Opinião

Gasto social e ajuste fiscal na EC nº 126

Autor

  • Antonio Moreira Maués

    é advogado e professor associado da Universidade Federal do Pará doutor em Direito pela Universidade de São Paulo e pesquisador do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico.

7 de fevereiro de 2023, 6h40

Antes mesmo de tomar posse, o governo Lula conquistou uma vitória no Congresso ao aprovar a Emenda Constitucional nº 126/22. Embora as negociações tenham sido difíceis, o novo governo obteve uma solução para manter o pagamento do Auxílio Brasil e viabilizar outros gastos sociais e investimentos em 2023, excetuando do teto de gastos o montante de R$ 168 bilhões.

Dois outros aspectos da EC nº 126/22 merecem ser destacados. Em primeiro lugar, a abertura de espaço fiscal para a execução de políticas voltadas à população mais pobre significa que uma parcela do gasto social foi priorizada na transição para o novo governo. A ordem em que as decisões governamentais são tomadas tem muitas consequências, uma vez que a adoção de determinada política, quando bem-sucedida, tende a limitar outras opções que estariam à disposição dos atores. Assim, embora o governo tenha que apresentar novas regras de ajuste fiscal em 2023, as políticas de transferência de renda condicionarão o debate sobre os limites do endividamento público, uma vez que esses gastos deverão ser mantidos próximos ao patamar em que hoje se encontram. Inverte-se, assim, a ordem de prioridade que foi adotada quando da aprovação da EC nº 95/16, no governo Temer.

Outra importante inovação trazida pela EC nº 126/22 é a previsão de que uma lei complementar instituirá um "regime fiscal sustentável" (artigo 6º), a qual revogará o teto de gastos quando for promulgada (artigo 9º). Embora o regime fiscal adotado pela EC nº 95/16 não tenha se consolidado, sua vigência estava prevista para 20 anos. Considerando que o governo deve enviar o projeto de lei complementar sobre a matéria até agosto de 2023, o Congresso reconheceu que o teto de gastos deve ser substituído por outro tipo de medida de ajuste. 

Além disso, o instrumento jurídico do ajuste fiscal deixa de ser uma emenda constitucional e passa a ser uma lei complementar. Desde o Plano Real, as medidas voltadas para o controle dos gastos públicos foram veiculadas por meio de emendas constitucionais, o que obrigou todos os governos a disporem de maioria qualificada para sua aprovação, fortalecendo o poder de veto da representação parlamentar dos partidos de direita. A partir da EC nº 126/22, essas medidas poderão ser aprovadas por maioria absoluta, o que facilita a montagem das coalizões no Congresso Nacional. No que se refere à Desvinculação das Receitas da União (DRU), o artigo 2º dessa emenda constitucional prorrogou sua vigência somente por mais um ano, até dezembro de 2024. 

Trata-se, portanto, de uma mudança importante em relação ao modo como as normas constitucionais sobre ajuste fiscal e gasto social estiveram relacionadas nas últimas décadas. Instrumentos como a DRU e o teto de gastos limitaram a destinação de recursos para as políticas sociais. A adoção de regras de controle da dívida pública por meio de lei complementar significa que as vinculações constitucionais de gastos sociais não poderão ser alteradas por ela, o que lhes garante um grau de proteção no ordenamento jurídico brasileiro superior àquele destinado a medidas de ajuste fiscal. Vale lembrar, ainda, que as atuais vinculações orçamentárias referentes à saúde e à educação integram a parte permanente da Constituição e não requerem novas emendas constitucionais para serem mantidas.

Assim, o governo Lula se inicia com uma alteração na lógica das reformas constitucionais que lidaram com os conflitos distributivos do Brasil. Com a EC nº 126/22, o ônus de obter maiorias qualificadas para reformar a Constituição passa a ser daqueles partidos que desejem reincluir no texto constitucional disposições sobre ajuste fiscal. Reforçam-se, assim, as regras que conferem poderes ao Estado para implementar políticas sociais, uma vez que os novos limites ao gasto público terão caráter infraconstitucional. Isso não significa que os conflitos distributivos deixarão de se manifestar, nem que outras regras constitucionais voltadas para o equilíbrio fiscal, como a regra de ouro (artigo 167, III) e o princípio de sustentabilidade da dívida (artigo 163, VIII), deixarão de ser utilizadas, mas sim que as disputas em torno dos gastos sociais terão que respeitar os patamares mínimos estabelecidos na Constituição. Embora insuficientes para promover uma ampla redistribuição de renda no Brasil, a manutenção desses patamares contribui para a redução da pobreza no país.

Autores

  • é advogado e professor associado da Universidade Federal do Pará, doutor em Direito pela Universidade de São Paulo e pesquisador do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico.

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