Opinião

Qual o marco temporal de fixação da data de início do benefício? Tá na lei!

Autor

  • Diego Henrique Schuster

    é advogado professor doutorando e mestre em Direito Público pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos (Unisinos) e membro da atuação jurídica do Instituto Brasileiro de Direito Previdenciário (IBDP).

20 de fevereiro de 2023, 6h32

A tese a ser definida: "Qual o marco temporal de fixação da Data de Início do Benefício (DIB) nos casos em que o interessado, apesar de reunir os requisitos para a concessão na Data do Requerimento Administrativo (DER), apenas apresenta os elementos de prova essenciais ao reconhecimento do direito na via judicial, quando poderia tê-lo feito antes" [1].

Poderíamos dar "pano pra manga", questionando, por exemplo: o que são "elementos de prova essenciais" (qual documento separou o segurado do seu direito)? Houvesse o segurado apresentado a prova antes, isso faria alguma diferença para o INSS? E no caso de prova pericial? A prova pode ser nova… ou os fatos?

A saída, se é que existe alguma, só pode ser…? Não é de se admirar que o direito chega sempre atrasado. A frase do professor Lenio Streck me marcou: "Justiça, para mim, é para solucionar problemas, não para criá-los".

Fica claro que o pessoal gosta é de complicar e, sim, tornar as coisas mais difíceis para o segurado, na esteira de uma orientação institucional abusiva e protelatória do INSS. A Lei 8.213/1991 prevê expressamente o termo inicial dos efeitos financeiros (artigos 49, II, 54 e 57, § 2º), sem condicioná-lo ao momento da comprovação do direito. Não existe "vácuo legislativo" a permitir que se fixe em outro momento o início do benefício e de seus efeitos financeiros, sob pena de violação aos dispositivos supramencionados, como sempre decidiu o Superior Tribunal de Justiça. A sombra deve permanece sombra [2].

Preferimos, ao revés, cair numa espécie de paradoxo de Epiménides. Epiménides, que era cretense, disse: "Todos os cretenses são mentirosos". Portanto, o enunciado é verdadeiro se for falso e é falso se for verdadeiro, pois quem o enuncia é um cretense mentiroso. Ou, talvez, no "dilema Tostines": Tostines vende mais porque é fresquinho ou é fresquinho porque vende mais?

A lei de benefícios oferece uma solução para o problema, uma espécie de metalinguagem. Kelsen fez isso, elaborando, pois, um topos científico de inteligibilidade do Direito: "uma coisa é o Direito, outra bem distinta é a ciência do Direito. O Direito é a linguagem-objeto, a ciência do Direito a metalinguagem: dois planos distintos e incomunicáveis" [3]. É por isso que Kelsen não pode ser confundido com um positivista exegético.

Sinceramente, preenchidos os requisitos do Tema 350/STF, o "processo" administrativo não merece sequer censura. Na maioria esmagadora dos casos, não se espera outra solução que não o indeferimento (e.g.: pedido de reconhecimento do tempo de serviço especial).

Agora pensemos nos desafortunados que buscam seu direito sozinhos na via administrava, nas inúmeras dificuldades de acessar o sistema do INSS, enfim, estão querendo criar um problema maior do que aquele representado pela atuação descomprometida do INSS, da falta de interesse na vida do segurado. Quem deve orientar e exigir a prova essencial ao reconhecimento do direito (e não apenas ao reconhecimento na via judicial)? Estão tentando inverter as coisas.

Aqui, torna-se novamente perceptível a estreita visão do mundo prático. No lugar disso, seria muito mais produtivo pensarmos em como melhorar o acesso aos serviços do INSS, como fazer os precedentes de observação obrigatória vincularem também na esfera administrativa, enfim, fixar os efeitos financeiros na data em que apresentada a prova essencial ao reconhecimento do direito não vai mudar em nada a atuação do INSS. Pelo contrário, o INSS será premiado com a subtração dos valores devidos desde o implemento dos requisitos ensejadores do benefício previdenciário.

