Produção antecipada de prova e o caso das Lojas Americanas
12 de fevereiro de 2023, 6h37
Há muita discussão nos agentes econômicos os desdobramentos jurídicos a par da divulgação de fato relevante, em 11/1/2023, consubstanciado nas "inconsistências" contábeis de R$ 20 bilhões nas Lojas Americanas. Administradores, porém, já estimam rombo na casa dos R$ 50 bilhões.
Em paradigmática decisão proferida pelo desembargador Ricardo Negrão, integrante da 2ª Câmara Reservada de Direito Empresarial do Tribunal de Justiça de São Paulo, no Processo 2012093-58.2023.8.26.0000, foi mantida a determinação de apreensão de todos os e-mails trocados nos últimos dez anos entre todos os que foram diretores, membros do conselho de administração e do comitê de auditoria e funcionários das áreas de contabilidade e de finanças das Americanas, com vistas à realização de provas periciais contábeis a cargo da Ernst Young Assessoria.
A discussão jurídica pode ser resumida na licitude, ou não, de determinação judicial de produção antecipada de prova exarada pelo TJ-SP, diante da instauração da recuperação judicial das Americanas perante o Tribunal de Justiça do Estado do Rio Janeiro, e na adequação, ou não, da referida apuração probatória, eis que tais atribuições competiriam à Comissão de Valores Mobiliários e ao Juízo da recuperação judicial.
A propósito, a recuperação judicial tem por escopo viabilizar a superação da situação de crise econômico-financeira do empresário, a fim de permitir a manutenção da fonte produtora, do emprego dos trabalhadores e dos interesses dos credores, à luz dos princípios da função social da empresa e do estímulo à atividade econômica.
Neste contexto, a Lei de Recuperação Judicial (11.101/2005) não impede que, durante o processamento da recuperação judicial do devedor, haja a produção antecipada de provas, com vistas ao ajuizamento de ação voltada à eventual responsabilização civil dos responsáveis pela prática de atos ilícitos.
A rigor, o pedido formulado pelo Bradesco visa à produção de provas periciais aptas a subsidiar (1) o ajuizamento de ações contra eventuais participantes das fraudes contábeis perpetradas, à luz da desconsideração da personalidade jurídica com lastro no artigo 50 do Código Civil, (2) o ajuizamento de ação de responsabilização dos administradores da companhia pelos danos causados a terceiros a teor do artigo 159 da Lei 6.404/1976, e (3) o ajuizamento de ação para responsabilização contra os acionistas controladores em razão de danos causados com abuso de poder à vista do artigo 117 da Lei 6.404/1976.
De outro lado, o Código de Processo Civil, em seu artigo 381, prescreve que a produção antecipada da prova será admitida nos casos em que haja fundado receio de que venha a tornar-se impossível ou muito difícil a verificação de certos fatos na pendência da ação, a prova a ser produzida seja suscetível de viabilizar a autocomposição ou outro meio adequado de solução de conflito, e o prévio conhecimento dos fatos possa justificar ou evitar o ajuizamento de ação.
Vale dizer, o CPC acolheu a orientação segundo a qual a prova tem como destinatário imediato não apenas o juiz, mas também as partes envolvidas no litígio, reconhecendo-se um autêntico direito à produção da prova, de sorte que a produção antecipada da prova não exige, obrigatoriamente, a existência de uma situação de risco, podendo ser utilizada para evitar ou subsidiar futura demanda, nos termos da orientação jurisprudencial adotada pelas 3ª e 4ª Turmas do STJ no REsp 1.803.251, relator: ministro Marco Aurélio Bellizze, e no REsp 1.774.987, relatora: ministra Maria Isabel Gallotti.
Portanto, nada obstante a instauração do pedido de recuperação judicial das Americanas, tem-se que é admissível a produção antecipada de provas periciais para que eventualmente possam ser ajuizadas ações contra os administradores, os sócios controladores e os envolvidos nas fraudes contábeis, com amparo no Código Civil e na Lei de Sociedades Anônimas.
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