Opinião

A não incidência de contribuições sobre despesas de home office

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14 de fevereiro de 2023, 11h14

Após a pandemia da Covid-19, tornou-se uma realidade comum no mercado de trabalho a migração dos cargos administrativos e técnicos, cuja atividade pode ser desenvolvida fora da sede do empregador, para o regime de home office (teletrabalho). A regulamentação trabalhista dessa modalidade já estava prevista na CLT desde 2017 (Lei nº 13.467/17), mas sofreu alterações em 2022, com a promulgação da Lei nº 14.442/22.

Para fins trabalhista, considera-se teletrabalho a prestação do serviço fora das dependências do empregador e, desde que, por sua natureza, a atividade não se enquadre como trabalho externo (artigo 75-B da CLT). Pela definição legal, o teletrabalho é o realizado a partir da utilização de tecnologias de informação e de comunicação, sem a necessidade de atividades externas, o que denota a imprescindibilidade de internet e energia elétrica para o trabalho.

O fornecimento dos equipamentos tecnológicos e da infraestrutura para a prestação do trabalho remoto, bem como o reembolso de despesas arcadas pelo empregado para o trabalho, não integram a remuneração (artigo 75-D da CLT [1]). Trata-se da clássica distinção entre o que é fornecido pelo empregador para viabilizar a execução do trabalho, que não será considerado remuneração, daquilo que é fornecido pelo trabalho executado, que constitui a remuneração do labor [2].

Com a migração de certas atividades para o home office, muitas empresas instituíram o pagamento de valores adicionais a esses empregados, com o objetivo de custear, especificamente, as despesas incorridas com energia elétrica e internet, indispensáveis ao teletrabalho.

No caso de empregados em home office é indiscutível a necessidade de energia elétrica e internet de boa qualidade, insumos essenciais ao desenvolvimento da atividade de forma remota. Somente são alocados no regime de teletrabalho os empregados que possam exercer suas funções fora das dependências da empresa, logicamente com a utilização de recursos como internet e energia.

O custeio da energia elétrica e da internet pelo empregador tem a função de viabilizar o trabalho, não sendo possível considerar tais repasses como parcela remuneratória, mesmo que para fins de custeio previdenciário. Para além disso, a principal dúvida que permeia a questão é saber como quantificar esses valores, já que tanto a internet quanto a energia elétrica usualmente também são utilizadas no consumo pessoal dos empregados.

Apesar de a legislação trabalhista determinar que as despesas reembolsadas pelo empregador ao empregado em home office, destinadas ao exercício da atividade, não compõe a remuneração, é comum os empregadores terem dúvidas qual a melhor forma de viabilizar a disponibilização desses valores, tendo em vista eventual risco de questionamento, principalmente pela fiscalização da Receita Federal. A ausência de regulamentação semelhante na legislação previdenciária, assim como a inexistência de parâmetros normativos que possam ser adotados para balizar os pagamentos, induz a essa situação de insegurança.

Esse contexto levou contribuinte a formular Consulta perante a Receita Federal, a fim de esclarecer 1) se o valor pago a título de ajuda de custo, em valor fixo e mensal, para ressarcimento de despesas arcadas pelos funcionários com internet e consumo de luz, pelo regime de home office, poderia ser excluído do cálculo das contribuições previdenciárias devidas pelo empregador; 2) na hipótese de resposta negativa ao primeiro questionamento, se o reembolso das despesas em percentual determinado sobre o valor dispendido pelo funcionário ao final de cada mês para o custeio de energia e internet, mediante comprovação das faturas apresentadas, seria suficiente para afastar a incidência das contribuições; e 3) se estaria correto o entendimento de que o pagamento da ajuda de custo, realizado semestralmente, em valor fixo e calculado com base na média de gastos dispendidos pelos funcionários com energia e internet, se enquadraria em alguma das hipóteses da alínea "e" do §9º do artigo 28 da Lei n° 8.212/1991, que traz um rol de verbas excluídas do cálculo das contribuições previdenciárias.

O contribuinte ainda questionou se o pagamento poderia ser considerado indenizatório, para fins de sua exclusão do cálculo do IRRF, bem como se poderia ser enquadrado como despesa operacional, para fins de dedução do IRPJ.

O entendimento da Receita Federal foi manifestado na Solução de Consulta nº 63/2022, da Cosit [3], que reconheceu como indenizatórios os valores de energia elétrica e internet reembolsados a empregados em home office. Como consequência disso, não sofrem a incidência das contribuições previdenciárias ou do IRRF, além de serem despesas dedutíveis na apuração do IRPJ e da CSLL.

Aplicando analogicamente o artigo 28, §9º, "e", 7, da Lei nº 8.212/91, que exclui do cálculo das contribuições previdenciárias os "ganhos eventuais", a Cosit entendeu que o ressarcimento de despesas com internet e consumo de energia elétrica não deve sofrer a incidência das contribuições. Assegurou, inclusive, a supressão do pagamento da verba caso os empregados em home office retornem ao trabalho presencial na empresa.

