No tempo das diligências

Acusados de violência doméstica podem portar armas, diz tribunal dos EUA

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5 de fevereiro de 2023, 16h40

O Tribunal Federal de Recursos da 5ª Região, nos EUA, decidiu, na quinta-feira (2/2), que a lei federal que proíbe acusados de violência doméstica, obrigados a manter distância das vítimas por ordem judicial, de possuir e portar armas de fogo é inconstitucional. Mas "botou a culpa" na Suprema Corte.

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Ao justificar a decisão, o colegiado de três juízes do tribunal, todos conservadores, reconheceu o valor da lei: "ela incorpora objetivos saudáveis da política adotada para proteger pessoas vulneráveis de nossa sociedade". Mas teve de seguir a decisão, de 2022, da Suprema Corte, no caso New York State Rifle & Pistol Association, Inc. v. Bruen.

Nesse decisão, por 6 votos a 3, a Suprema Corte revogou uma lei de 1913 do estado de Nova York, que limitava o porte de arma. A lei requeria que, para obter uma licença para sair armado de casa, o cidadão deveria apresentar uma razão que justificasse o porte de arma por necessidade real de legítima defesa.

O que mudou tudo no país, no entanto, e que ajudou alguns juízes conservadores a revogar leis de controle de armas, foi uma parte do voto da maioria conservadora da corte, escrito pelo ministro Clarence Thomas:

"Nenhuma lei que restrinja a posse e o porte de arma é constitucional, a não ser que seja consistente com a tradição histórica da nação de regulamentação de armas de fogo, especialmente nos Séculos XVIII e XIX", escreveu o ministro.

Os juízes do Tribunal Federal de Recursos da 5ª Região, considerado o mais conservador do país (dos 17 juízes, 12 foram nomeados por presidentes republicanos), dizem na decisão que procuraram tais leis nos tais séculos — e não acharam nada (em relação a armas e violência doméstica).

Nem na Constituição, porque, quando foi criada, não havia na cabeça dos constituintes uma preocupação com violência doméstica. "A proibição à posse de arma por cidadãos acusados de violência doméstica é uma discrepância que nossos antepassados nunca iriam aceitar", escreveram.

Essa foi a segunda vez, em 2022, que a Suprema Corte faz referência à história e à tradição do país. Na decisão que revogou Roe v. Wade, o ministro Samuel Alito escreveu que o direito ao aborto "não é profundamente enraizado na história e nas tradições da nação".

Caso United States v. Rahimi
O prisioneiro Zackey Rahimi, residente no Texas, pediu ao tribunal de recursos para anular sua condenação por posse e porte de arma, em fevereiro de 2020, por participar de um tiroteio, enquanto estava sob ordem judicial para manter distância da ex-namorada e do filho deles — e não podia, portanto, possuir armas. Quando foi preso, a polícia encontrou uma pistola e um rifle em sua casa.

A partir de dezembro de 2020, Rahimi participou de cinco tiroteios diferentes. Ele atirou na casa de uma pessoa, depois de lhe vender drogas. Ele teve um acidente de trânsito e atirou no outro motorista; mais tarde voltou ao local, em outro carro e atirou novamente no carro do acidente. Atirou em um terceiro carro. Finalmente, atirou para cima em uma loja que recusou o cartão de crédito de um amigo.

A Procuradoria-Geral dos EUA argumentou no processo que os precedentes sobre direitos de possuir e portar armas, incluindo a decisão da Suprema Corte em "Bruen", reconhecem que tais direitos só se aplicam a "cidadãos ordinários, cumpridores da lei". Como Rahimi não pode ser descrito dessa maneira, tais direitos não se aplicam a ele.

O tribunal de recursos contra-argumentou que, embora Rahimi não seja um cidadão cumpridor da lei, a ordem de proteção judicial contra violência doméstica não está incluída no conjunto de leis que proíbe criminosos e pessoas com problemas mentais de possuir armas ou o porte de armas em escolas e prédios públicos.

A Procuradoria-Geral também apresentou leis "históricas análogas", dos Séculos XVIII e XIX, que falam sobre: 1) periculosidade, que proibiu certas classes de pessoas, como índios e escravos, de possuir arma; 2) porte de arma (going armed), para confiscar armas de pessoas que representassem possível ameaça à paz; 3) garantia (surety), que permitia a um cidadão requerer que uma pessoa, da qual tinham justa causa para temer, a fornecer uma garantia de que não iria lhe causar dano.

O tribunal de recursos rejeitou todos esses argumentos, com os contra-argumentos de que: 1) periculosidade se referia apenas a desarmar pessoas por classe ou grupo, o que é diferente de desarmar um indivíduo que seja uma ameaça a uma possível vítima de violência doméstica; 2) "going armed" se referia a leis aprovadas por apenas dois estados e apenas um deles manteve tal lei após 1795; 3) "surety" se referia a leis que trazem certa analogia, mas não completamente, porque permitem ao réu oferecer uma garantia para evitar a restrição à posse de arma, mas é diferente da lei em questão, que cobre a posse de arma por pessoas acusadas de violência doméstica.

De volta à Suprema Corte
O Procurador-geral dos EUA, Merrick Garland, comunicou, por press release, que vai recorrer à Suprema Corte contra a decisão do Tribunal Federal de Recursos da 5ª Região. O comunicado diz:

"Há quase 30 anos, o Congresso determinou que uma pessoa é sujeita a uma ordem judicial que a proíbe de ameaçar um(a) parceiro(a) íntimo(a) ou criança de possuir uma arma de fogo. Se analisada através de precedente da Suprema Corte ou de texto, história e tradição da Segunda Emenda, essa lei é constitucional. Assim, o Departamento de Justiça irá pedir a revisão da decisão contrária da 5ª Região."

Estudos mostram que a probabilidade de alguém praticar violência doméstica e matar uma parceira é cinco vezes maior se o agressor tiver uma arma; 70 mulheres são mortas por parceiros a cada mês; Em 2020, quando a justiça impôs uma ordem de proteção contra Rahimi, 634 mulheres foram mortas por parceiros com uma arma; parceiras e familiares foram mortos em dois terços dos tiroteios, de 2014 a 2019; a taxa de vítimas da violência armada subiu 25% em 2021. Com informações adicionais do HuffPost, CBS, MSNBC, Vox e outras publicações.

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