Opinião

Reeleição de presidente de mesa de assembleia e câmara de vereadores

Autores

  • Marcelo Labanca Corrêa de Araújo

    é mestre e doutor em Direito Constitucional (UFPE) pós-doutorado em Direito Constitucional na Universidade de Pisa (Itália) coordenador do Centro de Estudos Constitucionais em Federalismo e Direito Estadual (Constate) e professor de Direito Constitucional da Universidade Católica de Pernambuco.

  • Bruna Stephanny Morais de Oliveira Silva

    é mestranda em Direito Constitucional pela Universidade Católica de Pernambuco professora de Direito Constitucional e pesquisadora do Centro de Estudos Constitucionais em Federalismo e Direito Estadual (ConState).

3 de fevereiro de 2023, 17h20

1. O tema
Iniciam-se as eleições para as mesas do Poder Legislativo e vem à tona a questão da (im)possibilidade de reeleição de dirigentes parlamentares. Vamos examinar o assunto à luz do federalismo brasileiro, considerando recente decisão do Supremo Tribunal Federal que estabeleceu um marco temporal como critério definidor de inelegibilidade para os órgãos diretivos dos parlamentos subnacionais.

2. A jurisprudência consolidada do STF por mais de 30 anos
A Constituição determina, em seu artigo 57, que a eleição para a mesa do Poder Legislativo federal deve ser feita no dia 1º de fevereiro, no primeiro ano da legislatura (dia da posse dos deputados federais e senadores).

Essa regra, todavia, não é de reprodução obrigatória e os legislativos estaduais e municipais estabelecem momentos diferentes para a eleição parlamentar, algo que é tratado como assunto interna corporis. Alguns estados, inclusive, iniciam a legislatura um mês antes, como é o caso de Roraima [1], cuja posse dos deputados estaduais se dá no dia primeiro de janeiro, junto com o governador. Isto sem falar na infinidade de datas diferentes em cada município. Essa é a beleza da diversidade política do federalismo. Afinal, falar em federalismo significa ser simpático às diversidades políticas naquilo que não precise ser uniforme.

Mas, uma vez eleito, poderia haver reeleição? Se sim, quantas? A questão atual que se coloca é sobre se é possível um membro de uma mesa diretiva do Legislativo ser eleito por mais de uma vez consecutiva e quais são os limites dessas reeleições.

No plano federal, o artigo 57 da CF/88 estabelece a vedação à reeleição dentro da mesma legislatura. Permite-se apenas uma única reeleição, desde que ocorra entre legislaturas distintas [2].

Como funciona no plano estadual e municipal? O Supremo foi chamado a decidir sobre se vedação à reeleição seria, ou não, uma norma de reprodução obrigatória para estados e municípios. No julgamento da ADI 793/RO, a corte entendeu pela autonomia dos estados para disciplinar a vedação da reeleição, por ser algo tipicamente parlamentar e interna corporis.

Assim, haveria um espaço constitucional subnacional de livre determinação para que cada estado pudesse disciplinar o tema. Por isso, diversas constituições estaduais legislaram de forma diferente, umas permitindo reeleições de maneira indefinida, outras permitindo apenas uma única reeleição.

Esse espaço constitucional estadual, foi, todavia, comprimido recentemente, já que o STF alterou, em 2021, sua jurisprudência para dizer que os estados não mais possuem a autonomia de disciplinar se cabe, ou não, reeleição de membro de mesa.

3. A mudança da jurisprudência do STF em 2021 para permitir apenas uma única reeleição
A reeleição de membro de mesa passou a ganhar novas discussões a partir da argumentação desenvolvida na ADI 6.524 (relator ministro Gilmar Mendes, com julgamento em dezembro de 2020), cujo teor demonstra uma tendência de aplicabilidade da vedação de reeleições sucessivas em razão do princípio democrático, especialmente por se tratar de cargos estratégicos no Parlamento e por guardar relação com a efetivação do pluralismo político e a alternância do poder.

A ADI 6.524 mirava a questão da reeleição do parlamento federal e utilizou, como parâmetro, a norma sobre reeleição de presidente da República para aplicar a reeleições de presidentes da Câmara e do Senado. Mas ali foi lançada a base que passou a vincular também os parlamentos subnacionais.

Após tal julgamento, diversas ADIs foram propostas pela Procuradoria Geral da República em face a Constituições estaduais para que tivessem a mesma limitação do plano federal, vedando um terceiro mandato. Por isso, em diferentes estados, a possibilidade textual de reeleições ilimitadas nas Constituições estaduais levou o STF a adotar a técnica de interpretação conforme, com o objetivo de limitar a uma única recondução de membros da Mesa Diretora para os mesmos cargos. A corte passou a aplicar o entendimento de única recondução (dois mandatos consecutivos) em diversas ações [3].

Diante da nova jurisprudência, a grande questão é a partir de quando deve ser realizada a contagem dos mandatos para fins de cálculo de inelegibilidade?

