Opinião

Projeto de lei da moeda digital brasileira

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8 de fevereiro de 2023, 19h37

Este artigo analisa a proposta de criação, implantação e regulamentação da moeda fiduciária digital brasileira ("real digital"), que se constitui na modalidade nacional das denominadas Central Bank Digital Currencies (CBDCs), ou Moedas Digitais dos Bancos Centrais, objeto de preocupação em diversos países e ordens jurídicas, notadamente quanto à garantia dos direitos fundamentais.

Moedas digitais dos BCs (CBDCs)
As Moedas Digitais dos Bancos Centrais, ou Central Bank Digital Currencies (CBDCs), constituem-se em unidades de valor emitidas pelas autoridades monetárias com, ou sem paridade com a moeda fiduciária, porém com as características das moedas fiduciárias oficiais, ou seja, são meios liberatórios de obrigações com curso forçado.

Outrossim, são emitidas pelos governos e circulam por meios eletrônicos, podendo utilizar-se de diversas soluções tecnológicas, inclusive o blockchain, ou, ainda, de sistemas próprios.

Portanto, são moedas fiduciárias, de curso forçado, vinculadas à moeda oficial, e tanto quanto essas, unidades de valor e padrão de referência de pagamentos, constituindo-se em meio liberatório geral de obrigações.

Muito embora utilizem tecnologias assemelhadas, não se constituem em cryptoativos, crypomoedas ou moedas virtuais, que não se subsumem no conceito de moedas, já amplamente estudadas na doutrina e fontes de constantes debates tendo em vista os inúmeros casos de fraudes e golpes financeiros em diversos países, em alguns dos quais já banidos tendo em vista a ausência de controles estatais e a existência de riscos sistêmicos agregados.

As CBDCs, ainda, dadas suas características tecnológicas, permitem sejam incorporadas inúmeras utilidades inexistentes em papel moeda e até mesmo nas moedas simplesmente eletrônicas e escriturais. Além disso, enquanto meios de pagamento, apresentam características superiores ao Pix e a outros sistemas privados, trazendo novos desafios para as autoridades nacionais já que ampliam talvez de forma desmedida o controle do estado sobre a sociedade e sobre a economia.

Portanto, a questão das moedas digitais é muito mais ampla do que a mera evolução das moedas escriturais e eletrônicas, constituindo-se em verdadeira reação das soberanias frente aos riscos representados pelos ativos eletrônicos, seja do ponto de vista dos riscos do fim da intermediação, seja da pulverização do poder estatal no controle de sua moeda, trazendo, entretanto, riscos associados aos direitos fundamentais.

Por fim, o tratamento tecnológico e normativo dado às CBDCs, por envolver aspectos intrínsecos a cada ordem jurídica, obedecem a parâmetros distintos, sendo bem possível a necessidade de regulação por instrumentos de direito internacional e comunitário com vistas à regulação e uniformização de práticas como pagamentos entre diferentes países.

Veja-se nos tópicos seguintes o tratamento dado às moedas digitais na China e na União Européia e, no final, as propostas em tramitação no Brasil quanto ao tema.

Moeda digital da China: o Yuan Digital (E-CNY)
Não há um número certo porém tem-se notícia de que mais de cem países dedicam-se ao desenvolvimento de suas próprias moedas digitais, sendo que o primeiro foi a China, através do denominado Yuan Digital ou E-CNY, como é conhecido e chamado por lá.

Não custa recordar que o nome oficial da moeda chinesa é renminbi, porém, a designação da sua unidade de medida yuan tornou-se mais popular e é amplamente utilizada para identificar a moeda do país, principalmente no exterior. O yuan digital  nada mais é do que a expressão eletrônica da moeda fiduciária do país (E-CNY).

Em tradução livre, o E-CNY é a versão digital da moeda fiduciária emitida pelo PBOC e operada por agentes autorizados. É um instrumento de pagamento híbrido baseado em valor, quase baseado em conta e baseado em conta, com status de curso legal e vinculação em conta acoplada [1].

O Banco Popular da China (PBOC) atribuiu grande importância à pesquisa e desenvolvimento da moeda fiduciária digital. Em 2014, criou uma força-tarefa para estudar a moeda fiduciária digital, e seu escopo de pesquisa abrangeu a estrutura de emissão, as principais tecnologias, o ambiente de emissão e circulação e a experiência internacional.