Sou um crítico da ideia de quem defende que basta estar lei, uma vez que tal concepção deixa de fora da aplicação do direito os princípios (vide art. 4º da Lindb, que confirma uma resistência do positivismo clássico no Brasil), mas aqui tá na lei [4]! Não acredito que, aqui, vamos apostar na discricionariedade, quer dizer, deixar para o juiz decidir o que é prova essencial, o que poderia (ou não) ter sido apresentado, enfim, fixar a DIB em outra data significa deixar de lado a opção do legislador, convertendo-se numa opção que, portanto, não lhe foi dada.

_________________________________________

Bah1: O Tema 292/TNU foi desafetado por conta do Tema 1.124/STJ.

Bah2: No Tema 1.124 a ser definido pelo Superior Tribunal de Justiça, a tendência é a Corte Cidadã confirmar sua jurisprudência já consolidada, por uma questão de coerência e integridade (CPC, art. 926): AgRg no REsp 1.103.312/CE, rel. min. NEFI CORDEIRO, j. 27/5/2014, DJe 16/6/2014; AgRg no REsp 1.103.312/CE, rel. min. NEFI CORDEIRO, j. 27/5/2014, DJe 16/6/2014; REsp 1.833.548/SE, rel. min. HERMAN BENJAMIN, 2ª TURMA, julgado em 1/10/2019, DJe 11/10/2019; REsp 1.745.509/SP, rel. min. NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, 1ª TURMA, julgado em 11/6/2019, DJe 14/6/2019; para citar apenas estes. Julgados da Corte Especial começaram a assumir a nova orientação, buscando efetivar a coerência, como na questão envolvendo a necessidade de renovação do pedido de justiça gratuita quando do manejo do recurso especial. MARQUES, Mauro Campbell. Hermenêutica: coerência e integridade como vetores interpretativos no discurso jurídico. In: STRECK, Lenio Luiz; ALVIM, Eduardo Arruda; LEITE, George Salomão. Hermenêutica e jurisprudência no Código de Processo Civil: coerência e integridade. 2. ed., São Paulo: Saraiva Educação, 2018. p. 182-208.

Bah3: STRECK, Lenio Luiz. A pureza do direito kelseniana. Estado da Arte. Disponível em: <https://estadodaarte.estadao.com.br/pureza-kelsen-streck/>. Acesso em 15 set. 2022.

Bah4: No julgamento do Tema 995, o Superior Tribunal de Justiça fundamentou sua decisão no princípio da primazia do acertamento da relação jurídica de proteção social, citando o professor doutor José Antônio Savaris, in verbis: "A conclusão a que se chega a partir da primazia do acertamento é a de que o direito à proteção social, particularmente nas ações concernentes aos direitos prestacionais de conteúdo patrimonial, deve ser concedido na exata expressão a que a pessoa faz jus e com efeitos financeiros retroativos ao preciso momento em que se deu o nascimento do direito – observado o direito ao benefício mais vantajoso, que pode estar vinculado a momento posterior. (…) No diagrama da primazia do acertamento, o reconhecimento do fato superveniente prescinde da norma extraída do art. 493 do CPC/2015 (CPC/1973, art. 462), pois o acertamento determina que a prestação jurisdicional componha a lide de proteção social como ela se apresenta no momento da sua entrega. (José Antônio Savaris in direito processual previdenciário, editora Alteridade, 7ª edição revista e atualizada, páginas 121/131) A teoria do acertamento conduz a jurisdição de proteção social, permite a investigação do direito social pretendido em sua real extensão, para a efetiva tutela do direito fundamental previdenciário a que faz jus o jurisdicionado".

Autores

  • é advogado, professor, doutorando e mestre em Direito Público pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos (Unisinos) e membro da atuação jurídica do Instituto Brasileiro de Direito Previdenciário (IBDP).

Tags:

Encontrou um erro? Avise nossa equipe!