Contudo, para a caracterização do aspecto indenizatório dos pagamentos (seja para fins previdenciários, seja para fins fiscais), a Cosit veiculou o entendimento quanto à necessidade de comprovação da despesa incorrida pelo empregado reembolsado, mediante documentação hábil e idônea. Não foi indicado, ainda que a título de exemplo, qual seria a documentação considerada "hábil e idônea" para a Receita Federal.

Apesar de correto, e esperado, que o reembolso desses valores fosse enquadrado como indenizatório, a Cosit não respondeu ao que foi questionado pelo consulente, cuja dúvida residia na forma de custear as despesas adicionais dos empregados em home office com energia elétrica e internet, para afastar a incidência tributária: o pagamento poderia ser feito em valor fixo e mensal; ou com base em percentual das despesas comprovadas ao final de cada mês, ou na forma de ajuda de custo semestral, em valor fixo e calculado a partir da média de gastos dispendidos?

Muito provavelmente, a ausência de uma resposta para a dúvida do contribuinte se deva à ausência de normatização da matéria no âmbito da Receita Federal. A única preocupação da Cosit foi a de vincular a natureza indenizatória dos valores à comprovação da despesa, com claro objetivo de evitar que o empregador pague salário sob a roupagem de ajuda de custo/reembolso.

Entretanto, a forma como elaborada a resposta pela Cosit não atende as expectativas dos contribuintes, nem as necessidades de dar à legislação tributária interpretação que, sem afetar a segurança jurídica, proporcione maior praticidade à atividade de apuração, controle e fiscalização, diminuindo os custos de conformidade dos contribuintes e a complexidade da própria atividade fiscalizatória.

Vincular o reconhecimento do caráter não remuneratório desse tipo de verba à sua comprovação, empregado por empregado, não é a melhor solução, em termos de intepretação jurídica e aplicação do princípio da praticidade. É visível que, desde que fixado em valores razoáveis, o custeio de energia elétrica e internet para o home office deve ser presumidamente considerado indenizatório/não remuneratório, por ser indispensável ao teletrabalho.

A comprovação de que o funcionário está alocado para o teletrabalho, com funções compatíveis com essa modalidade, e o pagamento adicional, moderado e proporcional, da rubrica de ajuda de custo/reembolso já justifica que o seja reconhecido como não remuneratório e excluído da incidência tributária.

Também faltou a Cosit se manifestar sobre qual (is) critério (s) de repasse considera pertinente para custeio dessas utilidades. No contexto envolvido, consideramos que o valor repassado ao empregado deve ser estipulado com base em parâmetros objetivos e passíveis de verificação.

Uma boa medida é a utilização do valor médio do gasto com energia elétrica para a rotina normal de trabalho (considerando-se uma boa iluminação e o consumo elétrico de computadores e eventuais outras ferramentas necessárias ao trabalho) e o custo médio para a contratação de um bom serviço de internet em cada região, a ser avaliado em face de cada empresa e do tipo de trabalho prestado, que poderiam ser adotados para balizar o valor repassado aos empregados.

O valor repassado aos empregados em home office para custear energia e internet não constitui remuneração, sob qualquer aspecto que se analise a matéria, sendo válido exigir do empregador, quando muito, a abertura das informações que atestem como se chegou ao montante fixado para o custeio de tais despesas. Também é impensável que se pretenda exigir que o reembolso seja individualizado com algum tipo de cálculo de consumo mensal de internet e energia.

Seria totalmente inviável que o empregador fizesse controle e apuração para o reembolso de forma individualizada. O custo operacional envolvido superaria, certamente, o próprio custeio das utilidades reembolsadas, o que não é racional ou razoável. É totalmente dispensável, além de extremamente burocrático, impor às empresas a obrigação de arcar com a guarda da documentação referente à cópia de faturas mensais pagas pelos serviços de energia elétrica e internet, para que essa parcela não seja objeto de tributação, como entendeu a Cosit.

Vale destacar que, no acórdão nº 2401-006.913, no qual se discutia a possibilidade de incorporação à remuneração do valor referente ao veículo cedido pelo empregador para exercício do trabalho, o Carf manifestou o entendimento de que o seu uso residual pelo empregado aos fins de semana não transmutaria a natureza da concessão da utilidade, que se destina a viabilizar o trabalho. No mesmo sentido foi o entendimento manifestado no acórdão nº 9202-008.014, no qual se entendeu que o pagamento de valores para abastecimento de veículos utilizados para o trabalho, com base na rota individual de cada trabalhador e no consumo do veículo, não configura salário indireto, para fins de incidência previdenciária.

Esses precedentes indicam que a natureza não remuneratória das utilidades fornecidas pelo empregador, para fins de afastar a incidência tributária, é reconhecida quando há vinculação entre a utilidade e o seu emprego para o exercício do trabalho ou a vinculação da origem dos valores repassados à utilidade empregada para o trabalho. 