Em 2016, o PBOC estabeleceu seu Digital Currency Institute, que desenvolveu o protótipo de primeira geração da moeda fiduciária digital. No final de 2017, após a aprovação do Conselho de Estado, o PBOC começou a trabalhar com instituições comerciais no desenvolvimento e teste de moeda fiduciária digital (E-CNY).

O yuan digital vem sendo implantado gradativamente na China, sobretudo após a publicação do Aviso de 15/09/2021, do PBOC, que baniu, daquele país as crytomoedas, acoimando-lhes a pecha de instrumento de práticas ilegais e criminosas, além de apontar efeitos disruptivos para a economia.

Em 2021, o PBOC declarou os seguintes objetivos para a implantação do yuan digital [2]:

a) O primeiro objetivo é diversificar as formas de dinheiro fornecidas ao público, satisfazer a demanda por moeda digital e apoiar a inclusão financeira;

b) O segundo objetivo é estimular a concorrência leal, a eficiência e a segurança dos serviços de pagamento de varejo; e,

c) O terceiro objetivo é fazer eco da iniciativa internacional e explorar a melhoria dos pagamentos transfronteiriços.

Mais recentemente, e com fundamento na experiência já adquirida a partir da implantação progressiva do yuan digital, a preocupação do Partido Comunista Chinês se volta a garantir a privacidade e proteção aos dados pessoais dos usuários, o que ainda não ocorre totalmente, conforme reconhece o governo chinês. Fala-se em "anonimato limitado", como característica do yuan digital, situação que prejudica a adesão à moeda fiduciária digital chinesa.

A intenção declarada do governo chinês é garantir o anonimato para as pequenas operações e a rastreabilidade das grandes operações, dentro da já reconhecida idéia geral da zhuada fangxiao, seja, "pegue o grande e solte o pequeno", já aplicada em outras áreas da economia chinesa.

Seja como for, o PBOC anunciou em 10/10/2022 que o volume de negociações com o E-CNY (yuan digital) alcançou a quantia de US$ 14 bilhões de dólares, tornando a moeda digital chinesa a mais adotada do mundo, muito embora de forma limitada do ponto de vista geográfico.

O yuan digital, enquanto primeira moeda digital a ser adotada por um estado traz, ainda, preocupações de ordem geopolítica representada pela posição da China no cenário econômico mundial, sendo certo que possui condições no longo prazo de colocar em risco a condição do dólar americano como moeda de referência internacional.

Além disso, amplia exponencialmente o controle do estado sobre a economia chinesa, tornando possível a colocação em prática de políticas monetárias nunca vistas anteriormente, como, por exemplo, a absorção imediata compulsória de liquidez, ou, ainda, limitar no espaço e no tempo a circulação da moeda, ou, ainda, influir no consumo de determinados produtos, regulando a oferta.

Tanto quanto as moedas virtuais, ou criptomoedas, representa também uma tecnologia disruptiva à qual se acresce os poderes prerrogativas incontrastáveis do estado chinês, o quê deve ser observado com cautela tanto quanto nas demais ordens jurídicas.

Moeda digital europeia: o Euro Digital (E-Euro)
Tanto quanto na China, a implantação da CBDC Européia (E-Euro) atende mais a interesses de política econômica estatista, ou seja, da Administração Pública, do que para atender às necessidades individuais propriamente ditas que já os europeus contam com um sistema de pagamentos eficiente, e um sistema monetário unificado.

A questão na Europa se coloca ao nível do controle das transações, como alegada forma de combate à criminalidade. Como dito, é uma reação ao sistema das moedas virtuais, incapazes que são de impedir a ocorrência de uma série de operações ilegais e subversivas à soberania dos estados.

Diferentemente dos Estados Unidos, ou do Brasil, a Europa encontra-se em fase tardia de federalização e o velho continente sente as dores da insurgência de um sistema que obriga diferentes unidades regionais se unirem em torno de idéias até mesmo contraditórias.

E a questão da privacidade se coloca mais do que na China, mais voltada à eficiência do sistema, e o estado federado europeu pede, antes de impor, exceção aos crimes de lavagem de dinheiro e ocultação de capitais. Defende-se a necessidade pública de se proteger o sistema de pagamentos e que a solução decorrente das tecnologias para implantação do E-Euro como adequadas para o desafio de combate à criminalidade.

