Opinião

Destino do agravo de instrumento na superveniência de sentença

Autores

  • Luiz Roberto Hijo Sampietro

    é doutorando e mestre em Direito Processual Civil pela Universidade de São Paulo (USP) especialista em Direito Empresarial pela Escola Paulista de Direito (EPD) bacharel em Direito pela Universidade São Judas Tadeu (USJT) advogado professor de Processo Civil no Núcleo de Direito à saúde da ESA/OAB-SP e em cursos de pós-graduação lato sensu.

  • Marco Antônio Fernandes de Barros Lima

    é advogado pós-graduado em Direito Processual Civil membro da AATP e sócio do escritório Barros Lima & Advogados Associados.

8 de fevereiro de 2023, 13h09

Dentre os muitos objetivos que pautaram os trabalhos da Comissão responsável pelo anteprojeto do CPC, o de simplificação do procedimento tinha como função reduzir a complexidade dos subsistemas previstos no Código, dentre os quais o recursal. Assim, para evitar que agravos de instrumento ficassem pendentes de julgamento ao término da cognição, o artigo 946 do CPC estabeleceu que tal espécie deveria ser julgada antes da apelação interposta no mesmo processo. Ainda, nos termos do parágrafo único do mesmo dispositivo, se a apelação e o agravo de instrumento fossem pautados para julgamento na mesma sessão, esse último teria preferência em relação àquele. O escopo da mencionada regra é de fácil compreensão [1]: evitar a inversão da ordem lógica necessária, dado que a matéria impugnada pelo recurso de agravo de instrumento pode prejudicar o julgamento da apelação.

Em sede recursal, parece-nos que o artigo 946 do CPC bem preserva a "ordem lógica necessária" a que Barbosa Moreira aludiu. No entanto, e se a demanda presidida por juízo singular for julgada antes do agravo de instrumento? O questionamento rende inúmeros problemas práticos, sobretudo porque o recurso de agravo de instrumento não possui efeito suspensivo como regra geral (artigos 995 e 1.019, I). Como solução para esse entrave, a jurisprudência desenvolveu dois critérios: 1) o da cognição; e 2) o da hierarquia.

Segundo a teoria da cognição, o agravo de instrumento, em regra, visa a reformar ou a invalidar decisão interlocutória proferida com base em atividade cognitiva sumária (juízo fundamentado em provisoriedade), ao passo que a sentença é resultado de cognição exauriente (juízo baseado em certeza). Dessa forma, para o critério da cognição o agravo de instrumento pendente de julgamento sofreria da ausência posterior de interesse recursal diante da prolação de sentença. O critério da hierarquia, no entanto, propõe solução diversa. Ao admitir e julgar o agravo de instrumento, o tribunal profere acórdão que substitui o provimento emanado do juízo a quo (efeito substitutivo). Desse modo, como a sentença será proferida por juízo singular, não pode ser ela incompatível com a decisão colegiada proferida pelo tribunal ad quem. Assim, para evitar discrepância, a sentença não prejudica o julgamento do agravo de instrumento. Muito ao contrário: a sua eficácia depende do não provimento do agravo e da subsequente confirmação da decisão interlocutória.

O próprio STJ já se valeu de ambos os critérios para resolver conflitos de interesses submetidos a ele. O acórdão proferido no REsp nº 187.442/DF entendeu que "[a] sentença proferida durante o processamento do agravo de instrumento cede ao que for decidido neste, ainda que o recurso tenha sido recebido no efeito meramente devolutivo". Todavia, o aresto resultante do julgamento do AgInt no REsp nº 1.618.788/SP aproximou-se do critério da hierarquia ao recomendar o exame da situação concreta. Veja-se: "[a] superveniência de sentença no processo principal não conduz, necessariamente, à perda do objeto do Agravo de Instrumento contra decisão interlocutória do mesmo processo, devendo-se considerar em cada caso, o teor da decisão interlocutória agravada e o conteúdo da sentença superveniente para o fim de se verificar a prejudicialidade".

