ser cogitada diante da superação expressa do entendimento anterior quando eventualmente a Corte julgar um caso específico de locação (pura) de bens.

Seja como for, já se afigura possível afirmar que o STF assentou contexto jurisprudencial favorável à incidência do ISSQN em todas as locações de bens, suficiente para a revisão da Súmula Vinculante 31 e do malsinado RE 116.121 de 2001.

Tudo indica que, tão logo chegue aos tribunais um caso específico de "locação de bens", deverá ser restabelecida a vetusta jurisprudência dos Tribunais e a tradicional normatividade da lei complementar tributária do ISSQN, que desde a edição do CTN (artigo 71) previa a incidência do imposto sobre serviços de qualquer natureza sobre locações e cessões de bens, que representam grande parcela da economia do setor de serviços no país.  

Resta agora provocar um novo entendimento formal e expresso da Corte, capaz de rever a inquinada Súmula Vinculante nº 31.

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