Ali, diferentemente do regime chinês, como dito, focado na eficiência do sistema, e na inclusão bancária, o argumento reitor é o interesse público no combate às infrações criminais, em troca da promessa de uma regulação que respeite "adequadamente" o direito à privacidade, como que a colocar interessadamente a matéria no debate público e, infelizmente, a Europa Continental cai na tentação da fácil e estéril contraposição entre interesse público e privado.

Além disso, surgem questões decorrentes do federalismo tardio do velho continente que continuam a colocar em cheque o interesse de integração, com as cicatrizes do recente e equivocado Brexit.

Em setembro de 2022 foi publicado o segundo relatório sobre a implantação do euro digital. Os auditores publicaram o seu primeiro relatório, tendo-se verificado estudos mais detalhados sobre o E-Euro no período de cerca de três meses. Entre esses estudos, chamou a atenção o detalhamento do papel de terceiros e a utilização de modelos de repasse de fundos, sem olvidar da questão da identificação dos investimentos, que parece ser um problema para a gestão burocrática da União Europeia.

Segundo o relatório, um consórcio será estabelecido entre o Banco Central Europeu e o banco central dos países membros, que serão responsáveis pela emissão e pagamento de euro digital. Ao que parece, mais uma vênia à decadente burocracia local que não desiste em resistir ao projeto de integração, tanto quanto as administrações estaduais resistem no Brasil, a despeito de sermos um estado federativo já consolidado.

No entanto, como os estudos iniciados em setembro de 2021 ganharam força no final do ano, os auditores sugeriram que uma abordagem de intermediação supervisionada seria mais adequada em vez de um modelo diretamente vinculado ao BCE. Assim, acreditam que as responsabilidades por todas as transações individuais, incluindo os dispositivos e aplicativos a serem usados para transações digitais em euros, podem ser compartilhadas com intermediários regulamentados, onde diferem essencialmente do que preconiza a autoridade monetária brasileira.

No modelo proposto na Europa, embora os intermediários tenham acesso às transações dos clientes, a intervenção dos bancos centrais nos saldos e movimentos das contas dos consumidores deve ser mantida em um nível local. Por outro lado, não há informações sobre se o euro digital funcionará de maneira tradicional ou usando a tecnologia de contabilidade distribuída, o que é preocupante tendo em vista a adoção do modelo de moeda única no espaço europeu.

Ao que parece existe uma reação à tendência federativa do modelo europeu, que reconhece a importância das políticas comuns, mas que não convive bem com a centralidade de seu BC.

Além disso, a vala comum da supremacia do interesse público aponta para uma perigosa encruzilhada, estabelecida a partir do entendimento de que a ausência de tecnologia, ou de estrutura de combate ao crime, pode ser ultrapassada por simples regulação, muito embora não indique de que modo os interesses fundamentais serão garantidos.

Moeda digital brasileira: o Real Digital (E-Real)
No Brasil, além das preocupações contidas nos modelos chinês e europeu, ou seja, eficiência, inclusão e combate à criminalidade, percebeu-se a necessidade de se identificar no modelo a incorporação de novas tecnologias e funcionalidades além da simples evolução da moeda eletrônica, e a necessária garantia da segurança jurídica das operações.

Pela Portaria 108.092, de 20 de agosto de 2020, o Banco Central do Brasil criou o grupo de trabalho Interdepartamental que fixou as seguintes diretrizes para a implantação do real digital:

a) ênfase na possibilidade de desenvolvimento de modelos inovadores a partir de evoluções tecnológicas, como contratos inteligentes (smart contracts), internet das coisas (IoT) e dinheiro programável;
b) previsão de uso em pagamentos de varejo;
c) capacidade para realizar operações online e eventualmente operações offline;
d) emissão pelo BCB, como uma extensão da moeda física, com a distribuição ao público intermediada por custodiantes do Sistema Financeiro Nacional (SFN) e do Sistema de Pagamentos Brasileiro (SPB);
e) ausência de remuneração;
f) garantia da segurança jurídica em suas operações;
g) aderência a todos os princípios e regras de privacidade e segurança determinados, em especial, pela Lei Complementar nº 105, de 2001 (sigilo bancário), e pela Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais;
h) desenho tecnológico que permita integral atendimento às recomendações internacionais e normas legais sobre prevenção à lavagem de dinheiro, ao financiamento do terrorismo e ao financiamento da proliferação de armas de destruição em massa, inclusive em cumprimento a ordens judiciais para rastrear operações ilícitas;
i) adoção de solução que permita interoperabilidade e integração visando à realização de pagamentos transfronteiriços; e ação de padrões de resiliência e segurança cibernética equivalentes aos aplicáveis a infraestruturas críticas do mercado financeiro.

O real digital encontra-se atualmente em modo experimental, tendo sido lançada em outubro de 2022 a fase de testes. A previsão de emissão definitiva e gradual é ainda no ano de 2023. Além disso, o valor da CBDC brasileira será atrelada ao real, ou seja, será paritária com a moeda física, sendo, portanto, extensão dela no espaço eletrônico.

Não utilizará a tecnologia blockchain, comum das denominadas cryptomoedas. Também não possui limites de emissão, além dos que existem para a moeda física. Haverá sensível redução na despesa com a impressão e produção das notas físicas, muito embora seja presumível a ampliação dos gastos com os sistemas de segurança do sistema.

Pela leitura das diretrizes acima, verifica-se o indubitável interesse em limitar as operações com cryptomoedas, tomando para si a iniciativa da digitalização das reservas de valor, e tornando o universo crypto marginal. Além disso, percebe-se claramente a preocupação em evitar a pressão das big techs no Sistema de Pagamentos Brasileiro, em repetição do que houve no episódio da implantação do Pix, ou seja, ao assédio da iniciativa privada respondeu-se com uma solução controlada pelo Poder Público.

Apesar da previsão genérica de "aderência a todos os princípios e regras de privacidade e segurança determinados, em especial, pela Lei Complementar nº 105, de 2001 (sigilo bancário), e pela Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais", verifica-se de pronto a colocação do tema da intimidade e privacidade em segundo plano.

A preocupação, repita-se, do Estado brasileiro, nas diretrizes acima, é a garantia do desenvolvimento tecnológico, de forma ampliar os controles públicos sobre o dinheiro digital, sob o pretexto de combate à criminalidade, da eficiência e da inclusão digital, além da segurança jurídica das operações.

Em outras palavras, numa análise jurídica primária sabe-se que todo e qualquer direito fundamental, de matriz constitucional, mesmo que cláusula pétrea, não é absoluto. Mesmo assim, é fundamento de validade para toda e qualquer política pública, que deverá necessariamente passar pelo método da ponderação de interesses para que tenha validade.

A primeira diretriz, reitora que fosse da implantação do real digital deveria ser a da garantia dos direitos fundamentais. Ponto. Isso é óbvio. Mas não é o que ocorre, nem no Brasil, nem no exterior e tal constatação independe do regime político e da ordem jurídica discutida. As "boas intenções" dos Estados na aprovação da novel tecnologia escondem os riscos do totalitarismo, e da violação da vida íntima e privada dos seus cidadãos.

Os riscos à privacidade ultrapassam o mero acesso ao teor da carteira digital (wallet) do titular dos valores, alcançando, inclusive, a localização do portador, no tempo e no espaço, além de seus hábitos de consumo.

Fundamental, portanto, que o marco normativo-regulatório coloque os devidos limites não apenas ao Banco Central, mas, também, a toda a administração pública, posto que é certo que não tardarão as requisições e recomendações para acesso aos dados das carteiras digitais e das operações a elas vinculadas.

O Projeto de Lei Complementar PLP 9/22, que modifica a Lei Federal 4.595/64 e dispõe sobre a emissão da moeda nacional no formato digital e dá outras providências, e constitui-se em oportunidade para a devida regulamentação do instituto, muito embora contenha algumas impropriedades.

Inicialmente, a norma proposta prevê, em seu artigo 4º que o Banco Central será responsável por autorizar a emissão e garantir a conversibilidade e a paridade de valor econômico entre a moeda digital do BC e a moeda que circula em meio físico, o que está correto e confirma que tanto o real físico ou escritural, como o digital, são a mesma moeda, muito embora circulem em meios distintos.