A matéria precisa e deve ser melhor abordada pela Receita Federal, inclusive por meio da edição de instrumentos normativos que, atentos à nova realidade do trabalho em home office e do elevado custo, financeiro e operacional, que a exigência de guarda das faturas pagas de energia e internet impõe aos empregadores [4], estabeleçam critérios razoáveis para estipulação do valor pago, sendo um critério que julgamos adequado autorizar o pagamento em valor fixo mensal baseado na média de consumo de cada região.

De toda forma, até que a questão seja melhor abordada pelas autoridades fiscais e considerando o entendimento da Cosit, para a mitigação de riscos, as empresas que custeiam ou pretendem custear as despesas de energia elétrica e internet dos empregados em home office, além de exigirem a cópia das faturas pagas de energia elétrica e internet, devem adotar parâmetros razoáveis e verificáveis para a determinação do valor reembolsável. O que deve ser efetuado tendo em vista a realidade específica de cada empresa, a forma de teletrabalho executado e a realidade das utilidades custeadas.

 


[1] Artigo 75-D. As disposições relativas à responsabilidade pela aquisição, manutenção ou fornecimento dos equipamentos tecnológicos e da infraestrutura necessária e adequada à prestação do trabalho remoto, bem como ao reembolso de despesas arcadas pelo empregado, serão previstas em contrato escrito.

[2] Há muito esse entendimento já é consagrado no âmbito trabalhista, como evidencia a Súmula 367 do TST: "UTILIDADES 'IN NATURA'. HABITAÇÃO. ENERGIA ELÉTRICA. VEÍCULO. CIGARRO. NÃO INTEGRAÇÃO AO SALÁRIO (conversão das Orientações Jurisprudenciais nºs 24, 131 e 246 da SBDI-1) – Res. 129/2005, DJ 20, 22 e 25.04.2005 I – A habitação, a energia elétrica e veículo fornecidos pelo empregador ao empregado, quando indispensáveis para a realização do trabalho, não têm natureza salarial, ainda que, no caso de veículo, seja ele utilizado pelo empregado também em atividades particulares. (ex-Ojs da SBDI-1 nºs 131  inserida em 20.04.1998 e ratificada pelo Tribunal Pleno em 07.12.2000  e 246  inserida em 20.06.2001) II – O cigarro não se considera salário utilidade em face de sua nocividade à saúde". (ex-OJ nº 24 da SBDI-1  inserida em 29.03.1996)  Destacou-se.

[3] Assunto: Contribuições Sociais Previdenciárias. VERBAS INDENIZATÓRIAS. TELETRABALHO. NÃO INCIDÊNCIA. COMPROVAÇÃO VALORES. Os valores pagos para ressarcimento de despesas arcadas pelos empregados com internet e consumo de energia elétrica, em decorrência da prestação de serviços no regime de teletrabalho, não devem ser incluídos na base de cálculo das contribuições previdenciárias. Contudo, para a caracterização do aspecto indenizatório dos valores percebidos, o beneficiário deve comprová-los, mediante documentação hábil e idônea, afastando, por conseguinte, a incidência das contribuições previdenciárias. […]

Assunto: Imposto sobre a Renda de Pessoa Física (IRPF)

VERBAS INDENIZATÓRIAS. TELETRABALHO. NÃO INCIDÊNCIA. COMPROVAÇÃO VALORES. Os valores pagos para ressarcimento de despesas arcadas pelos empregados com internet e consumo de energia elétrica, em decorrência da prestação de serviços no regime de teletrabalho, não devem ser incluídos na base de cálculo do Imposto sobre a Renda de Pessoa Física. Contudo, para a caracterização do aspecto indenizatório dos valores percebidos, o beneficiário deve comprová-los, mediante documentação hábil e idônea, afastando, por conseguinte, a incidência do Imposto sobre a Renda de Pessoa Física. […]

Assunto: Imposto sobre a Renda de Pessoa Jurídica (IRPJ)

APURAÇÃO DE BASE DE CÁLCULO  LUCRO REAL   DESPESAS DEDUTÍVEIS. Os valores pagos para ressarcimento de despesas arcadas pelos empregados com internet e consumo de energia elétrica, em decorrência da prestação de serviços no regime de teletrabalho, necessárias à atividade da empresa e à manutenção da fonte produtora, podem ser consideradas como dedutíveis na determinação do lucro real, desde que o beneficiário comprove, mediante documentação hábil e idônea, os valores despendidos. […]

[4] Um cálculo simplista, que considera uma empresa com 100 empregados em home office e a necessidade de guarda de duas faturas pagas (uma de internet e outra de energia), nos mostra a necessidade de a Empresa gerenciar o arquivamento de um total de 2.400 documentos para apenas um ano civil e de 12.000 documentos para um período de cinco anos.

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