4. A modulação dos efeitos temporais diante de uma nova orientação jurisprudencial: o marco divisor
 Estamos diante de uma situação de alteração de regramento constitucional pela via da mutação constitucional. Afinal, havia um entendimento consolidado do Supremo que permitia a reeleição sucessiva de membro de mesa. Já a partir de 2021, com a ADI 6.524, o STF, ao julgar uma questão federal de reeleição de membro de parlamento nacional, terminou criando a base para o desenvolvimento da mudança jurisprudencial também aplicável aos estados. A partir de tal orientação, a corte passou a adotar, em diversas outras ações, o princípio democrático de alternância para limitar a dois mandatos a reeleição de membro de mesa de parlamento estadual, utilizando-se como parâmetro a permissão de uma única reeleição para governadores [4].

Diante da mudança excepcional de algo já estável, a modulação dos efeitos temporais passa a ser, nesse caso, uma necessidade. Toda alteração de regra quando em curso vigência de mandato não pode ser aplicada com a contagem do mandato em curso para eventual decisão sobre critério de inelegibilidade. Isto vale para alterações por via legislativa e, também, para mudança de interpretação por parte da corte. E existe uma razão para isso: a dinâmica parlamentar dos acordos na formação de maiorias e na composição com blocos parlamentares indica que o desenvolvimento da atividade legislativa durante a legislatura é fruto dos acordos celebrados com compromissos futuros.

A sucessão de decisões em diversas ADIs propostas contra constituições estaduais fez com que o STF, em 7 de dezembro [5], estabilizasse as relações a partir da modulação dos efeitos temporais. Na ADI 6.688, proveniente do Paraná, de relatoria de Gilmar Mendes, analisou-se a modulação dos efeitos temporais. Na mesma ocasião foram julgadas as ADIs 6.698, 6.714, 7.016, também de relatoria do ministro Gilmar Mendes, e 6.683, 6.686, 6.687, 6.711 e 6.718, relatadas pelo ministro Nunes Marques. Todos esses julgamentos que antes estavam em plenário virtual foram deslocados para o presencial justamente para colher o consenso em relação à modulação. Prevaleceu a tese segundo a qual "não serão consideradas, para fins de inelegibilidade, as composições eleitas antes de 7 de janeiro de 2021" [6]. Consequentemente, após essa data, 7 de janeiro, qualquer parlamentar pode ter ainda duas eleições.

Em conclusão, não é possível, portanto, impedir qualquer parlamentar de se reeleger como membro de mesa nas próximas legislaturas utilizando de qualquer eleição ocorrida antes de 7 de janeiro de 2021 para calcular tempo de mandato para fins de configuração de inelegibilidade. Até mesmo porque as hipóteses de inelegibilidade são sempre interpretadas restritivamente, tendo a própria corte estabelecido o marco temporal indicando quando se pode (e quando não se pode) contar o tempo para fins de inelegibilidade.

5. A realidade nas assembleias dos 26 estados: é possível a reeleição dos seus presidentes na próxima legislatura?
Será que os presidentes do biênio 21-22 poderiam se reeleger para a mesa da próxima legislatura (23-24) e, também, para a seguinte (25 e 26)? Para responder, é preciso identificar se as eleições passadas foram realizadas antes ou depois de 7 de janeiro de 2021 (marco temporal).

O Centro de Estudos Constitucionais em Federalismo e Direito Estadual [7] fez um mapeamento de todas as eleições dos parlamentos estaduais nos dois biênios 19/20 e 21/22 das mesas diretoras das assembleias legislativas dos 26 estados e do Distrito Federal para identificar quantos mandatos os presidentes possuem e quantas eleições para o biênio 21/22 ocorreram antes do dia 7 de janeiro de 2021. Segue mapeamento:

Em dez estados (Acre, Alagoas, Goiás, Maranhão, Mato Grosso do Sul, Minas Gerais, Paraíba, Pernambuco, Rio Grande do Norte e Tocantins), verificamos que os presidentes das assembleias legislativas foram eleitos pela primeira vez no biênio 19/20 e reconduzidos para o biênio 21/22, obtendo assim dois mandatos.

Em dois estados, (Amapá e Mato Grosso) os presidentes das assembleias legislativas já estão no terceiro mandato, ou seja, foram eleitos no biênio 17/18 e reconduzidos para os biênios 19/20 e 21/22.

Ainda, em dois estados (Paraná e Sergipe) os presidentes das assembleias estão no quarto mandato, ou seja, foram eleitos no biênio 15/16; e reconduzidos para os biênios 17/18; 19/20 e 21/22.

O que todos eles têm em comum? Suas eleições para o biênio 21/22 foram feitas antes do dia 7 de janeiro de 2021, o que significa dizer que, apesar de terem dois, três ou quatro mandatos, esses presidentes são elegíveis para os biênios 23/24 e 25/26, já que, de acordo com o STF, "não serão consideradas, para fins de inelegibilidade, as composições eleitas antes de 7/1/2021" (a exceção é quando o parlamento antecipou suas eleições para momento anterior para burlar o entendimento do Supremo, mas estes fatos não podem ser verificados neste artigo pois exigiriam uma análise caso a caso).