Além disso, o PLP 9/22, estabelece em seu artigo 5º que se constitui em crime contra a economia popular o "confisco de poupança" nas carteiras digitais, tornando clara a preocupação com o expediente de triste memória, cuja implementação será em muito facilitada com a entrada em vigor do sistema. O ideal será deixar expresso na normativa a vedação de utilização do confisco das carteiras digitais sem autorização expressa em lei do parlamento.

Por outro lado, o projeto estabelece que o Banco Central possui responsabilidade objetiva e solidária para reparar danos decorrentes de falhas operacionais, de deficiências nas políticas de segurança cibernética e de violações à legislação de proteção de dados pessoais verificadas na atuação dos agentes de mercado que operam plataformas de pagamentos instantâneos, de sistema financeiro aberto, de moedas digitais e outras que vier a implementar dentro de suas competências legais e regulatórias.

Apesar de ser o emissor da moeda, e fiscalizador do sistema, não parece correto imputar responsabilidade objetiva e solidária ao Banco Central caso se constatem falhas operacionais, de deficiências nas políticas de segurança cibernética e de violações à legislação de proteção de dados pessoais atribuíveis aos agentes de mercado operadores dos sistemas, transformando o BC em garante universal do sistema.

Por outro lado, é inconsistente a previsão de que os serviços para pessoas naturais decorrentes das inovações regulatórias relativas à moeda digital emitida pelo Banco Central sujeitam-se ao Código de Defesa do Consumidor (artigo 8º, parágrafo único, do PLP 9/22).

Primeiro porque reduz, e não aumenta, a proteção do consumidor. Quando se fala em atuação do BC, entidade da administração pública indireta, está-se a referir em responsabilidade civil do estado na modalidade do risco administrativo, nos moldes do artigo 37, §6º, da Constituição, que fixa um conjunto de garantias muito mais amplas ao cidadão do que o código do consumidor.

Segundo porque cria uma nova categoria de consumidor, inovando o ordenamento jurídico, sem a necessária observância dos pressupostos científicos e necessários para que o ordenamento jurídico tenha uma ordenação sistêmica. Recorde-se que os usuários de serviços públicos sujeitam-se a normativa própria prevista na Lei 8.987/95, portanto, não são consumidores sob este ponto de vista.

E também não são consumidores por que não são usuários finais das soluções tecnológicas que propõe a implantação do real digital, afinal, o conteúdo da carteira digital destina-se, ele sim, à aquisição de bens e serviços com destinação final.

Outrossim, a carteira digital não é, em si, serviço financeiro (não é uma conta corrente), mas, sim, instrumentalização necessária para o trânsito da moeda de curso forçado do país, que somente existe no meio digital.

Feitas essas observações, certamente a realidade da moeda digital se imporá, devendo, entretanto, todas as autoridades e a sociedade civil regulamentar o instituto de forma a respeitar os direitos fundamentais, contendo eventuais voluntarismos que prejudiquem, ainda que bem intencionados, as garantias individuais, e mantendo a coerência sistemática e científica do ordenamento.

Conclusão
Como se vê o tema das Central Bank Digital Currencies (CBDCs) é amplo. Ultrapassa as barreiras do direito bancário e regulatório para alcançar questões estratégicas de soberania dos países e direitos fundamentais, como a liberdade e a privacidade.

Preocupa a ausência de debate público sobre o tema e a solução encaminhada, ao que parece, se cingirá à ampliação dos poderes e prerrogativas do Estado sobre parcelas cada vez maiores das garantias dos cidadãos.


[1] Progress of Research & Development of E-CNY in China. Working Group on E-CNY Research and Development of the People's Bank of China July, 2021, pág. 4. In: http://www.pbc.gov.cn/en/3688110/3688172/4157443/4293696/2021071614584691871.pdf consultado em 19 de janeiro de 2023, às 18:26 hrs.

[2] Progress of Research & Development of E-CNY in China. Working Group on E-CNY Research and Development of the People's Bank of China July, 2021, págs. 5 a 7. In: http://www.pbc.gov.cn/en/3688110/3688172/4157443/4293696/2021071614584691871.pdf consultado em 19 de janeiro de 2023, às 18:40 hrs.

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