Em nosso entender, o segundo julgado está correto. É necessário admitir que não existe solução apriorística para o entrave processual sob análise. É necessário avaliar o contexto, isto é, a substância da decisão agravada antes de se optar pelo critério da cognição ou da hierarquia.

Questão que deriva do problema enfrentado anteriormente diz respeito ao destino do agravo de instrumento não julgado e a sentença já transitada em julgado no mesmo processo. Em tal cenário, considerando-se a possibilidade de o teor do acórdão que julgar o agravo influir no resultado da sentença, qual a solução a ser dada? Prevalece o trânsito em julgado? Ou a sentença é proferida sob condição?

A jurisprudência já se mostrou oscilante sobre o assunto. Em acórdão proferido pelo TJRS [2], defendeu-se a existência de direitos adquiridos processuais no que tange à produção de prova pericial necessária à solução do entrave. Por consequência, a eficácia da sentença deveria ficar suspensa até o julgamento do agravo, independentemente do trânsito em julgado do decisum.

Em abono da prevalência da coisa julgada, o acórdão proferido no REsp nº 1.750.079/SP assim se expressou: "[o] propósito recursal consiste em definir se deve ser conhecido o recurso especial tirado de agravo de instrumento quando sobrevém sentença de extinção do processo sem resolução de mérito que não foi objeto de apelação. A despeito da divergência doutrinária e do dissenso jurisprudencial entre as Turmas do Superior Tribunal de Justiça, é inadmissível o agravo de instrumento interposto contra decisão interlocutória quando sobrevém sentença que não é objeto de recurso de apelação da parte, pois a formação da coisa julgada, ainda que formal, é óbice intransponível ao conhecimento do agravo, na medida em que é imprescindível que o processo ainda esteja em curso para que os recursos dele originados venham a ser examinados, quer seja diante da inviabilidade de reforma, invalidação ou anulação da decisão interlocutória proferida quando há subsequente sentença irrecorrida e, por isso mesmo, acobertado pela imutabilidade e pela indiscutibilidade, quer seja porque o agravo de instrumento não possui automático efeito suspensivo ex vi legis, nem tampouco efeito obstativo expansivo que impediria a preclusão ou a coisa julgada sobre a decisão recorrida e sobre as decisões subsequentes".

Para nós, a tese que privilegia a coisa julgada é a mais acertada. Além de o sistema processual civil brasileiro não conter qualquer previsão sobre sentenças condicionais, a tese, conquanto engenhosa, nada mais é do que uma tentativa de desconsideração da coisa julgada, contrariando a tão necessária segurança jurídica que se espera de ordenamento jurídico lastreado em Estado Democrático de Direito.

 


[1] BARBOSA MOREIRA, José Carlos. Comentários ao Código de Processo Civil, Volume V. 17ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2013, p. 695. A lição fazia referência ao artigo 559 do CPC/73, mas continua válida para o atual Código.

[2] Agravo de instrumento contra decisão indeferitória de prova pericial. Sentença proferida antes do julgamento do agravo. Embora perdido o prazo para a apelação, não desaparece o direito do julgamento do agravo, uma vez que o trânsito em julgado da sentença se condiciona ao desprovimento deste. Direitos adquiridos processuais. Prova pericial indeferida, necessária, porém, ao esclarecimento dos fatos, em ação de rescisão de contrato de abate de árvores, cumulada com perdas e danos, a que se opôs declaração incidental de vigência de contrato. Agravo provido, com declaração de ineficácia da sentença proferida, e recomendações ao Julgador. (Agravo de Instrumento nº 585009947, 3ª Câmara Cível, Relator: Galeno Vellinho de Lacerda, j. 8.8.1985).

Autores

  • é doutorando e mestre em Direito Processual Civil pela Universidade de São Paulo (USP), especialista em Direito Empresarial pela Escola Paulista de Direito (EPD), bacharel em Direito pela Universidade São Judas Tadeu (USJT), advogado e professor de Processo Civil no núcleo de direito à saúde da ESA/OAB-SP e em cursos de pós-graduação lato sensu.

  • é advogado, pós-graduado em Direito Processual Civil, membro da AATP e sócio do escritório Barros Lima & Advogados Associados.

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