Já em sete estados (Amazonas, Bahia, Ceará, Pará, Rondônia, Santa Catarina, São Paulo) os presidentes do biênio 19/20 e 21/22 são distintos, sendo assim, não há que se falar em problema de recondução.

Em dois estados (Espírito Santo e Rio de Janeiro) os presidentes do biênio 19/20 são os mesmos do biênio 21/22, mas a eleição do biênio 21/22 aconteceu depois do dia 7 de janeiro de 2021, dessa forma, esses presidentes estão elegíveis tão somente para o biênio 23/24. Obviamente, estamos falando em tese pois, na prática, o presidente da Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro, por exemplo, não continuou como deputado estadual (tentou a eleição para senador mas perdeu). Já não poderia, claramente, ser reeleito para presidir um parlamento (Alerj) do qual não fará parte na próxima legislatura.

No Piauí, a mesma pessoa presidiu a assembleia legislativa por nove mandatos, inclusive o 19/20 e 21/22, sendo reconduzido para o biênio 21/22 antes do dia 7 de janeiro de 2021, mas renunciado ao cargo porque foi eleito vice-governador.

Em Roraima, por sua vez, já houve eleição para o biênio 23/24, tendo em vista que a sessão preparatória acontece no dia 1 de janeiro no estado.

No Rio Grande do Sul, vimos uma situação inusitada. Em que pese o artigo 21, §1º do Regimento Interno da Assembleia Legislativa tenha em seu texto que "será de dois anos o mandato de membro da Mesa, vedada a recondução para o mesmo cargo na eleição imediatamente subsequente", os parlamentares utilizam outra forma para escolher quem comandará a casa, que chamam de "gestão compartilhada", um acordo político onde as quatro maiores bancadas que possuem assento no parlamento indicam um presidente por um ano. Ou seja, o mandato de cada presidente é apenas de um ano.

Outra questão interessante que encontramos entre os estados foi a forma como Paraíba, Rio Grande do Norte e Rondônia elegem as suas mesas diretoras. Foi averiguado que ambos os estados elegem as duas mesas dos dois biênios já no primeiro dia da legislatura, na primeira sessão preparatória. Não se trata de "antecipação", mas sim de livre autonomia para marcação da data da eleição de cada mesa, como dito no início deste estudo.

5. Conclusão
Com isso, conclui-se que, de acordo com a jurisprudência do marco temporal delimitada pelo STF, dentre os 26 estados da federação, em 14 deles os presidentes das assembleias poderiam seguir à reeleição para o biênio 23-24 e 25-26, já que foram eleitos antes do dia 7 de janeiro de 2021 e a decisão do Supremo afeta os presidentes de assembleias legislativas que foram eleitos após o dia 7 de janeiro de 2021.

O mesmo raciocínio lógico se aplica aos membros das mesas das câmaras de vereadores, devendo-se identificar a data da eleição do biênio 21-22 como critério para identificação de eventual inelegibilidade.


[1] Art. 30, §4º da Constituição do estado de Roraima.

[2] No plano federal, a vedação ali indicada é para o biênio imediatamente subsequente àquele iniciado no primeiro ano da legislatura. Assim, se o biênio subsequente ao iniciado no terceiro ano da legislatura, não haveria vedação. Por isso, permite-se reeleição entre legislaturas, mas não dentro da mesma legislatura.

[3] Ver ADI 6.685/MA; ADI 6.674/ MT; ADI 6.717/MT; ADI 6.703/RR; ADI 6720 MC/AL, dentre diversas outras, todas no mesmo sentido. Os casos foram referentes a Estados, mas a questão da reeleição de vereadores para as mesas das Câmaras de Vereança deve seguir a mesma lógica: vide ADPF 959, decisão em https://www.stf.jus.br/arquivo/cms/noticiaNoticiaStf/anexo/ADPF959DECISaO.pdf. Recentemente, na ADPF 1016, o STF repassou o tema para decisão dos Tribunais de Justiça (Notícia da decisão em https://portal.stf.jus.br/noticias/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=500381&ori=1)

[4] "Ainda que não se aplique o princípio da simetria no que tange ao artigo 57, § 4º, da CRFB, a reeleição dos dirigentes do Poder Legislativo estadual deve observar o denominador comum hoje disposto no art. 14, § 5º, da Constituição Federal – isto é, a permissão de reeleição por uma única vez" (ADI 6.713-PB)

Autores

  • é mestre e doutor em Direito pela UFPE, pós-doutorado na Universidade de Pisa (ITA), diretor do ConState (Centro de Estudos Constitucionais em Direito Estadual), pesquisador do Grupo REC (Recife Estudos Constitucionais, professor de Direito Constitucional do mestrado e doutorado em Direito da Universidade Católica de Pernambuco e autor dos livros "Jurisdição Constitucional e Federação: o princípio da simetria na jurisprudência do STF" e "Teoria da Repartição de Competências Legislativas Concorrentes".

  • é mestranda em Direito Constitucional pela Universidade Católica de Pernambuco, professora de Direito Constitucional e pesquisadora do Centro de Estudos Constitucionais em Federalismo e Direito Estadual (ConState).

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