Opinião

A Suprema Corte do Reino Unido e o precedente vinculante

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10 de fevereiro de 2023, 14h06

O Reino Unido é formado por quatro países: Inglaterra, Gales, Escócia e Irlanda do Norte. É uma monarquia constitucional hereditária, em que a Chefia de Estado é exercida pelo rei Carlos 3º. Os demais poderes cabem ao governo, ao parlamento e à Suprema Corte.

UK Supreme Court
UK Supreme Court

Até 2005, não havia uma Suprema Corte separada do Parlamento, em que a função judicial de instância máxima era desempenhada pelos Law Lords, integrantes da House of Lords, câmara alta do Parlamento.

Naquele ano, foi criada por reforma constitucional a Suprema Corte, inaugurada pela rainha Elizabeth 2ª em outubro de 2009. Foi instalada em um edifício histórico construído em 1913, em estilo neogótico.

A Corte é integrada por 12 juízes, chamados Justices, mas as turmas julgadoras são compostas sempre em número ímpar por cinco, sete ou nove membros, a depender da importância e da complexidade do caso.

A causa mais importante lá julgada foi sobre o artigo 50 do Tratado de Lisboa, a respeito da saída do Reino Unido da União Europeia, quando funcionaram 11 juízes, tendo em vista a relevância do tema.

A Suprema Corte desempenha papel importante na interpretação das leis, a propósito da sua constitucionalidade. Julga processos civis de todas as partes do Reino Unido, bem como processos criminais, excluída a Escócia, com sistema próprio nesse mister.

Não há direito automático de recurso para a Suprema Corte. Para tanto, deve ser considerado um nível suficiente de incerteza quanto à questão controvertida, para que a decisão venha a constituir um precedente a ser observado pelos tribunais e juízes inferiores.

É que lá vigora o sistema jurídico da common law, próprio do direito anglo-saxônico. Stare decisis é a política que requer que as cortes subordinadas à superior que estabeleceu o precedente sigam-no e que não disturbem um ponto estabelecido. Editado o precedente, a Corte continuará a aderir àquele precedente, aplicando-o a casos futuros nos quais os fatos relevantes para fins decisórios sejam substancialmente iguais, posto que as partes não sejam as mesmas.

A doutrina do stare decisis não comporta a edição de súmulas, que contenham proposições jurídicas de caráter genérico. Encontrados os precedentes, faz-se o cotejo dos fatos relacionados aos casos anteriores com o fato objeto do caso em julgamento. É uma operação lógico-indutiva, em que a regra geral é extraída pelo aplicador do exame dos casos anteriores, mediante a comparação dos fatos, para aplicá-la ao caso concreto.

Verifica-se então que o precedente vinculante do stare decisis da common law nada tem a ver com a súmula vinculante do direito brasileiro, que contém proposição jurídica genérica, aplicável a um número indeterminado de casos. Ao aplicá-la, o juiz subsume o fato à proposição genérica da súmula vinculante, não fazendo o cotejo dos casos que motivaram a sua edição com o caso em julgamento. É uma operação lógico-dedutiva, de encontrar-se a norma no ordenamento jurídico e aplicá-la ao caso concreto.

A filiação histórica da súmula vinculante não é o stare decisis da common law, mas o assento com força de lei do velho direito reinol português. Com efeito, a Lei da Boa Razão, baixada em 1769 pelo rei dom José 1º, secundado por seu ministro Sebastião José de Carvalho e Melo, Conde de Oeiras e depois Marquês de Pombal, a pretexto de coibir abusos na interpretação da lei, determinou que os assentos da Casa de Suplicação de Lisboa tivessem força de lei, cominando pena de suspensão aos juízes que decidissem de maneira diversa.

No Brasil Imperial, o decreto 2.684 de 1875 determinava que os assentos da Casa de Suplicação de Lisboa tomados até a Independência tivessem força de lei. Após, conferia ao Supremo Tribunal de Justiça a atribuição de baixar assentos obrigatórios para a inteligência das leis.

Tal poder havia sido abolido pela República, até que a Emenda Constitucional nº 3 de 1993, modificada pela Emenda Constitucional nº 45 de 2004, o ressuscitasse, retornando ao direito brasileiro o velho assento com força de lei, rebatizado de súmula vinculante.

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Fontes
Cole, Charles D., Precedente Jurisprudencial — A Experiência Americana, in Revista de Processo, nº 92, outubro-dezembro de 1998, p. 71/86.

Razuk, Paulo Eduardo, Súmula Vinculante: novidade no direito brasileiro?, in Tribuna do Direito, junho de 1998, p. 10.

Idem, Súmula Vinculante e Stare Decisis, in Tribuna da Magistratura, setembro de 2005, p.11.

Suprema Corte do Reino Unido, Guia para o Visitante e Mapa do Edifício, sem data. Aqui

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